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Quem fala assim acaba em boa companhia |
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Um dia fui estudante de engenharia. Era
interessante ver o “respeito” das pessoas, porque naqueles tempos um canudo de
engenharia trazia uma garantia: se o cara não ficasse rico, pelo menos ia ganhar
uma grana legal. A educação ainda era fator de mobilidade social e promessa de
um futuro brilhante. E no país do “você sabe com quem está falando?” isso faz
muita diferença.
O problema é que eu não tinha o menor tesão
por aquilo. Um dia recebi um convite para trabalhar no jornal A Notícia e
larguei a faculdade na hora. Aí o papo começou a ficar diferente. Tinha gente
achando que eu era maluco por deixar a engenharia, uma profissão com futuro, e
ir para o jornalismo, onde a grana era escassa. E o pior: como não queria
deixar de estudar, fui fazer um curso de história. Teve gente achando que eu
era doido de pedra.
Ok, leitor e leitora, não estou aqui para
fazer psicanálise. Só falo nisso para introduzir o tema de hoje: um comentário
de Luiz Carlos Prates sobre a inutilidade dos cursos de ciências humanas, que ele
considera áreas “menos nobres” da universidade. O homem vai mais longe e descreve
as humanas como um lugar de fracassados, de “gente que não deu para nada, não
consegue passar em vestibular nenhum” (filme no fim do texto).
Feita a introdução, vou me antecipar e dar o
veredito, mesmo antes de apresentar os argumentos: o que o homem diz é um chorrilho de besteiras, fruto de muito preconceito social e ignorância em
relação ao mundo acadêmico. Aliás, faz lembrar um ditado muito usado aqui em
Portugal: “não vá o sapateiro além dos sapatos”. Porque a academia seguramente
não parece ser a praia do tal Luiz Carlos Prates.
NA POLÍTICA - Antes de prosseguir devo dizer
que nunca prestei muita atenção ao sujeito (mesmo quando ainda vivia no Brasil).
É natural. Ele fala para um público do qual eu não faço parte: os conservadores
de sangue nos olhos. E todos sabemos que para agradar essa gente é preciso
repisar os mesmos temas. O ódio aos pobres. O ataque fácil aos políticos. O
moralismo histriônico. O elogio da ditadura. E exercer a arrogância típica dos
letrados iliteratos.
Quando enfatiza as “greves” e as “bandeiras
vermelhas na praça”, o homem deixa claríssimas as suas posições políticas e as intenções da intervenção. Alguma dúvida? Afinal, nas palavras do próprio, quem
tem competência e vergonha na cara não sacode bandeira vermelha em praça
pública. Ou seja, a sociedade ideal de Luiz Carlos Prates é aquela de gente
submissa e acabrunhada que aceita a ordem “natural” das coisas: nada muda e não se luta por
uma vida melhor.
NA ACADEMIA – Quando fala no plano
acadêmico, é derrapada atrás de derrapada. Numa distração, o homem diz que o
país precisa de língua portuguesa. Uai! É uma ciência exata? Não parece. Se bem
que os conservadores gostariam de engessar a língua. Porque linguagem é
pensamento. E linguagem de qualidade (a compreensão dos conceitos) é pensamento
de qualidade. E se houver pensamento de qualidade não há quem ature tipos como
ele na televisão.
O terceiro-mundismo mental de Luiz Carlos
Prates fica patente na afirmação de que “pós-graduação e doutorado no Brasil
valem menos que o segundo grau na Alemanha”. A lógica do colonizado é simples:
“se é alemão é bão”. Mas é o tipo de conversa de quem entende nadinha do
assunto. O homem não deve conhecer o Processo de Bolonha e nem saber das suas
consequências.
Não vou tentar explicar Bolonha, porque venho de uma
área menos nobre da academia e a minha opinião não ia contar. Mas mantenho a
ideia de que é preciso estudar porcarias como história, geografia, pedagogia ou
sociologia para ler o mundo. Porque a ciência e tecnologia só fazem sentido se
forem feitas para as pessoas. E as pessoas são humanas.
Pelo discurso, imagino que Luiz Carlos Prates
seja um estudioso de física quântica, neurocirurgia ou células estaminais e que
eventualmente tenha um doutorado feito na Europa. Deve ser por isso que só fala
para um público de adiantados mentais.