quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A indiferença é irmã gêmea do fascismo

POR CLÓVIS GRUNER
O deputado e candidato à presidência Jair Bolsonaro é um fascista. E seus eleitores, também? Na segunda (22), meu colega José António Baço respondeu afirmativamente à questão e, nos comentários, um dos anônimos mencionou meu nada santo nome em vão, no que me soou uma espécie de inquirição. Minha resposta à pergunta está em um texto publicado em agosto, e não vejo motivos para reparar o que está escrito nele.

Mas o problema me parece outro: faz mesmo alguma diferença se os eleitores de Bolsonaro são todos fascistas? Mesmo que não o sejam (e não acho que sejam) ao votarem nele, não legitimam a ascensão de um fascista? No domingo, a se confirmarem as pesquisas, Bolsonaro chega ao poder montado na campanha mais sórdida, mentirosa e violenta na história recente da República – e o páreo, convenhamos, é duro.

Ele não era oficialmente candidato, mas já viajava o país em campanha usando ilegalmente recursos públicos, quando vociferou que, em seu governo, as minorias se submetem à maioria, ou desaparecem. O que ele pretendeu com a afirmação, ficou mais claro no silêncio que manteve, e mantém, sobre o assassinato de Marielle Franco, executada com três tiros na cabeça por não se sujeitar e combater a maioria e as milícias, aquelas que Bolsonaro elogiou em um de seus discursos parlamentares.

Em seu primeiro pronunciamento após a votação do primeiro turno, condicionou a unificação do país ao fim de “toda forma de ativismo”. Não é preciso nenhum esforço para entender a que ativismo ele se referia, porque é legítimo supor que os seus próprios ativismos e aqueles que reverberam suas ideias (tipo mulheres ganharem menos e pobres serem privados do ensino superior), deverão ser mantidos e estimulados em seu governo.

No domingo, seguro que tem o apoio de uma maioria nada silenciosa, e contando com a conivência acovardada do STF, que insiste em afirmar a “normalidade das instituições”, Bolsonaro ampliou o escopo daqueles que pretende perseguir caso eleito: a “escória vermelha”, disse, precisa escolher entre o exílio ou a prisão (aos trabalhadores ele já sugeriu escolherem entre direitos e emprego), e aniquilá-la será a condição para melhorar o país.

Os exemplos abundam, mas não é preciso que me alongue mais. É bastante provável que, a essas alturas, a maioria dos seus eleitores conheça cada uma dessas declarações e outras tantas. Mas a tendência geral é, cinicamente, ignorá-las, relativizá-las ou justificá-las, como no episódio do caixa 2, apelando a teorias conspiratórias as mais esdrúxulas. Bolsonaro é “mito” até quando recebe apoio da Ku Klux  Klan e reduz a “coitadismo” a desigualdade e o preconceito.

A parada do velho novo – Em “Como a democracia chega ao fim”, o cientista político David Runciman parte da eleição de Donald Trump nos EUA, para analisar o que chama de “versão caricatural do fascismo”. A insatisfação e a desconfiança com a democracia, geradas principalmente pela crise econômica, propiciaram a ascensão de um líder populista, que se apresentou aos eleitores como um outsider antissistêmico. Sem um programa claro, Trump foi eleito oferecendo soluções simplistas para problemas complexos, somando-se a isso a produção e proliferação serial de fake news, o preconceito contra minorias e o anti-intelectualismo.

Há semelhanças com o caso brasileiro, mas as diferenças chamam mais a atenção. Não temos o poder nem a influência econômica dos EUA. Na linguagem do mercado, o Brasil não é um player, e a eleição de um fascista pode dificultar a almejada recuperação econômica. Além disso, a democracia americana é sólida o suficiente para assegurar a cada cidadão, eleitor ou não de Trump, que seu mandato tem prazo de validade. Não temos a mesma garantia.

Além disso, Bolsonaro conjuga elementos do fascismo histórico – a irracionalidade, o personalismo, o elogio da força física e da violência, a moralização da política e a demonização de supostos inimigos, por exemplo –, a formas de autoritarismo cultivadas no terreno fértil da história nacional: a escravidão, experiência estruturante do nosso racismo; a violência estatal contra movimentos sociais; o esquecimento da ditadura; a cordialidade, raiz de nossa baixa tolerância à democracia.

As democracias modernas, nos ensina Runciman, morrem por dentro. A eleição de líderes populistas autoritários, argumenta, é o primeiro passo para um caminho de difícil retorno: quando abrimos mão de nossos direitos e liberdades, ou simplesmente votamos insensíveis ao fato de que indivíduos e grupos serão forçosamente privados deles, porque parte de “minorias”, estamos legitimando com nossas escolhas o fascismo.

Na segunda, não por acaso o dia seguinte ao discurso inflamado de Bolsonaro me oferecendo e a muitos de meus conhecidos, a prisão ou o exílio, e nos ameaçando com o aniquilamento, uma petição pública virtual circulou pela internet pedindo apoio à proposta de pena de morte para “petistas”. Antes de ser tirada do ar, já havia colhido cerca de 400 assinaturas.

Um eleitor de Bolsonaro me disse, em meio a uma discussão algo acalorada, que eu estava a exagerar; o abaixo assinado, afinal, não prosperou. Que ele tenha sido concebido e proposto, e que quase quatro centenas de internautas tenham se disposto a assiná-lo, basta. Se todos os eleitores de Bolsonaro são, como ele, fascistas? Como eu disse, isso importa menos. São indiferentes, e a indiferença já produziu, na história, um bom quinhão de barbárie.

20 comentários:

  1. O discurso de "normalidade das instituições", me faz lembrar da "política do apaziguamento" do começo das ações de Hitler. Aqui no Exército estão todos entusiasmados com a possível vitória do Bolsonaro, todos com quem converso defendem as atitudes agressivas e ameaçadoras à democracia, como a do filho do Bolsonaro e a de ontem do Cel da reserva contra a ministra Rosa Weber. Quem já serviu em quartéis de tropa, como infantaria ou cavalaria, sabem que existem muitos oficiais e praças com essa mentalidade altamente autoritária. Muitos mesmo!

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    1. Mary Douglas, uma antropóloga norte americana, tem um livro chamado "As instituições pensam" - primoroso, aliás. A mentalidade da caserna é autoritária, e deve ser difícil fugir a ela. Não surpreende que tantos praças e oficiais vejam com entusiasmo a possibilidade de um "governo forte".

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    2. Bacana, encontrei o livro na Amazon, já comprei (um pouco caro). O senhor tem alguma indicação de livro especificamente sobre autoritarismo? Não apenas institucional, mas nas relações interpessoais! Grato.

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    3. Já comentei aqui num texto da Fahya e vou repeti-lo. Vestir uma camiseta amarela e ir pras ruas com o exercito aquartelado é uma coisa, querer reivindicar algo com as tropas armadas na avenida aí são outros quinhentos!

      Quem vota no Bolsonaro usa o velho jargão, vamos virar uma Venezuela. Ironia a parte, o presidente de lá tem o exercito na mão.

      Mas qualquer coisa temos o MBL para nos defender, ops, péra!!!

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  2. No melhor estilo "Pacheco" de ser, parei de ler no "fascismo",... do título. Imagino que o resto seja aquela asneira costumeira: Bolsonaro fascista, racista, etc...

    Chaaaaaaaaaaaaato!


    HGW XX/7

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  3. Só pra constar, aquela jornalista que apareceu com um símbolo budista no lombo, é acusada pelo laudo pericial de ela mesma ter feito.
    Sem mais.

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    1. Li a respeito. E estou contando os minutos pra alguém se aproveitar disso e sugerir que Moa do Katendê não foi assassinado, mas cometeu suicídio com 12 facadas nas costas. Afinal, como diria seu candidato sobre o Herzog: as pessoas praticam o suicídio.
      Sem mais.

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    2. https://www.metrojornal.com.br/foco/2018/04/25/empresario-agredido-em-frente-ao-instituto-lula-pede-para-ser-ouvido-novamente.html

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    3. Sério que você quer começar uma briguinha pra ver quem tem o número de links maior? Tá bom, já que você gosta de bancar o machinho, vamos brincar de Doria e ver quem tem o maior:

      - aqui, sobre a onda de agressões de eleitores de Bolsonaro após o primeiro turno:

      https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/11/politica/1539282750_803269.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM&fbclid=IwAR07jvbK99OYE-l6BtJuYTLEI7OoQr_POp0GGc2xS83uzL-hGtpZ-hkQFHg

      https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/politica/1539891924_366363.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM&fbclid=IwAR0sv8Xxmaurd93L6aaLmWO5ZDs2jMLAdOueLraO51_z3oU0bwGAAR6IDXU

      - aqui, sobre os assassinatos cometidos por eleitores de Bolsonaro (mas se você quiser, pode dizer que foi suicídio, porque as pessoas praticam suicídio, segundo seu candidato):

      https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/justica-acata-denuncia-e-acusado-de-matar-moa-do-katende-vira-reu.shtml

      https://ponte.org/travesti-e-assassinada-a-facadas-no-centro-de-sp-sob-gritos-de-bolsonaro-presidente/

      https://revistaladoa.com.br/2018/10/noticias/transexual-e-morta-com-golpe-de-faca-por-eleitor-de-bolsonaro-em-aracaju/

      - aqui, ameaças à profissionais de imprensa:

      https://catracalivre.com.br/cidadania/folha-pede-protecao-da-policia-contra-ameacas-de-fas-de-bolsonaro/?fbclid=IwAR095la1hEGKOSwRSpAKC8KGiXFyzbI4K5AnmM8sqAjWMiNFTk3rmv6wplg

      https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/25/politica/1540421807_567942.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM&fbclid=IwAR35yK8JKdRdQ2HmrH7jVQLnRIoNDRiyI4sKiaF2EUOe0cLBjocrm_yi3k8

      - aqui, sobre as propostas de Bolsonaro à segurança pública, que facilitam o aumento da violência (e não o contrário):
      https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/24/opinion/1540336594_761394.html?id_externo_rsoc=TW_CC&fbclid=IwAR0MyguGOwdShrTF5X9XTlQf8e1hYWwLQ7bCJS2JZvZAAegQ1tzcO1ddZXE

      E repare: são notícias novas, todas das últimas duas semanas, depois do segundo turno. A gente pode continuar nisso, mas fica a dica: assuma logo que seu candidato e parte expressiva dos eleitores aderiram aberta e explicitamente à violência, e que eles não ligam se vidas estão sendo desperdiçadas. Nem eles e, provavelmente, nem você.

      Abraços.

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    4. acrescenta essa aí
      https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2018/10/familia-e-amigos-cobram-investigacoes-da-morte-de-eleitor-de-bolsonaro.html

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  4. A vitimização da esquerda é um baita pe no saco. Se pra cada exemplo que vc dá não houvesse outro do lado la. Falando em indiferença veja o caso do Orlando Zapata então.

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    1. Concordo com você que a vitimização da esquerda é um pé no saco. Na verdade, acho que a vitimização da esquerda fragiliza a democracia. E nos últimos dias tem custado algumas vidas.

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  5. Outra coisa os eleitores do Bolsonaro os quais eu me encluo muitos ja votaram no PT, como eu. Votei no Lula na primeira eleição, e na Dilma no segundo turno da ultima eleição. Então é fato que dentre todos esse voto atuais do Coiso, muitos já foram do PT, Pq na época eles nao eram fascitas?

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    1. "Mas o problema me parece outro: faz mesmo alguma diferença se os eleitores de Bolsonaro são todos fascistas? Mesmo que não o sejam (e não acho que sejam) (...)".

      Uma pena que não tem como negritar, mas está lá, no começo do segundo parágrafo.

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    2. Mais mentirosa rss! Quem precisa de mentiras contra o PT?

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    3. Acho que você comentou no texto errado, Fabio. Mas fique tranquilo, todo mundo aqui sabe que você é um menino meio confuso mesmo.

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    4. "Bolsonaro chega ao poder montado na campanha mais sórdida, mentirosa e violenta na história recente da República – e o páreo, convenhamos, é duro." Este é seu segundo parágrafo que vc pediu pra ler. Li a primeira parte mas a segunda chamou mais minha atenção.
      Ninguém precisa mentir contra o PT, fato.

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    5. Mas se ninguém precisa, por que mentem? Ou você mamou mesmo em mamadeira com bico de pênis quando era criança?

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    6. Essa da mamadeira não vi, mas o que vejo todos os dias no Facebook é algumas fábricas de mentiras como:DCM, 247, quebrando tabu, socialista morena, mídia ninja. Claro que tem exageros nas mídias sociais, mas quem tem se esforçado pra criar uma narrativa contra essa anarquia é a esquerda e a mídia, através das fale news.

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