quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Abortar não é crime; é saúde pública

POR CLÓVIS GRUNER
Encerrou na segunda (06) a audiência pública convocada pela ministra Rosa Weber, do STF, para discutir a ADPF 442, ajuizada pelo PSOL em novembro de 2017, que descriminaliza o aborto realizado nas primeiras 12 semanas de gestação. Durante dois dias – a audiência começou na sexta-feira (03) –, representantes de 50 entidades apresentaram argumentos favoráveis ou contrários à descriminalização.

Uma das principais referências sobre o tema no Brasil e coordenadora da Pesquisa Nacional do Aborto, a antropóloga Débora Diniz (que chegou ao Supremo com escolta policial depois de ser ameaçada de morte pelos defensores da vida) fez uma das falas mais contundentes. Ancorada nos dados da pesquisa que coordenou em duas ocasiões – 2010 e 2016 –, ela apresentou um perfil minucioso do aborto no Brasil, uma prática recorrente, mas que, ilegal, é responsável pela morte de inúmeras mulheres e motivo ou ameaça de prisão para outras tantas.

De acordo com a PNA, cerca de 15% das mulheres entre 18 e 39 anos já fez pelo menos um aborto. O índice é maior – aproximadamente 18% – se tomadas como referência apenas as mulheres entre 35 e 39 anos. Na média geral, uma em cada cinco mulheres já fez aborto. O índice é maior nas regiões Norte e Nordeste – 15% e 18%, respectivamente, contra 11% e 6% no Sudeste e Sul. O corte étnico, de classe e nível de escolaridade também é significativo: 22% das mulheres que cursaram até a quarta séria já fizeram aborto, o dobro daquelas com nível superior.

O fenômeno se repete se tomada a renda familiar: 16% das mulheres com renda de até um salário mínimo já abortaram, contra 8% das com renda acima de cinco salários. Algo em torno de 25% de mulheres pretas, pardas ou indígenas já abortaram, índice bastante superior aos 9% de mulheres brancas. Ou seja, mais que uma excepcionalidade, o aborto é uma prática comum entre mulheres comuns. O incomum é sua criminalização, e é sobre ela que precisamos falar.

Um debate público – Um dos argumentos favoráveis à descriminalização, é de que não se trata de uma decisão simples, que acarreta quase sempre danos físicos e emocionais a quem o faz. A premissa é verdadeira e bem intencionada, mas incorre em um equívoco fundamental. Ela mantem na esfera pessoal e privada, um debate que precisa ser travado na esfera pública. Na prática, reitera em outra chave as razões alegadas pelos que são favoráveis a que mulheres sejam encarceradas ou morram por realizarem um aborto.

Quase sempre de fundo moral ou religioso, os argumentos favoráveis à criminalização tendem a reproduzir, tomando como verdadeiro, um cenário que não encontra sustentação em qualquer dado do real: descriminalizar o aborto não é obrigar mulheres a fazê-lo; nem se formarão filas em hospitais, clínicas e postos de saúde de gestantes ávidas por abortar. Não estamos falando de um “genocídio”, como defendem alguns, perversamente.

Na prática, a descriminalização, além de tratar o tema como um direito fundamental, em consonância com a Constituição 88, retira da esfera jurídica e policial o que não deveria ser um crime, e o desloca para o seu lugar de direito: o da saúde pública. E não se trata apenas de defender a vida e a liberdade de mulheres, especialmente mulheres negras e pobres, por muitas e óbvias razões as mais expostas e vulneráveis seja à prisão ou à morte em uma clínica clandestina.

Descriminalizar o aborto e tratá-lo como um tema e um problema de saúde muda, principalmente, a competência do Estado. Podendo falar dele abertamente, pode-se desenhar políticas públicas para, além de proteger, prevenir e mesmo evitá-lo, o que vimos acontecer em países onde ele já foi descriminalizado, caso do vizinho Uruguai. Tema sem dúvida controverso e delicado, o aborto demanda inúmeras formas de tratar as mulheres que a ele recorrem. A cela de uma prisão não é uma delas. A morte tampouco.

15 comentários:

  1. Não tem nada a ver com a moral, mas com a ética. Diga o que é aquilo que está no ventre da mulher? Está em dúvida se é um punhado de células, feto ou ser humano? A ciência, não!

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  2. O autor é a favor do aborto, mas é contrário às ações da justiça que evitam a gravidez indesejada de mães incapazes e irresponsáveis de inocentes que padecem de fome e são largados à própria sorte. Hipócrita!

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    1. Algum dia ainda escrevo sobre esse hábito tão comum aos liberais brasileiros (o que, suponho, é o seu caso), que amam o Estado sempre que a mão pesada d’Ele interfere nos direitos e liberdades individuais de mulheres, LGBTs, negros, pobres, etc.

      Sobre o seu comentário: quando você, perversamente, coloca no mesmo grau de equivalência uma mulher ser presa (ou morta) por ter abortado, e o Estado esterilizar compulsoriamente uma gestante, dificulta chama-lo inclusive de hipócrita.

      Porque você precisaria melhorar, e muito, isso que quem tem costuma chamar de caráter.

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  3. Debora Diniz é o fake news em pessoa, já que a esquerda adora este termo, mas para os outros. Existe um dado no Brasil que é extremamente fidedigno que é mortalidade em mulheres em idade fértil, pode procurar no DATASUS é veras que mortalidade geral para aborto(espontâneo e provocado) é menor que 2 digitos, só este dado demonstra que o aborto passa longe e muito longe de ser um problema real de saúde publica. Sem contar por exemplo que em 2015 houveram 3 mortes por aborto por razoes médico legais. Se quiser explicações sobre como é feito esta compilação de dados poderei explicar. Sem contar o próprio fato de uma pessoa pró aborto fazendo pesquisa é um baita de um vies.
    Outra coisa não existe uma mulher presa no Brasil por aborto, na pratica o que ocorre é uma inibição de formação de uma rede que vai lucrar com esta pratica.

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    1. Estou aqui chocado e tentando imaginar porque a Rosa Weber não o chamou para ir ao STF.

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  4. É o máximo que consegue fazer? A falácia do apelo a autoridade?Não sabe brincar não desce pro play!

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    1. Não é o máximo que eu consigo fazer, mas é o máximo que você merece. Quer dialogar a sério, de verdade? Comece, por exemplo, lendo os artigos publicados e disponíveis da Débora Diniz.

      Se você pretende ser autoridade no que não é - e foi o que você fez no seu primeiro comentário -, recomenda-se respeitar o interlocutor, especialmente quando a interlocutora em questão já é uma autoridade no assunto. Coisa que você não fez no seu primeiro comentário.

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  5. Pior que li, mas eles são embasados em questionários aplicados em mulheres em idade fértil, por outras mulheres. E quem faz este questionário e quem aplica?Há um infinidade de viés ai, ainda mais vindo de uma pessoa que milita na área. Questionários assim servem como pesquisa inicial, mas longe de qualquer possibilidade de dados reais. A validade disso cientificamente é igual a zero pior de tudo é que se contradizem mostrando números fantasiosos frente a um dado extremamente objetivo como mortalidade.
    Trabalhei com a investigação de óbitos de mulheres, pra sua informação,e sei da força destes dados não me deixaria enganar por um estudo qualitativo.

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    1. Então faz um favor, avisa lá a Organização Pan-Americana de Saúde que eles premiaram uma pesquisa com validade científica zero e sem qualquer possibilidade de dados reais.

      https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=3011:estudo-sobre-aborto-no-brasil-recebe-o-premio-fred-l-soper-a-excelencia-em-literatura-sobre-saude-publica&Itemid=875

      http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2012/09/trabalho-de-pesquisadores-da-unb-sobre-aborto-no-brasil-e-premiado.html

      Por quem sabe, com a sua informação, eles ainda têm tempo de corrigir o erro.

      Abraços.

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    2. VC acha que a OPAS essa entidade que esta envolvida numa infinidade situações fraudulentas tem algum crédito?
      Podia fazer um textão sobre escravidão dos médicos cubanos intermediada pela OPAS! Tipo ficamos com inveja dos portugueses que foram responsáveis por escravizar os negros, agora temos uma escravidão pra chamar de nossa. Ou vc acha que não tem nada de errado com o contrato dos médicos cubanos com o Brasil?

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    3. OPAS e outras instituições estão todas equivocadas.
      Cientistas, por favor, atentem-se ao que o Fabio diz. Esse sim tem razão.

      Questionário precisam ser validados. Pesquisas são avaliadas (às cegas) por um processo muito criterioso (mais de 90% dos trabalhos são recusados ao chegar nos melhores periódicos de cada área).

      Duvidar disso tudo é duvidar da forma como a ciência é feita no mundo. E isso diz mais sobre você do que sobre a ciência.

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  6. Vcs não sabem outro tipo de sofisma não? O mesmo apelo a autoridade!A primeira falacia que Socrates combateu! A OPAS no caso premiou a pesquisa, quem publicou foi a revista Ciência & Saúde coletiva , da Fiocruz, não foi uma revista Lancet da vida, sem falar que a Fiocruz a entidade deixa com uma baita duvida, vista sua pauta progressista. Fato bem evidente ao se ver os temas publicados em qualquer publicação desde sua fundação. E Duvido muito que revisores não seriam mais rigorosos se o tema fosse contra o Aborto.
    No mais os dados da pesquisa são pretensiosos, e numa leitura chama atenção por ser um questionário, viés de intenção é muito difícil de ser minimizado neste tipo de pesquisa e haver um viés de seleção para mim não muito bem explicado(Brasil urbano e alfabetizado). Sem falar no posicionamento ideológico da pessoa que fez a pesquisa, como diria Sherlock Homes fazemos teorias a partir de dados, não dados a partir de teorias. Sendo que os dados da pesquisa se contradizem com os dados do DATASUS, que não tem intenção ideológica sobre o aborto apenas de pesquisar dados de mortalidade e morbidade(E ficou feio o MS mandar funcionários para contradizer o dados na frente do STF. Sem falar de outro dado interessante do DataSUS: a mortalidade nos casos de aborto legais(estupro/risco materno/etc...) no Brasil entre 2015-2016 , foram 4 casos, sendo que estes abortos seriam se considerarmos a pesquisa da autora menos de 1% dos abortos digamos provocados. Então se todos que fizessem aborto legal ao invés de clandestino teríamos um mortalidade estimada de 400 mortes. Algo de estranho,esta estranho!
    No mais, ela é uma antropóloga, nunca prestou assistência num caso de aborto real, neste fato tenho mais autoridade que ela.

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    1. “Debora Diniz é o fake news em pessoa (...)”
      “Existe um dado no Brasil que é extremamente fidedigno que é mortalidade em mulheres em idade fértil, pode procurar no DATASUS (...)”.
      “Se quiser explicações sobre como é feito esta compilação de dados poderei explicar (...)”.
      “Questionários assim servem como pesquisa inicial, mas longe de qualquer possibilidade de dados reais. A validade disso cientificamente é igual a zero pior de tudo é que se contradizem mostrando números fantasiosos frente a um dado extremamente objetivo como mortalidade.”
      “Trabalhei com a investigação de óbitos de mulheres, pra sua informação, e sei da força destes dados não me deixaria enganar por um estudo qualitativo.”
      “No mais os dados da pesquisa são pretensiosos, e numa leitura chama atenção por ser um questionário, viés de intenção é muito difícil de ser minimizado neste tipo de pesquisa e haver um viés de seleção para mim não muito bem explicado(Brasil urbano e alfabetizado). como diria Sherlock Homes fazemos teorias a partir de dados, não dados a partir de teorias.”
      “No mais, ela é uma antropóloga, nunca prestou assistência num caso de aborto real, neste fato tenho mais autoridade que ela.”

      Fábio, a única pessoa aqui que usou e abusou da falácia do apelo à autoridade foi você. A gente só mostrou que a sua suposta autoridade é que uma falácia. Não sabe brincar, não desce pro play.

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  7. Bem coloquei de forma breve vários questionamentos sobre a Pesquisa da Dra Debora Diniz, que nem sequer foram refutados em uma linha ou uma frase sequer,apenas o de sempre o argumento de que ela é fodastica pq publicou seus artigos numa revista indexada e ganhou prêmio x, e pq apresentou-se para ir no STF e por isso deve ser endeusada. Meus argumentos não estão alicerçados em apenas argumentos de autoridade, o que fiz foi dar apenas credenciais, e mostrar que também posso ter autoridade no assunto, mas fui além disso.
    Resumidamente mostrei que os dados da pesquisa dela tem contradições com os dados do DATASUS, que e as pesquisas de entrevista são complexas na área da saúde pois como eliminar a influência do pesquisador? mas se VC não consegue ir além disso,o que tenho é pena. Sem falar da seriedade do assunto, e da forma leviana que os defensores desta prática tem tratado. Alguém sensato pós uma publicação deste artigo esperaria a replicação do mesmo usando os mesmo métodos referidos, por pares para estabelecer algum valor, o que chamamos de metanálise e replicação científica.

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