quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Vamos falar de assédio?

POR CECÍLIA SANTOS

Olá. Eu hoje queria falar com você, leitor. Você mesmo, do sexo masculino. Talvez você tenha lido sobre a campanha #PrimeiroAssédio. Se não sabe do que se trata, eu explico: assim que começou o programa MasterChef Júnior na Bandeirantes, uma cambada começou a fazer piadas de cunho pedófilo em relação à menina Valentina, de apenas 12 anos, participante do programa.

Com a repercussão, um grupo de mulheres lançou a campanha #PrimeiroAssédio, contando nas redes sociais as próprias histórias de assédio. Deixa eu te contar uma coisa: tem mulheres que relatam que sofreram o primeiro assédio aos 5 anos de idade! Eu mesma fui perseguida por bando de garotos da minha escola aos 7. E sabe, a gente vai descobrindo aos poucos que quase todas as mulheres passaram por isso na infância e adolescência. Quase. Todas.

UM DADO "NOVO" - Isso significa que provavelmente aconteceu ou acontecerá com as mulheres próximas a você. Pergunte a elas. Não é assustador? Não dá uma sensação de impotência pensar que você não pode evitar que aconteça com quem você mais se importa? Nos relatos nas redes sociais, percebi que muitos homens estavam chocados com a dimensão do problema.

Curiosamente, era um dado “novo” para eles. Pois é. Nós mulheres não falávamos disso – pelo menos até agora. Muitas vezes não contamos nem para as pessoas em quem mais confiamos, como mãe, pai ou amiga. Ou sequer reconhecemos que sofremos assédio. Às vezes fica lá perdido nas memórias da infância. Porque é tão naturalizado que a gente às vezes nem registra.

Sabe por quê? Porque de alguma forma que eu não sei explicar, nós mulheres crescemos achando que a culpa é nossa. Fazem a gente sentir vergonha. Medo. Achamos que não vão acreditar em nós. Que vão nos tirar toda a liberdade. Nos ameaçam. Ou seja, nós mulheres é que pagamos a conta do assédio.

Não estou falando aqui de violência sexual, que é um problema ainda mais sério e, pasme, acontece até onde a gente menos imagina: dentro de casa, na casa do tio, do avô, do vizinho, da casa da coleguinha de escola. Também não estou falando de cantada, que é um assunto controverso. Muita gente, inclusive mulheres, acha que cantada é de boa. Eu particularmente não acho. Acho constrangedor e invasivo. Nunca precisei de elogios de estranhos para validar o meu corpo.

CONIVÊNCIA COM O ASSÉDIO - Quando a gente fala de assédio, significa o olhar malicioso, o comentário desrespeitoso, o contato não autorizado, a perseguição, o exercício de um poder cruel da parte mais forte sobre a parte mais fraca, especialmente quando se trata de meninas e adolescentes. Você deve estar pensando: se tantas meninas e mulheres são assediadas, quem é que faz isso? Existem alguns poucos assediadores em série superpoderosos? Porque, claro, a gente sabe que você não é um assediador. E você provavelmente tem certeza que os homens das suas relações também não são. Espero que não sejam mesmo.

Mas sabe, se alguma vez você buzinou para aquela pré-adolescente na rua, achando que o fato de ela estar vestindo shorts te autoriza a cantá-la, então você talvez seja um assediador. Se você riu daquele seu cunhado sem noção falando das “novinhas”, talvez você não seja um assediador, mas está apoiando a cultura do assédio. Se você continua a sair com aquele seu amigo que agarra as meninas pelo cabelo na balada, bem, você é conivente com o assédio.

Outro dia no ônibus duas jovens estavam conversando ao meu lado e cada uma contou a sua história do primeiro assédio. Com uma delas, foi na escola de inglês em que ela estudava. Eu ali ouvindo me dei conta de que, sim, é chocante que seja tão constante, mas ao mesmo tempo é tão importante que as mulheres estejam falando disso como nunca antes, estão expondo seus traumas e exigindo respeito, estejam indo para a rua e ocupando espaços na mídia.


Eu tenho esperança de que colocar o problema na mesa e discuti-lo é a única coisa que pode acabar com a cultura do assédio. E vai ser cada vez mais difícil recusar-se a admitir que ela existe. Pense nisso.

3 comentários:

  1. Os que fizeram comentários da menina de 12 anos são criminosos, precisam ser identificados e responderem judicialmente. Ponto!

    Aí, por conta disso, um grupo de mulheres resolve criar uma campanha chamada #PrimeiroAssédio. Já entrei na página, lá tem relatos de muitas pessoas que, provavelmente, tiveram de buscar lááááááá no âmago uma cena que poderia, quem sabe com um pouco de criatividade, ser considerada “assédio”.

    “Talvez, se naquela brincadeira de pega-esconde com primo de oito anos eu o transformar num tiozão pervertido não obtenha alguma simpatia com a minha historinha...”

    Aquela mão que amigo do meu pai passou na minha cabeça quando eu era criança... Aquele beijo roubado do amiguinho de escola... A brincadeira sem graça que o colega do escritório fez... Aquele assovio vindo do pedreiro... Tudo pode ser considerado assédio dependendo do ponto de vista. É algo muito subjetivo.

    Num exemplo da autora, como pode uma criança de cinco anos, mesmo com lembranças posteriores, entender que foi assediada? Estupro e bolinação são coisas bem diferentes, o último só em partes íntimas. Mas assédio é algo muito complexo para uma criança compreender, sobretudo quando parte de outras crianças, como foi o caso da própria autora.

    Enfim, uma coisa é criticar e atuar contra o abuso sexual, outra é adotar políticas de vitimização. Muito cuidado!

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  2. Parabéns, Cecília. Ótimo texto e ótima abordagem! Aliás, o primeiro que leio aqui neste blog e que concordo plenamente, com total coerência e bom senso, sem falacias, sem radicalismo inútil.
    Esse assunto tem que ser abordado sim, e a mudança nesse panorama vai ser alcançada com informação e educação. É uma cultura do assédio, suportada por conivência e minimização dos atos.

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