POR CECÍLIA SANTOS
Olá. Eu hoje queria falar
com você, leitor. Você mesmo, do sexo masculino. Talvez você tenha lido sobre a
campanha #PrimeiroAssédio. Se não sabe do que se trata, eu explico: assim que
começou o programa MasterChef Júnior na Bandeirantes, uma cambada começou a
fazer piadas de cunho pedófilo em relação à menina Valentina, de apenas 12 anos,
participante do programa.
Com a repercussão, um grupo
de mulheres lançou a campanha #PrimeiroAssédio, contando nas redes sociais as
próprias histórias de assédio. Deixa eu te contar uma coisa: tem mulheres que
relatam que sofreram o primeiro assédio aos 5 anos de idade! Eu mesma fui
perseguida por bando de garotos da minha escola aos 7. E sabe, a gente vai
descobrindo aos poucos que quase todas as mulheres passaram por isso na infância
e adolescência. Quase. Todas.
UM DADO "NOVO" - Isso significa que
provavelmente aconteceu ou acontecerá com as mulheres próximas a você. Pergunte
a elas. Não é assustador? Não dá uma sensação de impotência pensar que você não
pode evitar que aconteça com quem você mais se importa? Nos relatos nas redes
sociais, percebi que muitos homens estavam chocados com a dimensão do problema.
Curiosamente, era um dado
“novo” para eles. Pois é. Nós mulheres não falávamos disso – pelo menos até
agora. Muitas vezes não contamos nem para as pessoas em quem mais confiamos,
como mãe, pai ou amiga. Ou sequer reconhecemos que sofremos assédio. Às vezes
fica lá perdido nas memórias da infância. Porque é tão naturalizado que a gente
às vezes nem registra.
Sabe por quê? Porque de
alguma forma que eu não sei explicar, nós mulheres crescemos achando que a
culpa é nossa. Fazem a gente sentir vergonha. Medo. Achamos que não vão
acreditar em nós. Que vão nos tirar toda a liberdade. Nos ameaçam. Ou seja, nós
mulheres é que pagamos a conta do assédio.
Não estou falando aqui de
violência sexual, que é um problema ainda mais sério e, pasme, acontece até
onde a gente menos imagina: dentro de casa, na casa do tio, do avô, do vizinho,
da casa da coleguinha de escola. Também não estou falando de cantada, que é um
assunto controverso. Muita gente, inclusive mulheres, acha que cantada é de
boa. Eu particularmente não acho. Acho constrangedor e invasivo. Nunca precisei
de elogios de estranhos para validar o meu corpo.
CONIVÊNCIA COM O ASSÉDIO - Quando a gente fala de
assédio, significa o olhar malicioso, o comentário desrespeitoso, o contato não
autorizado, a perseguição, o exercício de um poder cruel da parte mais forte
sobre a parte mais fraca, especialmente quando se trata de meninas e
adolescentes. Você deve estar pensando: se tantas meninas e mulheres são
assediadas, quem é que faz isso? Existem alguns poucos assediadores em série
superpoderosos? Porque, claro, a gente sabe que você não é um assediador. E
você provavelmente tem certeza que os homens das suas relações também não são.
Espero que não sejam mesmo.
Mas sabe, se alguma vez
você buzinou para aquela pré-adolescente na rua, achando que o fato de ela
estar vestindo shorts te autoriza a cantá-la, então você talvez seja um
assediador. Se você riu daquele seu cunhado sem noção falando das “novinhas”,
talvez você não seja um assediador, mas está apoiando a cultura do assédio. Se
você continua a sair com aquele seu amigo que agarra as meninas pelo cabelo na
balada, bem, você é conivente com o assédio.
Outro dia no ônibus duas jovens
estavam conversando ao meu lado e cada uma contou a sua história do primeiro
assédio. Com uma delas, foi na escola de inglês em que ela estudava. Eu ali
ouvindo me dei conta de que, sim, é chocante que seja tão constante, mas ao
mesmo tempo é tão importante que as mulheres estejam falando disso como nunca
antes, estão expondo seus traumas e exigindo respeito, estejam indo para a rua
e ocupando espaços na mídia.
Eu tenho esperança de que
colocar o problema na mesa e discuti-lo é a única coisa que pode acabar com a
cultura do assédio. E vai ser cada vez mais difícil recusar-se a admitir que
ela existe. Pense nisso.
Os que fizeram comentários da menina de 12 anos são criminosos, precisam ser identificados e responderem judicialmente. Ponto!
ResponderExcluirAí, por conta disso, um grupo de mulheres resolve criar uma campanha chamada #PrimeiroAssédio. Já entrei na página, lá tem relatos de muitas pessoas que, provavelmente, tiveram de buscar lááááááá no âmago uma cena que poderia, quem sabe com um pouco de criatividade, ser considerada “assédio”.
“Talvez, se naquela brincadeira de pega-esconde com primo de oito anos eu o transformar num tiozão pervertido não obtenha alguma simpatia com a minha historinha...”
Aquela mão que amigo do meu pai passou na minha cabeça quando eu era criança... Aquele beijo roubado do amiguinho de escola... A brincadeira sem graça que o colega do escritório fez... Aquele assovio vindo do pedreiro... Tudo pode ser considerado assédio dependendo do ponto de vista. É algo muito subjetivo.
Num exemplo da autora, como pode uma criança de cinco anos, mesmo com lembranças posteriores, entender que foi assediada? Estupro e bolinação são coisas bem diferentes, o último só em partes íntimas. Mas assédio é algo muito complexo para uma criança compreender, sobretudo quando parte de outras crianças, como foi o caso da própria autora.
Enfim, uma coisa é criticar e atuar contra o abuso sexual, outra é adotar políticas de vitimização. Muito cuidado!
Parabéns, Cecília. Ótimo texto e ótima abordagem! Aliás, o primeiro que leio aqui neste blog e que concordo plenamente, com total coerência e bom senso, sem falacias, sem radicalismo inútil.
ResponderExcluirEsse assunto tem que ser abordado sim, e a mudança nesse panorama vai ser alcançada com informação e educação. É uma cultura do assédio, suportada por conivência e minimização dos atos.
Obrigada, João!
Excluir