sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Em nome de Aylan


Impossível não sentir um aperto no peito ao ver a imagem daquele pequenino ser humano, inerte, de bruços, morto, nas areias da praia de Ali Hoca, Turquia. Choca ver uma vida toda pela frente ser afogada pela infâmia da guerra, da fome, das perseguições, das ditaduras. Dói constatar que a humanidade regride em meio à “modernidade”.

Aylan Kurdi de apenas três anos, aquela pequena alma atirada com o rosto nas areias, morreu afogado junto seu irmão e sua mãe, após o naufrágio do bote no qual tentavam chegar a um local de paz. O que eles queriam? Apenas viver em paz.


Mas e amanhã, o que será? Todos despertarão em nossas casas, lares, reunidos com familiares, vamos ao trabalho, à escola, à universidade, aos namoros, baladas, viagens. Em algum lugar do mundo o pai sofrerá a dor das perdas, das vidas que lhe fugiram das mãos. E nós, faremos o que?
Até quando seremos hipócritas, cínicos, em chorar por Aylan e tantos outros mortos e que ainda morrerão, quando apontamos culpa para meninas estupradas porque estavam em uma festa – “mulheres de bem não andam nestes lugares” -, ou olharemos para os haitianos que andam por nossas ruas a buscar o sustento para sua gente, que está distante sofrendo a fome, a falta do marido, do filho, da mulher, da companhia que nos faz humanos.
Sim, somos indignados contra a violência das ruas, pelos refugiados que vivem na miséria em acampamentos, mas não queremos os haitianos em nossa cidade, nosso país. Eles nos tiram empregos, podem vir a formar um exército revolucionário que vai tomar as nossas casas, propriedades, comer nossas criancinhas...


A imagem do menino morto na praia mostra que o algo que não queremos ver, assumir: o capitalismo, as religiões e a ignorância privaram as pessoas de viver num mundo livre e igualitário.

Nós, que nos autodenominamos seres humanos, nos comovemos, nos indignamos, até choramos por ele e mais dezenas de milhares de imigrantes, populações inteiras que abandonam seus lares por opressão política, religiosa, fanatismos que buscam pela violência da guerra, o poder. A vida de Aylan choca hoje, milhões.

Aguardaremos a próxima criança morta em uma praia, em uma praça, em um conflito qualquer? Sofreremos via redes sociais, bradaremos por poucos dias, denunciaremos “aqueles povos” que vivem guerreando, fugindo para a Europa, para a América do Norte, América Latina, para... o Brasil.

Nas redes sociais, hoje a seara onde vertem preconceitos, ofensas, falsos profetas, promotores da paz via ditadura militar, golpes para acabar com a corrupção (?!), líderes religiosos falsos que em nome de deus criminalizam a união de pessoas que só querem se amar e viver em harmonia, vemos também a falsa indignação.

Por isso, em nome de Aylan, morto na praia há quilômetros do seu lar, símbolo da ignorância e hipocrisia do mundo “moderno” em que vivemos, deixo aqui afirmações, provocações para mexer com você, indignado. Com você, homem e mulher de bem. Com você empresário do lucro acima de qualquer coisa. Com você, político e religioso (às vezes os dois em um) que move multidões em nome de deus e da verdade (?!). Com você mãe e pai, que veem nos filhos dos outros o erro, a perversão, a desonra. Pense se você não é um daqueles que:

- defende a paz, mas deseja ver um ser humano apodrecer na cadeia, inclusive crianças e adolescentes

- denuncia a prostituição, os maus costumes dos jovens, principalmente meninas, mas gosta muito das casas que oferecem noites de prazer

- está todos os domingos, ou qualquer dia, em uma igreja ou comunidade religiosa buscando a palavra de deus que prega o amor ao próximo, mas sai dali falando de alguém, agredindo filhos, mulher, marido

- vê um vagabundo em cada pessoa que usa drogas, lícitas ou não lícitas (afinal o que é isso?), mas tem amigos traficantes, usa só por diversão, às vezes...

- fala em liberdade como bem comum, mas pretende impor suas visões e crenças à força, seguindo os Kim Kataguiri e furiosos de movimentos vazios, ofendendo e agredindo quem não pensa como você...

- quer acabar com a violência, mas apoia linchamentos públicos, agressões policiais a quem quer que seja, tudo em nome da paz...?

Pense que naquela praia distante, de onde nos chegou apenas a foto do menino Aylan, uma criança indefesa, cheia de vida para correr pelas ruas, praças, realizar sonhos, ser feliz por longos anos, morreu também um mundo inteiro. Com ele morreu mais um pouca da nossa capacidade de sentir o outro de verdade, de desejar ao outro a felicidade, a liberdade, o direito de viver em qualquer lugar que se queira, sem opressões, preconceitos, violência.

Não deixe que a morte de uma vida seja apenas uma dor passageira. Indigne-se de fato, combata o que faz este mundo ficar pior, e parecido com o tempo das cavernas, da ignorância total. Em nome de Aylan, lute pela humanidade, faça a sua parte. Hoje foi ele, amanha pode ser você, seu filho, filha, pai, mãe, amigo, irmão... reflita e lute por um mundo melhor.

É assim, nas teias do poder...

20 comentários:

  1. Excelente texto amigo! Concordo com ele em cada linha. Bjo

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    1. Obrigado Gifts Decor, temos de empunhar as armas que temos, em meu caso, as palavras em mídias alternativas como aqui.

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  2. A livre cooperação entre os indivíduos e a alocação espontânea do capital humano são mais fortes e naturais ao ser humano do que o interesse de alguns poucos em manter a espoliação exclusiva em suas próprias linhas imaginárias, e por isso as pessoas continuam assumindo o risco da imigração mesmo ela continuando sendo """ilegal""" (e bota aspas nisso), burocrática e difícil.
    Permitir o livre tráfego dos indivíduos permitiria um avanço nas condições sociais dos em uma escala nunca antes visto na humanidade, permitiria que pessoas mais dificilmente ficassem sob o domínio de um ditador (seja político, religioso ou econômico), equalizaria o padrão tecnológico mundial e conseguiria o incrível feito de dobrar o PIB Mundial.
    Permitir a livre mobilidade humana é uma das próximas conquistas que teremos, no sentido de diminuir a chance do surgimento de tiranos, diminuir a pobreza em uma taxa monstruosa e reduzir o número de crianças turcas que não conseguem chegar ao outro lado da Península Balcânica.

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    1. Marco Aurélio Mattiola, obrigado pela leitura e reflexão do seu comentário!

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  3. Ótima reflexão meu caro!! Precisamos abrir os olhos com isso!!

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    1. Obrigado Alex, precisamos defender o direito de viver, livremente, em paz.

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  4. Poxá vc tem razão. Vou despedir meus empregados, doar meus bens pros haitianos, dar rabo, que agora tá na moda, fumar baseado, porque agora pode e morar na favela de bolsa família. Vc. Mudou minha vida.

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    1. Que reflexão inteligente da classe dos anônimos, só podia vir daí, onde leitura, estudo e cultura de paz não existem, mas obrigado por ler meu texto... continue assim, um dia você melhora.

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  5. Sirlei Cardoso da Silva4 de setembro de 2015 às 17:12

    Texto sublime.Ótimo.

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    1. Sirlei Cardoso da Silva, obrigado por ler, refletir e levar adiante, abraço!

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  6. Sr. Salvador, onde vc trabalha?

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    1. Anônimo, trabalho escrevendo para você, e ganho muito bem se interessar...

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  7. Como qualquer outro esquerdista: um demagogo acusando outros de hipócritas.
    Olhe primeiro para si, para os teus preconceitos.

    Eduardo, Jlle

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    1. Anônimo Eduardo, Jlle, obrigado por ler, continue a nos prestigiar.

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  8. Faça o seguinte, sr. virtuoso, chame outros esquerdistas demegogos com discursinhos enlatados iguais a este, e dirijam-se até a paróquina N. Sra. da Paz, na rua do Glicério, São Paulo, e tragam um haitiano em cada viatura para vossas casas, como fazem os alemães e austríacos com os refugiados.
    Depois você pode chamar de hipócrita quem simplesmente se sensibiliza ao ver a imagem do garoto afogado.

    Seu demagogo de uma figa!

    Eduardo, Jlle

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    1. Anônimo Eduardo,Jlle você confirmou: és um grande hipócrita e nada sensível sequer a imagem do menino afogado.

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  9. Seguem alguns pontos:
    1 – Nenhum país tem condições de absorver 500 mil, 800 mil refugiados e garantir emprego, educação e a mesma seguridade que os nativos possuem;

    2 – A Europa é o epicentro da cultura ocidental cristã;

    3 – Qualquer um que chega a um pais para estudar, trabalhar, pagar impostos, dividir sua bagagem cultural, mas, acima de tudo, respeitar a cultura do local que ele ESCOLHEU para viver, será bem-vindo;

    4 – Entretanto, poucos muçulmanos, judeus, asiáticos e africanos se adaptam. A maioria cria guetos e se distancia da cultura local;

    5 – As crianças que hoje se refugiam com os seus pais na Europa crescerão com pontos de vista de três ambientes distintos: o da escola, o da rua e o de casa. Muitos países temem que num futuro próximo esses jovens cresçam revoltados, simpatizantes ao ISIS e criem bases do terrorismo na Europa. A preocupação é válida, já que milhares de europeus descendentes de muçulmanos se juntaram aos terroristas no Oriente Médio;

    6 – Para quem viveu no continente Europeu, principalmente nos centros receptores de imigrantes, sabe do que estou falando sobre os constantes embates entre o nativo e o imigrante. Algumas vezes presenciei jovens e senhores a ofender uma nativa por sua vestimenta, ou já ouvi histórias de funcionários que pedem ao patrão para não irem ao trabalho em alguma festividade religiosa ou em alguns dias do Ramadã;

    7 - A discussão entre cultura e religião não fica apenas no âmbito das atividades laborais. Muitos países laicos não permitem que os alunos pratiquem a religião cristã nos ambientes escolares, porém tal conduta não é aceita pelos pais de crianças judias (com os peiots e quipás) ou muçulmanas (com os véus). Daí, como explicar para a criança nativa e cristã que os amiguinhos são diferentes deles?

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    1. Anônimo, ótima análise em seus sete pontos, mas veja, temos um problema que é da humanidade. Se não pensarmos, globalmente, em saídas para esses temas, teremos o quê? Guerras sem fim, mortos aos milhares, e guerras que afetarão inclusive os países que hoje tem certo bem estar social, como os da Europa. O que eu creio é que não dá para fechar os olhos e deixar morrer pelas praias e terras as pessoas, seja de qual religião for, país for. É um grande labirinto, mas precisamos enxergar saídas, até porque ninguém foge de sua terra por nada. Certamente, se houver paz, todos voltarão às suas origens. Precisamos é de paz. Obrigado pela excelente reflexão.

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  10. Ótimo texto amigo, Salva.
    Concordo plenamente com você. Temos um problema muito sério acontecendo em nosso mundo. A visão do "eu" se destaca cada dia mais, a perda dos valores, da união familiar. A morte do menino é consequência da intolerância religiosa, da falta de respeito. Deus deu ao homem a liberdade de escolher, infelizmente não estamos sendo justos com esta liberdade. Agora quando você fala do Kim, deveria citar o Jean Wyllys também. Se você entende a importância de uma base familiar, para formação do carácter, sabe que a ideologia deste, é tão vazia quanto ao do Kim. Concordo em alguns exageros sobre a ideia de intervenção militar etc, mas não chamamos de golpe, tirar do poder alguém, que comprovadamente roubou, não soube administrar, mentir, desrespeitou a lei. Chamamos de golpe o uso da maquina publica para controlar as instituições e se manter no poder; Não sou partidário, sabe que voto em Carlito por exemplo, mas eu gostaria muito de ver você, assim como fez Adilson Mariano concordar em partes com a posição do Kim Kataguiri, Ah, você sabe muito bem que não existe politico e religioso, uma vez politico nunca mais religioso. Vivemos juntos isso.

    Abraços do Fernando Finder

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    1. Fernando Finder, nós vivemos juntos, um pouco da política, eu vivi bem mais, e conheço bastante dos bastidores. Sobre Kim e Jean, não vejo o segundo pregar violência, preconceito, intolerância, muito pelo contrário. O que é família hoje em dia? Temos família de um só, família de dois do mesmo sexo, de sexos opostos, temos família somente com avós e netos que viram filhos, e muitas outras. Fechar os olhos à diversidade de opções, ou se opor a isso, à realidade, é criar condições para mais preconceito, e com isso, mais intolerância e violência. Os fatos mostram isso, só não vê quem não quer. Sobre golpe, conheço bem porque vivi o golpe militar. Hoje não existe golpe do governo, mas sim de quem perdeu no voto e não aceita o resultado, a perda das grandes tetas públicas que mantinha há décadas. É isso, essa é a real dos fatos. Roubar, quem roubou mais neste país que os militares em 21 anos? Só que ninguém podia saber, quem falaria para sumir do mapa? Uso da máquina pública todos fazem sem exceção, e é do jogo. O que sugiro é ganharem no voto. No grito, como Kim e sua gente, não dá, não aceito, e não defendo. Abraços!

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