sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Após a tragédia

POR PEDRO HENRIQUE LEAL

Havia planejado para o meu primeiro texto algo mais otimista. Algo sobre como deixávamos para trás as agruras dos anos passados, e 2015 se abria esperançoso. Esse texto perdeu todo o sentido na última quarta-feira (7/1), quando três atiradores invadiram a redação da revista satírica Charlie Hebdo, matando dez funcionários. Em seguida dois dos terroristas tomaram reféns em um mercado Kosher. Agora, passada uma semana, as reações ao evento vão de solidariedade à violência, passando pela mais pura hipocrisia.

Imediamente após o desastre, comentaristas, leigos e formadores de opinião saltaram para a resposta óbvia: os terroristas fizeram o que fizeram pois se ofendiam com as charges da revista sobre o profeta Maomé. Talvez seja esse o caso - ou talvez isso seja uma análise precipitada e marcada por clichês simplistas. Certo que este pode ter sido um fator, mas terrorismo busca exercer pressão política através da violência; é igualmente, ou mais provável , que o alvo tenha sido escolhido por seu destaque e que o interesse real seja o governo francês. No entanto, essa narrativa de “eles se ofenderam por causa das charges” tem muito a beneficiar o terror, ao justificar discursos de ódio simplistas de “eles nos odeiam por que nos odeiam”.

Pouco após a tragédia, o hino de “Je suis Charlie” em simpatia às vítimas do ataque tomou a internet. No entanto, rapidamente a empatia pelas vítimas deu lugar ao radicalismo de “conosco ou contra nós”. Aqueles que apontaram os problemas éticos quanto a linha editorial da Hebdo (como Leonardo Boff e o cartunista americano Joe Sacco) rapidamente foram acusados de “defenderem os terroristas”. E muitos dos que manifestaram apoio rapidamente retiraram seus hinos de “Je suis Charlie” ao ver que as caricaturas ácidas da revista não se restringiam a atacar o Islã.

Neste domingo (11/1), líderes mundiais se reuniram para “liderar a marcha” em prol da liberdade de expressão e contra o terrorismo. Um gesto nobre, não fossem alguns dos participantes dessa marcha. Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, vários dos enviados para a manifestação estão longe de serem aliados da liberdade de expressão. Entre eles estavam representantes da Turquia, dos Emirados Árabes Unidos, da Arábia Saudita (onde um blogueiro foi condenado a 1000 chibatadas por “insultar o Islã”), da Rússia e da Algéria.

Desde o ataque a redação da Charlie Hebdo, já foram mais de 50 ataques e atos de vandalismo contra mesquitas e centros comunitários islâmicos na França. Nos casos mais graves, tiros foram disparados, granadas foram lançadas e até um restaurante foi explodido. Nas redes sociais e em canais de TV, pede-se por medidas mais duras contra “a ameaça islâmica”. Na Fox News, “especialistas” propagam o medo com afirmações sem embasamento (como dizer que a cidade britânica de Birmingham “é uma área somente para muçulmanos”. E essa onda de temor e ódio pode muito bem ser o que os terroristas desejavam: empurrada a margem da sociedade ocidental, a comunidade islâmica vira cada vez um prato cheio para o radicalismo.

PERSPECTIVAS - Talvez o aspecto mais condenável da reação ao ataque, os últimos dias foram marcados por opinadores de todo o espectro político assumindo para si as dores e a reação. Tivemos revistas de esquerda tentando pintar o caso como “um ataque às esquerdas”. Membros da extrema direita alegando que era “um ataque a civilização ocidental”. Movimentos armamentistas usando do terror para empurrar sua agenda. Grupos anti-imigração pedindo deportações em massa.  Formadores de opinião declarando que todo muçulmano devia desculpas. Houveram até publicações brasileiras usando da tragédia parisiense para clamar por uma retomada dos protestos de junho passado.

Enquanto os olhares do mundo se viram para o massacre em Paris, outras tragédias recentes parecem ter sido completamente esquecidas. Uma menina bomba matou 20 pessoas e feriu 51 em Maiduguri, na Nigéria, neste domingo (11/1), Também na Nigéria, o grupo terrorista Boko Haram cometeu o maior massacre da sua história na aldeia de Baga, nordeste do país. Com estimados 2 mil mortos (as forças de defesa nacional desistiram da contagem de corpos, segundo a Anistia Internacional), o massacre parece ter sido quase que totalmente ignorado pela comunidade internacional.

O que ocorreu em Paris na última quarta-feira não é nada simples. No entanto, insistimos em explicações simplificadas e que não contemplam as implicações nefastas tanto do caso, quanto das reações. Não, não foi sobre liberdade de expressão (ao menos não apenas sobre isso). Reduzir a “eles são selvagens que não aceitam humor e devem ser expulsos da civilização” é tentar resolver violência com mais violência. Seguir nesse caminho é abraçar a barbárie, em meu ver.




4 comentários:

  1. Charlie Habdo é uma revista de quinta categoria com tiragens limitadas e consumida predominantemente por ateus, já que suas “críticas” são direcionadas predominantemente a religião. Antes de alça-la como “mártir da liberdade de expressão”, era uma revistinha escondida em algumas bancas de jornal de Paris e outras grandes cidades francesas. Charlie nunca foi uma Pasquim, até porque a revista brasileira tinha um humor bem mais inteligente. Essa revista francesa nunca teve essa visibilidade e importância que algumas pessoas acreditam que tinha. Penso que esses dois terroristas, nascidos e criados em Paris, ofenderam-se com o conteúdo da revista e resolveram “fazer justiça” em nome de Alá, sem o consentimento de ninguém. Depois da carnificina eles citaram a Al Qaeda subsidiária do Iêmen, a qual os “adotou” e os seus atos.

    Antônio

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  2. Se a charge ridiculariza minorias étnicas, é considerada racista, se for com homossexuais, é homofóbica, se enaltecer seu país e desmerecer outros, é chauvinista quando não xenofóbica, se colocar a mulher como subserviente, é sexista, mas se a charge ofender religiões está apenas a gozar da liberdade de expressão. Conheço muito bem esse tipo de pensamento flexível.

    Carlos K.

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    1. Concordo Carlos K., muitos esqueceram quando chutaram a santa aqui no Brasil o escândalo que foi !!!
      du grego

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  3. falando em "explicações simplificadas" , essa "false flag" ocorreu logo após Europa retirar o exército Hamas da lista de terroristas e reconhecer a Palestina como estado ...
    ... sinceramente, seria intrigante se não tivesse mãos dos sionistas envolvidos nesse ataque ...

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