POR
CLÓVIS GRUNER
A morte
de Santiago Andrade, cinegrafista da TV Bandeirantes, foi uma tragédia a que se
seguiu a encenação de inúmeras farsas. Antes delas, um registro: a reação de
alguns militantes de esquerda foi lamentável. Sob o pretexto de denunciar a
indiferença das mídias e autoridades políticas aos mortos que antecederam
Santiago – já são uma dezena desde o início dos protestos, em junho do ano passado, a maioria vítimas da repressão policial –, vi
principalmente nas redes sociais alguma coisa muito próxima à banalização
do sofrimento e da morte.
Talvez porque acostumados
a denunciar a violência policial, houve quem tivesse perdido momentaneamente o
rumo diante das evidências de que, desta vez, não foram eles – os policiais, o
governo, o Estado, enfim –, mas nós os que acionamos a arma que culminou na
morte trágica e lamentável de Santiago. Tais manifestações, felizmente, vem
sendo substituídas pelas reflexões suscitadas pelo episódio. E digo felizmente,
porque a morte de Santiago tem servido de pretexto para que se teçam, em torno
a ela, inúmeras narrativas que merecem análise cuidadosa pelo seu caráter
farsesco e pelo risco que comportam.
A começar pela própria
narrativa midiática. Foi do delegado responsável pelas investigações,
Maurício Luciano, que partiu uma das sentenças definitivas sobre o caso: a
morte de Santiago não foi um atentado à liberdade de imprensa. O alvo não era
ele, mas a polícia. São óbvios alguns dos interesses que permeiam esses
relatos. Não apenas o cinegrafista não foi a primeira vítima fatal das
manifestações, como não é o primeiro profissional de comunicação a ser vitimado
pela truculência. Desde o último dia 6, entidades de classe reiteram mais
enfaticamente as denúncias que pipocam desde junho: repórteres, fotógrafos e cinegrafistas
que cobrem as manifestações foram vítimas de inúmeras agressões. Na maioria das
vezes os agressores eram policiais: uma repórter da Folha quase ficou cega
depois de ser atingida por uma bala de borracha; um repórter da Carta Capital foi preso porque levava um vinagre na mochila, e assim por diante.
Por que esses casos não mereceram
a mesma atenção e nem provocaram a comoção de agora? Há, claro, o componente
midiático, e poucas coisas são mais espetaculares que uma morte televisionada. Mas
mais importante que a espetacularização, amplamente explorada nos últimos dias,
a morte de Santiago tem se prestado principalmente para fins políticos. Há as
muitas dúvidas que pairam sobre a prisão dos dois suspeitos de terem sido os
autores do disparo – e sobre isso, recomendo a leitura do sempre necessário
Jânio de Freitas na Folha. E a vergonhosa tentativa das organizações
Globo de ligar o episódio ao deputado Marcelo Freixo, do PSOL, responsável por
denunciar a violência criminosa das milícias, que fazem há anos nas favelas da
capital carioca o que Rachel Sheherazade saudou como novidade nos justiceiros da
praia do Flamengo. Se limitada às disputas políticas regionais, a tentativa de
vincular Freixo à morte de Santiago já seria sórdida. Suas implicações, no
entanto, extrapolam as fronteiras cariocas.
O TERROR QUE VEM DO
ESTADO – Em 2008, ainda sob o governo Lula, um grupo capitaneado pelo então
ministro da Defesa, Nelson Jobim, e as principais lideranças militares, redigiu
uma primeira proposta para o que definiram como uma “nova Lei de Segurança
Nacional”. O projeto era claro em suas intenções: tratava-se de tipificar os
crimes que, sob certa ótica institucional, atentassem contra a “ordem
democrática”, definindo como terroristas lideranças e movimentos sociais tais
como o MST, não por coincidência num momento em que a aproximação do governo
petista com as lideranças ruralistas, hoje consolidada, já se esboçava.
O projeto não prosperou,
em parte porque encontrou a resistência do ex-presidente Lula. Mas também
porque faltava a ele um “gancho”, algo que lhe conferisse a urgência necessária
para angariar a legitimidade de que carecem projetos de feição autoritária que,
em nome da segurança, atentam contra os direitos e a liberdade – e o exemplo
mais recente é o Ato Patriótico, decretado pelo republicano George W. Bush logo
após os atentados de 11 de setembro de 2001. A morte de Santiago, vítima de um suposto
militante do movimento Black Bloc, deu à direita mais raivosa e às lideranças
governamentais o argumento que lhes faltava para criminalizar as manifestações
e os manifestantes e, no bojo desse processo, os movimentos sociais.
Expressão máxima dessa
orquestração é o projeto de lei que visa tipificar os chamados “crimes de
terrorismo” – o PL 499/2013 – que corre a toque de caixa no Senado. Há
inúmeros problemas no texto, notadamente sua definição vaga de terrorismo – “Provocar
ou infundir pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida,
à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade da pessoa” –, que na
prática permitiria justificar como combate ao terror, entre outras coisas e
principalmente, a repressão aos movimentos sociais e manifestações de rua. No
mesmo diapasão está a proposta do secretário de Segurança do Rio de Janeiro,
Mariano Beltrame, entregue ontem ao Senado Federal, de um projeto de lei para
tipificar o “crime de desordem”, entendido como “praticar ato que possa causar
desordem em lugar público ou acessível ao público, agredindo ou cometendo
qualquer ato de violência física ou grave ameaça à pessoa, destruindo,
danificando deteriorando ou inutilizando bem público ou particular”.
Não é preciso muito esforço pra entender a lógica por trás das encenadas preocupações com a ordem pública. A curto prazo, a intenção é neutralizar ao máximo as manifestações de rua nos meses que antecedem a Copa da Fifa. A médio e longo prazos, o objetivo é assegurar aos governos, pouco importa quem ou quais partidos estejam à frente dele (Gilles Deleuze disse que todo governo é de direita, mesmo que alguns incorporem parte das pautas e do discurso da esquerda), os mecanismos simbólicos e repressivos imprescindíveis para assegurar uma ordem que interessa principalmente ao Estado. Se para isso seja necessário recorrer à ameaça da violência e ao medo, justamente os mecanismos de que se valem o terror e os terroristas, pouco importa. O terrorismo de Estado se auto-legitima ao apresentar-se como irremediável: o que no outro é terror, nele é ordem; o que no outro é violência, nele é uso legítimo da força. E se é o Estado quem combate o que ele próprio define como terrorismo, resta a questão: quem combaterá o terrorismo de Estado?
Não é preciso muito esforço pra entender a lógica por trás das encenadas preocupações com a ordem pública. A curto prazo, a intenção é neutralizar ao máximo as manifestações de rua nos meses que antecedem a Copa da Fifa. A médio e longo prazos, o objetivo é assegurar aos governos, pouco importa quem ou quais partidos estejam à frente dele (Gilles Deleuze disse que todo governo é de direita, mesmo que alguns incorporem parte das pautas e do discurso da esquerda), os mecanismos simbólicos e repressivos imprescindíveis para assegurar uma ordem que interessa principalmente ao Estado. Se para isso seja necessário recorrer à ameaça da violência e ao medo, justamente os mecanismos de que se valem o terror e os terroristas, pouco importa. O terrorismo de Estado se auto-legitima ao apresentar-se como irremediável: o que no outro é terror, nele é ordem; o que no outro é violência, nele é uso legítimo da força. E se é o Estado quem combate o que ele próprio define como terrorismo, resta a questão: quem combaterá o terrorismo de Estado?
R: se 1/514651 dos textos na internet tivesse a lucidez do seu sobre o tema, o terrorismo de Estado seria uma realidade bem mais diante do que essa que nos bate na bunda.
ResponderExcluirVerdade seja dita, as manifestações foram o mais presente que a direita raivosa poderia ganhar: atingem o governo petista ao mesmo tempo em que abrem precedentes pra consolidação de diretrizes que criminalizem movimentos sociais que nada têm a ver com black blocs.
Parabéns pelo artigo!
A direita é raivosa? Mas quem mostra os dentes é a esquerda, depredando tudo.
ExcluirÉ muito engraçado como a cartilha de desvio de função e mudanças de interpretação a seu bel-prazer fazem da esquerda uma vigarista sem escrúpulos.
Se funciona é de esquerda, se der errado é de direita.
Desde Stálin que a manipulação de informação faz parte da expertise da esquerda.
Não se sei notaram, mas até o texto do Clóvis já começa a insinuar que o governo da Dilma é de direita.
Claro que é...está uma porcaria, não está?
José Wilson
Eu não insinuei que o governo Dilma é de direita, simplesmente porque ele é um governo de esquerda. Se você achou tal insinuação, quem vai mal é você.
ExcluirTais perdidinho, né Clóvis?
ResponderExcluirAfinal, és a favor dos Black Bloc ou é contra? És a favor da Copa, ou é contra? És a favor das manifestações contra a Copa que atingem o PT (e que pode comprometer a reeleição de Dilma) ou és contra? Agora o PT pode ser um “governo de direita” (seguindo Dilles Deleuze)? Lula era socialista ou continua conservador?
Complicado, hein? São muitos os dilemas. Ano de eleição, Copa mal feita, economia esmaecendo, descontentamento da população, promessas não compridas...
Mas num ponto você está muito errado: a última coisa que a direita quer é que as manifestações cessem. Viva as manifestações, viva os Black Bloc!
Júlio
Júlio, se depois de ler meu texto você realmente acha que estou perdido, sugiro um curso rápido de interpretação. Vai ajudá-lo a ficar menos perdido.
ExcluirQuem vai a rua protestar, agredindo, roubando, saqueando, incendiando, ferindo ou matando precisa ser punido.
ResponderExcluirÉ uma questão de ordem!
Por favor defina legitimidade
ResponderExcluirDepois de feito o download, vá até a página 675. Eu não dou aula de graça.
Excluirhttp://www.4shared.com/office/XskicYK2/dicionario_de_politica_-_norbe.html
Desculpe ter pego tão pesado com vc, pedindo algo tão difícil
ExcluirImagina, Dirk. Quem pegou pesado fui eu, pedindo que você lesse o Bobbio. Na próxima eu lhe passo um link da Wikipedia.
ExcluirOlha que engraçado Clóvis, o segundo rapaz preso, usava roupa igual dos P2, pulseira no braço igual dos P2, era pago para fazer baderna em meio a manifestações pacíficas e após a morte ficou com medo de ser assassinado por quem o financiava. Ao invés de procurar os advogados ativistas que defendem os manifestantes presos, está sendo defendido por um advogado que já defendeu as milicias contra o Freixo, e foi derrotado, e está falando tudo que o governo gostaria que falassem do PSOL (única e cada vez mais forte oposição) sempre com exclusividade para a rede Globo. Estaria sofrendo pressão???? Pois é, essa história ainda vai feder
ResponderExcluirIvan, só a prisão do rapaz mereceria um post, de tão estranha - e isso pra dizer o mínimo. Há uma série de incongruências e outras coisas muitíssimo mal explicadas. No Facebook circula uma lista com algumas destas contradições. Se você não leu, vale a pena, e a reproduzo aqui:
Excluir"1 - Fabio se entrega voluntariamente à polícia, acompanhado de um advogado particular.
1.A - Nenhum manifestante (ou PM) se entregou até hoje, em nenhuma manifestação.
1.B - Fabio não estava foragido, nem procurado, ele resolveu se apresentar 'voluntariamente'.
2 - Seu advogado é o mesmo que fez a defesa de ex-vereador miliciano preso em penitenciaria federal.
2.A - O miliciano preso é irmão de outro miliciano preso, Jerominho, do mesmo partido (PMDB) do governador e do prefeito, alvos dos protestos.
2.B - Quando defendia o miliciano, responsável pela morte de diversas pessoas em chacinas, este advogado não entregou seu cliente em nenhuma delegacia.
3 - Advogado denuncia, através de seu assistente, o deputado Freixo como ligado aos atos criminosos em apuração.
3.A - Após fazer questão de comunicar esta versão ao delegado e registrá-la, voltou atrás. Não antes de toda míidia dar ampla divulgação.
3.B - Freixo concorreu contra Eduardo Paes e se constituiu como único candidato forte de oposição ao atual governo.
4 - Fabio alega que apenas entregou o artefato, que outra pessoa o detonou, mas não sabe quem foi.
4.A - Fabio repentinamente conhece alguem, que conhece alguém que sabe nome, apelido e CPF deste que teria acendido o artefato.
4.B - O tal denunciante não é revelado, e o advogado é que assume a responsabilidade pela denúncia.
5 - O advogado Jonas denuncia à polícia quem teria sido o detonador do artefato. A estratégia da defesa de Fabio é responsabilizar Caio, negro de cabelo curto e duro.
5.A - As imagens apontam um rapaz claro, cabelos lisos e volumosos.
5.B - Polícia vai a caça de Caio na casa de sua família. Jonas, o advogado denunciante vai junto.
(...)
(...)
Excluir6 - Partem num avião um delegado do Rio, o advogado denunciante e a imprensa para prenderem Caio na Bahia, após sua família ser pressionada a entregá-lo.
6.A - Caio é preso pelo delegado e pelo advogado denunciante. Um trunfo para a defesa de Fabio.
6.B - Inexplicavelmente, o advogado de Fabio, denunciante e auxiliar na captura, vira defensor TAMBÉM de Caio.
7 - Jonas, que não entregou Natalino, mas entregou Fabio, acusou e prendeu Caio agora defende Caio contra Fabio e Fabio contra Caio.
7.A - a polícia aceita que um advogado da parte ré participe de uma operação policial.
7.B - Autoridade policial aceita, sem estranhamento, que advogado de um réu que denunciou outro e auxiliou na prisão deste siga como defensor deste.
8 - Jonas, o advogado que faz prisões, e a Globo, que teve permissão pra cobrir com exclusividade a operação (porque, porque?) dizem que Caio afirmou que "políticos aliciam para manifestações".
8.A - Caio não assinou nenhuma declaração nesse sentido. Um vídeo mostra que ele disse claramente que pessoas são convocadas (não aliciadas) e que é papel da polícia investigar quem convoca (portanto, não acusou ninguém, muito menos políticos).
9- Senadores do PT, PRB e PP (aliança dos governos municipal e estadual, foco dos protestos) apresenta projeto que tipifica manifestação e greve como terrorismo. Outro senador do mesmo partido sobe na tribuna exigindo urgência na aprovação.
9.A - Secretário de Segurança do Rio apresenta projeto para Congresso (!!!) para tipificar tambem crime de desordem e incitação a desordem pública.
9.B - Imprensa, liderada pela Globo, exige maior repressão policial e jurídica ao que chama de atentado à liberdade de imprensa.
10 - Instituições democráticas, partidos de esquerda, militantes e personalidades ligada aos governos apoiam a cruzada acima.
10.A - Em se aprovando os projetos, todas as atividades dos sindicatos, entidades estudantis e movimentos sociais serão considerados terrorismo e desordem pública.
10.B - Santiago foi a 10ª pessoa morta em decorrência das manifestações, a primeira por conta de manifestantes. Das outras 9, nem o nome se sabe direito."
Você tem razão: isso ainda vai dar muito pano pra manga.
Isto está me parecendo Hitchcock, com a diferença que naqueles tempos não existiam black blocs.
ResponderExcluirE os gajos só se ferravam na tela grande.
ExcluirTeria que encher cinco tomos para vomitar tudo o que sinto por esse colunista, mas a baixeza dele é tanta, a cegueira ideológica é de tal monta, que desanimo. Apenas NOJO!!!
ResponderExcluirCinco tomos? E tudo em fluxo de consciência, imagino.
Excluir"...banalização do sofrimento e da morte". Não cabe a carapuça, Clóvis?
ResponderExcluirA cabeça é sua. Responda você.
ExcluirMudando um pouco de assunto... A resposta do Ministro Gilmar Mendes ao ex da Marta foi ES-PE-TA-CU-LAR!
ResponderExcluirDepois dessa bofetada o Suplicy tinha de tomar vergonha na cara e sair desse "partido".
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/02/1412215-em-carta-a-suplicy-gilmar-mendes-pede-vaquinha-para-recuperar-r-100-milhoes-do-mensalao.shtml
O Gilmar Mendes podia explicar também porque ele aparece como um dos beneficiários do Mensalão Tucano.
ExcluirPodia explicar tbém os contratos da empresa que não podia ter, com o judiciário. Sem falar é claro, da amizade com o Demostenes e o grampo que nunca existiu
ExcluirVai, Clóvis, defende mais, faltou falar do FHC...
ExcluirO FHC casou. Pronto, falei.
ExcluirIsso é só falta de Geston. A lei já obriga que o percurso da manifestação seja informado à policia e ao falecido ittran. É só filmar a manifestação e enquadrar na lei quem faz cagada. Como disse o Jones Selonke, é preciso manter a ordem. Sendo filmado, pode deixar a policia com 3 mil metros de distancia. A policia perto só ajuda a estragar.
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