terça-feira, 15 de maio de 2018

O elevado, o foguetório e o nome das coisas em Joinville

POR JORDI CASTAN
Quando o homem primitivo começou a falar, se supõe que uma das primeiras coisas que fez foi dar nome às coisas. Assim chamou as árvores de árvores, os rios de rios, o mar de mar e, aos poucos, tudo aquilo que o envolvia e formava seu universo passou a ter nome. Dar nome a cada coisa era a sua forma de apropriação, de tomar posse.

O costume segue até hoje e continuamos dando nome a tudo que nos circunda. E chamamos de viadutos os viadutos, de sinaleiros os sinaleiros e de ciclovias a essas engronhas que pululam sem nexo pelas ruas de Joinville. Mas não é sempre que utilizamos os nomes certos porque, por vezes, os adultos repetem os erros das crianças, que chamam de forma errada coisas que são na realidade outra coisa.

Um bom exemplo é essa inhaca que fizeram na avenida Santos Dumont e que estultamente uns insistem em chamar de duplicação. E, claro, um bando da papagaios repete sonoramente. À falta de outro, o nome empulhação seria mais apropriado. Mas os sambaquianos gostam de ser iludidos e o seu cacique-mor é um mestre da empulhação. Vendedor de ar quente, engabelador de eleitores, embaucador dos que acreditaram no seu discurso do gestor experiente.

A última invenção dos sambaquianos é deixar-se levar pelo encantador de caranguejos e dar nome aos elevados. Em lugar de deixar que seja o povo com a sua sabedoria quem chame as coisas pelo seu nome, como Curva do Nereu, ou Praia do Ervino, ou Curva do Fritz, eles inventaram de fazer um evento, com discursos, placas e fogos de artifício para batizar um reles elevado com o nome de um político já falecido.

Esforço inútil, o povo vai denominá-lo de forma mais prosaica, como, por exemplo, o elevado da Tuiuti. Ou qualquer outro que melhor identifique o monstrengo cinzento e capenga que ficou feioso, torto e mal-acabado. Aliás, características comuns a tudo que por aqui se faz com o dinheiro público. Alias é bom não esquecer de acrescentar caro. Porque além de ficar ruim, esta obra ficou cara e demorou muito mais do que estava previsto.

Mas se os sambaquianos se empolgam e começam a dar nome a tudo o que os rodeia, logo, logo vai faltar nome para tanto buraco. E já se sabe: onde faltam obras sobram buracos.s

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Toda censura é burra. Que o diga Chico Buarque

POR ET BARTHES
A palavra ditadura voltou a estar em foco, com os documentos da CIA, revelados na semana passada. É um momento interessante para voltar a falar no tema censura, uma marca forte dos regimes autoritários. Toda censura é burra. Todo censor é um borra-botas. Os caras são tão idiotas que acabam sempre por entrar para a anedotário das sociedades.

Há exemplos eme todos os tempos. Quando Karl Marx foi diretor do “Rheinische Zeitung”, o jornal tinha um censor fixo. Era um policial chamado Laurenz Dolleschall. Um dia o homem proibiu um anúncio da “Divina Comédia”, de Dante Alighiere. A razão? No entender do sujeito, uma coisa que é divina nada pode ter a ver com comédia.

No Brasil, até uma música romântica do cantor Waldick Soriano foi censurada. Por quê? Porque o nome era “Tortura de Amor”. O censor pensou, muito cartesianamente: “se fala em tortura, a música é subversiva”. Ok... ouvir Waldick Soriano pode ser uma tortura para muita gente, mas o homem nem se interessava muito por política.

Um dos preferidos da censura sempre foi Chico Buarque. O problema é que o compositor é um homem inteligente e os censores são sempre tontos. O caso mais clássico de drible nos censores talvez tenha sido a música “Cálice”. Os caras não perceberam a mensagem “cale-se”. É o exemplo pronto e acabado da vitória da inteligência sobre a mediocridade.

Chico Buarque chegou a suar o pseudônimo Julinho da Adelaide para aprovar as suas músicas. Um dos seus trabalhos mais interessantes é “Jorge Maravilha”, que entrou para a história por ter uma letra dedicada a Amália Lucy, filha do então presidente Ernesto Geisel. Tudo por causa da frase “ você não gosta de mim, mas a sua filha gosta”.

É um daqueles casos em que a versão é mais divertida que a realidade. Porque o próprio Chico Buarque esclareceu os fatos e disse que era apenas boato. “Aconteceu de eu ser detido por agentes de segurança (do Dops), e no elevador o cara pedir autógrafo para a filha dele. Claro que não era o delegado, mas aquele contínuo de delegado”, esclareceu.

Ouça a música. No fim ele faz um comentário sobre a filha do ditador.


domingo, 13 de maio de 2018

Os Bolsonaro, a ditadura e a aberração cognitiva

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A notícia da semana foi a revelação, através de documentos da CIA - Central Intelligence Agency, de que os generais da ditadura brasileira autorizaram a execução dos opositores. Nada que não se soubesse. Mas agora há evidências concretas que permitirão, aos historiadores, a construção de uma narrativa baseada em dados concretos, daqueles que não dá para recusar (a não ser os militares e os malucos que pedem a volta da ditadura).

A revelação traz um problema. O Brasil tem muita gente que lida mal com os fatos e, mais ainda, com a história. Um exterminiozinho de opositores – os malditos esquerdistas ficam no Brasil em vez de irem para Cuba – até cai bem para esse pessoal que delira com a volta da ditadura. O que são algumas mortes de comunas? Nada. Afinal, esquerdista bom é esquerdista morto, claro. E quem melhor representa esse espírito “sangue nos olhos”?

Se disse Jair Bolsonaro acertou. O deputado federal e putativo candidato à presidência da República é um caso pronto e acabado da aberração cognitiva que tomou conta do Brasil. É o que prova a sua reação à notícia das execuções. Ao ser perguntado sobre as revelações do documento, Bolsonaro reagiu com o seu conhecido estilo atrabiliário-truão, comparando a execução de pessoas a “um tapa no bumbum do filho”.

Aliás, os problemas de cognição parecem ter algo a ver com a genética. Também esta semana um dos filhos de Jair Bolsonaro publicou uma foto nas redes sociais a exibir, com ar jactante, uma camiseta com os dizeres “Ustra Vive”, sob a foto do torturador. O déficit cognitivo do rapaz é exuberante. Quem, em todo o planeta, é capaz de defender um ser execrável como Ustra? Só um Bolsonaro. Só no Brasil.

As revelações da CIA representaram um fato importante para as pessoas com pelo menos dois dedos de testa. Mas pouco valem para fascistóides como Jair Bolsonaro. Aliás, vale uma reflexão. Talvez seja um exagero dizer que o deputado é fascista. Porque o fascismo é um programa. Hitler era fascista. Mussolini era fascista. Franco era fascista. Todos tinham uma agenda. Bolsonaro é apenas um idiota motivado que namora ideias fascistas.


Era "Ustra Vive", o Photoshop fez o resto...

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Outros Maios virão


POR CLÓVIS GRUNER
No texto anterior sobre o cinquentenário de “Maio de 68”, falei que os acontecimentos daqueles dias alteraram nossa maneira de pensar e fazer política. Pois é justamente essa capacidade de mudar nosso modo de conceber o político, restituindo-lhe seu caráter plural, incômodo e emancipador, um dos mais positivos legados de Maio ao presente. É o que pretendo explorar, rapidamente, nessa segunda parte.

Em texto recente, parte de “Levantes”, livro e exposição organizados por Georges Didi-Huberman, o italiano Antonio Negri pergunta: quais as exigências postas a um levante para que se possa fazer dele uma “ontologia positiva”? Ele responde: “estar plantado na terra, enervado de paixões e de interesses; exige vontades radicais e desejos orientados para o futuro. Em segundo lugar, exige tornar-se máquina de produção de subjetividade, que compõem, num ‘nós’ ativo, um conjunto de singularidades”.

Essas duas características – um desejo orientado para o futuro, mas os pés plantados no presente, e a nova subjetividade daí advinda, o “nós ativo” – permite pensá-las de modo a associar episódios distintos, mas próximos em sua natureza: o blackout de Nova York, em 1977; o motim em Los Angeles, em 1992, e nos subúrbios parisienses, em 2005; as manifestações em Seattle contra a OMC, em 1999; passando pela Revolta dos Pinguins, no Chile, em 2006; o Occupy Wall Street, em 2011, ou a tomada da Praça Syntagma, na Grécia, há pouco menos de três anos.

A essa série, gostaria de acrescentar as manifestações de junho de 2013 e as ocupações das escolas paulistas e paranaenses, em 2015 e 2016, respectivamente. Embora, como o próprio Negri afirma, se tratem de eventos diversos, com demandas, estratégias e resultados específicos, estamos a falar de mobilizações que ecoam o “espírito” de Maio de 68 e que, décadas depois, seguem ativando novas formas de subjetividades políticas.

Minha leitura de 2013 e das ocupações se distancia do modo como parte da esquerda as interpreta, acusando a primeira de estopim do processo que resultou no impeachment de Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, e ainda que em tom mais generoso, reclama nas segundas a incapacidade de formular propostas claras e objetivas, a ausência de lideranças e de direção, enfim, uma ingenuidade política que contribuiu para a derrota do movimento.

A persistência dos vaga-lumes – Em um artigo de 1975, Pier Paolo Pasolini lamentava que o fascismo italiano, derrotado como regime de governo, sobrevivia triunfante  na sociedade italiana, aniquilando expressões genuínas de sua cultura. À luz deslumbrante, mas ofuscante dos projetores da propaganda e da máquina do fascismo, o poeta e cineasta contrapõem os vaga-lumes, cuja luz fugidia e discreta é também insistente e, o fundamental, resistente.

É por meio dessa metáfora, retomada pelo historiador francês Didi-Huberman, que sugiro uma certa continuidade entre 68 e as manifestações recentes no Brasil: antiautoritárias, criativas em sua capacidade de driblar as armadilhas policialescas, e não apenas as da polícia, questionadoras das ordens instituídas, iconoclastas, nem as “jornadas de junho” nem as ocupas pretendiam tomar ou substituir o poder. A intenção, aberta ou velada, era tensioná-lo por meio de demandas que inscreviam o presente e o cotidiano na ordem política.

A certeza de que o transporte público e a mobilidade, o direito de estar na cidade, deveria ser um bem comum; e a convicção de que qualquer reforma educacional deve ser discutida com quem é diretamente afetado por ela, ou seja, os próprios estudantes, eram suas reivindicações objetivas. Mas elas mobilizavam novas formas de paixões utópicas, outras estratégias e modos de agir e de ocupar os espaços públicos, em grande medida derivadas de 68.

Apesar das diferenças, esses movimentos têm em comum a aspiração a uma singularização irredutível às tentativas de alinhamento, uma espécie de recusa teimosa, de inspiração libertária, do Estado e suas instituições. É verdade que a democracia formal tem dado sinais claros de seu esgotamento, e de que sua existência depende da capacidade de fazer do “Estado de exceção” a regra – somos testemunhas disso no Brasil. Além disso, parte da revolta que inundou Paris foi cooptada com promessas de futuros idílicos, ou transformada em mercadoria.

Mas se por um lado é inegável a sobrevivência dos velhos modos de fazer política, também o é a força e a pertinência dos chamados “novos movimentos sociais”, diretamente relacionados às “jornadas de junho” e as ocupações. Em tempos sombrios como o nosso, é preciso voltar a Maio de 68, desconfiar da utopia como porvir e reiterar a mirada política no presente – ou seja, reafirmar a utopia não como esperança, mas como intervenção.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"O Processo", filme sobre destituição de Dilma Rousseff, ganha prêmios em Portugal

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O filme “O Processo”, de Maria Augusta Ramos, conquistou dois prêmios no IndieLisboa, um dos mais importantes festivais de cinema de Portugal, realizado entre  26 de abril e 6 de maio. O documentário, que mostra os fatos desde a crise política iniciada em 2013 até ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, conquistou o Prêmio Silvestre, um dos mais importantes, e o Júri do Público para longa-metragem.

O júri do Prêmio Silvestre afirma que o filme foi escolhido pela singularidade e por uma linguagem cinematográfica que permite, ao espectador, fazer as suas próprias observações. “Pela sua montagem aberta, que é fluente e elegante. Um drama político contado através da narrativa clássica sem cair no classicismo gramatical e formal”, explica a organização do festival.

Os portugueses consideram ‘O Processo’ “um filme sobre a política brasileira que também mostra o processo universal de deslegitimação das instituições republicanas e lança uma nova luz sobre os perigos que ameaçam a democracia contemporânea”.

O fato de ter sido escolhido pelo júri popular tem óbvia relação com fatores estéticos e de narrativa. No entanto, também permite extrapolar para uma leitura política. A receptividade ao filme tem sido boa porque o mundo – e em especial a Europa – já percebeu que a ex-presidente foi vítima de um golpe parlamentar e não acredita nas instituições brasileiras.



Maio, 50 anos: exigir, ainda, o impossível


POR CLÓVIS GRUNER
No dia 10 de maio, milhares de estudantes parisienses tomaram as ruas do Quartier Latin, bairro universitário da capital francesa. Com carros destruídos, carteiras, móveis e paralelepípedos construíram as barricadas que, ao longo das semanas seguintes, se tornaram símbolos de um dos mais significativos eventos do século passado. Sabemos hoje, que o movimento mal conquistou aquela que era sua agenda mais objetiva e principal reivindicação, a reforma universitária. 

Mas “Maio de 68” alterou radicalmente nossa maneira de pensar e fazer política: ele sintetiza, exemplarmente, o seu caráter fundamentalmente emancipador, para além da burocratização que comumente a caracteriza. Ao recusarem as utopias clássicas – o liberalismo de mercado e o socialismo estatizante –, os jovens franceses rejeitaram, igualmente, as noções tradicionais de militância e revolução que orientaram parte significativa das experiências políticas anteriores.

Uma atenção às condições históricas ajuda a entender os eventos de maio para além de sua mistificação. No contexto internacional, há a Guerra Fria e, com ela, o esgotamento das alternativas históricas tradicionais. Além disso, aquela era a primeira geração nascida imediatamente após o fim de um longo período de conflitos mundiais, e que chega à juventude usufruindo de um ambiente, se não inteiramente livre de conflitos, sem o peso de duas guerras capazes de devastar um continente inteiro.

Mais especificamente na França, os eventos de Maio também repercutiram condições e experiências históricas que o antecederam. De uma perspectiva simbólica, os insurgentes reivindicavam sua filiação à Comuna de Paris de 1871, e mesmo à revolução de 1848, as chamadas “Jornadas de Junho”. Mais proximamente, há nas ruas do Quartier Latin ecos da Frente Popular de 1936, da resistência à ocupação nazista nos anos de 1940 e do ativismo pela independência da Argélia, no final dos anos de 1950.

No ambiente sociocultural dos anos de 1950-60, esses contextos gestaram e deram forma a manifestações – a contracultura, as experiências de vida comunitária, os movimentos feminista e negro, etc –, e mobilizações diversas – e penso, por exemplo, na Primavera de Praga, ou na resistência às ditaduras na América Latina. Nesse sentido, o Maio francês não é um evento único e isolado, mas parte e resultado de um conjunto de mudanças comportamentais e políticas que caracterizam não apenas o ano de 68, mas toda a década de 1960.

A imaginação no poder – A reforma educacional, reivindicação que motivou a tomada das ruas, rapidamente ensejou outras, de cunho mais estrutural – como o fim da Guerra do Vietnã, partilhada com as manifestações que começavam a surgir nos EUA – ou existencial, expressa no lema “Sejamos realistas, exijamos o impossível”. Os embates também se multiplicaram, com a polícia certamente, mas também com todo o aparato de força e poder de uma sociedade democrática liberal como a francesa – a burocracia, a família, os valores morais, entre outros.

E enfim, há seus desdobramentos. Frente à repressão policial e em solidariedade aos estudantes, sindicatos decretaram greve geral e, rapidamente, o movimento extrapolou seu caráter inicial, ampliou suas reivindicações e envolveu diferentes setores da sociedade francesa – operários, artistas, intelectuais, cineastas, funcionários públicos, etc... No final de maio, a greve geral convocada duas semanas antes já paralisara oito milhões de trabalhadores, uma aliança de proporções inéditas e que não se repetiria nos anos subsequentes.

Nas semanas seguintes, e frente à ameaça de ver ruir o governo, Charles de Gaulle convoca eleições e, apelando aos votos de uma “maioria silenciosa” contrária às barricadas, retoma a maioria parlamentar e o controle de Paris. Maio chega ao fim, mas Maio não teve fim. Participante ativo e um de seus historiadores, Jacques Baynac chama a atenção principalmente para duas características dos eventos de maio que assinalam sua novidade frente a outras sublevações.

Diferente de experiências anteriores, 68 não foi gerado pela escassez, mas pela abundância: abundância de memórias, de referências teóricas, de filiações ideológicas, de estratégias de confronto e ocupação das ruas (barricadas, cartazes, pichações, etc...). Além disso, enquanto as sublevações passadas pretenderam instaurar novas formas de poder, o Maio francês pretendia invalidá-lo – nas palavras de Baynac, “o que equivale a realizar-se como não poder”. Nesse sentido, e me apoio aqui na distinção proposta pelo teórico italiano Furio Jesi, “Maio de 68” não foi, nem pretendeu ser, uma revolução, mas uma revolta.

Entre outras coisas, para Jesi a qualidade que distingue ambas reside na sua relação com o tempo: se a revolução está imersa no tempo histórico e se orienta para o futuro, a revolta o suspende, instituindo o presente. Isso não significa negar, à revolta, sua potência de futuro ou, dito de outra forma, sua potencialidade para vislumbrar, desde o presente, um horizonte possível de expectativas. Ecos do já cinquentenário “Maio francês” alcançaram nosso presente, que foi o seu futuro, em sua capacidade de forjar novas e intensas paixões utópicas e organizar novos modos de insurgência política.

(Essa é a primeira de duas partes de um texto mais longo sobre os 50 anos do Maio de 68. A segunda será publicada sexta-feira.)

terça-feira, 8 de maio de 2018

Não leia os comentários

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Antes de ir ao ponto, eis alguns dados importantes a reter.
1. De acordo com a Unesco, o Brasil é o oitavo país com mais adultos analfabetos do mundo (são cerca de 14 milhões).
2. Numa pesquisa realizada em 38 países, os brasileiros ficaram em segundo lugar entre os lugares onde as pessoas têm menos noção da própria realidade.
3. Apenas 8% das pessoas com idade para trabalhar são capazes de entender e se expressar por palavras e números.
4. O estudo “Analfabetismo no Mundo do Trabalho” diz que um a cada quatro brasileiros pode ser considerado analfabeto funcional.
5. O Brasil está na 72ª colocação em um ranking que avalia a inclusão digital de 150 países.

Os dados apontam uma evidência. O Brasil é um lugar onde as pessoas têm dificuldades para interpretar o mundo. É uma deficiência expressa nas redes sociais e nos comentários nos textos de jornais e blogues. Há o lado bom: as plataformas digitais são ferramentas de intervenção que vieram dar voz aos que nunca puderam falar. E o lado mau: a liberdade virou excesso e fez emergir o lado mais negro da mente humana. Ao ponto termos um conselho recorrente: “não leia os comentários”.

Na década de 70 do século passado, o escritor  Alvin Tofller criou a expressão information overload (sobrecarga de informação), considerada uma das grandes doenças do século 21. O que significa? Que os avanços da tecnologia estão a intensificar o tráfego de informações ao ponto de tornar impossível processar e reter todos os dados. O cérebro humano não está rotinado para acelerar os seus processos na mesma velocidade dos avanços tecnológicos.

Agora imaginem o que essa sobrecarga de informação pode produzir numa sociedade que, durante décadas de ditadura militar, foi obrigada ao silêncio. Gente que não aprendeu a debater. Que nunca teve que enfrentar o contraditório. Que não foi educada para a democracia. Diz o ditado que “quem nunca comeu melado, quando come se lambuza". O surgimento dessa esfera digital é um avanço civilizacional. Mas para parte dos brasileiros a coisa descambou.

O copo meio cheio diz que informação nunca é demais. Mas o copo meio vazio revela efeitos colaterais. Se há pessoas intelectualmente preparadas para fazer a gestão da informação (e dos excessos), também há quem patine. Soterradas por tantos dados, muitas pessoas são incapazes de organizar a informação. Nesses casos, há quem recorra à saída mais fácil: o uso de bengalas discursivas. Falam muito, dizem nada.

O que são essas bengalas? Ora, são as frases prontas (clichês, slogans, chavões) que têm a função de dar um ar de simplicidade ao que é complexo. Ou seja, são ideias simplórias que criam uma sensação de entendimento dos fatos. Mas é exatamente o contrário. É um risco acrescido em sociedades onde muita gente se informa apenas pelas redes sociais, que, todos sabemos, são o meio propício para plantar a desinformação.

O problema é que esses clichês estão contaminados pelo ódio e pela intolerância. Eis o perigo. Talvez o plano de expressão da alma do povo seja a caixa de comentários dos jornais, dos blogues, das redes sociais. A iliteracia e as ideias simplórias, misturadas com doses maciças de intolerância, transformaram estes ambientes em autênticos pantanais – que vão para além do virtual. A ignorância é a mãe de todos dos ódios. E tudo o que se vê é feio, muito feio.

É a dança da chuva.

P.S. Não leia os comentários...

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Os "udoboys" e a Cota 40. De novo...

POR JORDI CASTAN
Acabar com a cota 40 tem se convertido na obsessiva tarefa diária do Executivo municipal. Para atender interesses especulativos e “promover o progresso”, o prefeito municipal encarregou a missão de destruir o mais importante pulmão de Joinville. E para isso um grupo de técnicos tem se dedicado diuturnamente a achar formas de acabar com a Cota 40.

Desconsideram que, para acabar com a Cota 40, é preciso desrespeitar a LOM (Lei Orgânica Municipal), a nossa constituição municipal. Uma lei que considera, de forma explícita, as regras e os pilares do convívio entre os joinvilenses. Ou seja, considera sabiamente que os morros, morrotes e todas as áreas localizadas acima de Cota 40 devem ser preservadas. O prefeito deve ter esquecido que, quando tomou posse, prometeu cumprir a lei que agora insiste teimosamente em ignorar e desvirtuar.

A “genial” proposta que o Executivo encaminhou ao Legislativo é a de permitir a mineração das Áreas acima da cota 40. Assim, todos os morros com cota superior poderão ser explorados para mineração e sua cota rebaixada com a retirada do material mineral, seja ele barro, saibro ou rocha. Ora, depois de não haver mais a cota 40, o imóvel poderá ser ocupado normalmente.

Já escrevi neste espaço que temas complexos não são o forte do prefeito. Há nele uma predisposição a simplificar as coisas de modo que possa compreendê-las. Gente simples não compreende ideias ou propostas complexas. O prefeito acha assim que consegue resolver com soluções simplórias temas que exigem analise, estudos técnicos e conhecimento que ele e sua equipe ou abominam ou não tem competência para compreender.

Por isso, o prefeito trata Joinville como um gigantesco tabuleiro de banco imobiliário em que ruas e bairros mudam de valor de acordo com o seu interesse ou o dos seus amigos e apaniguados. Para o grupo denominado de “udoboys” Joinville é um jogo de Sin City à escala gigante. E a cota 40 é na sua cabeça um empecilho para o “progresso” desta pujante cidade.

sábado, 5 de maio de 2018

A classe dominante e consciência dominante


POR KARL MARX
As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes. Ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual.

As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal [ideell] das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as ideias do seu domínio. Os indivíduos que constituem a classe dominante também têm, entre outras coisas, consciência, e daí que pensem; na medida, portanto, em que dominam como classe e determinam todo o conteúdo de uma época histórica, é evidente que o fazem em toda a sua extensão, e portanto, entre outras coisas, dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época.

Numa altura, por exemplo, e num país em que o poder real, a aristocracia e a burguesia, lutam entre si pelo domínio - em que portanto o domínio está dividido - revela-se ideia dominante a doutrina da divisão dos poderes, que é agora declarada uma "lei eterna".

A divisão do trabalho, uma das principais forças da história até aos nossos dias, manifesta-se agora também na classe dominante como divisão do trabalho espiritual e material, pelo que no seio desta classe uma parte surge como os pensadores desta classe (os ideólogos conceptivos ativos da mesma, os quais fazem da formação da ilusão desta classe sobre si própria a sua principal fonte de sustento). Ao passo que os outros têm uma atitude mais passiva e receptiva em relação a estas ideias e ilusões, pois que na realidade são eles os membros ativos desta classe e têm menos tempo para criar ilusões e ideias sobre si próprios.

No seio desta classe pode esta cisão da mesma chegar a uma certa oposição e hostilidade entre ambas as partes. Mas que por si própria desaparece em todas as colisões práticas em que a própria classe fica em perigo, desaparecendo então também a aparência de que as ideias dominantes não seriam as ideias da classe dominante e teriam um poder distinto do poder desta classe. A existência de ideias revolucionárias numa época determinada pressupõe já a existência de uma classe revolucionária, e já atrás ficou dito o que era necessário sobre estas premissas.

Ora, se na concepção do curso da história desligarmos as ideias da classe dominante da própria classe dominante, se lhes atribuirmos uma existência autónoma, se nos ficarmos por que numa época dominaram estas e aquelas ideias, sem nos preocuparmos com as condições da produção e com os produtores destas ideias, se, portanto, deixarmos de fora os indivíduos e as condições do mundo que estão na base das ideias, então poderemos dizer, por exemplo, que durante o tempo em que dominou a aristocracia dominaram os conceitos honra, lealdade, etc., durante o domínio da burguesia dominaram os conceitos liberdade, igualdade, etc.

Em média, é isto que a própria classe dominante imagina. Esta concepção da história, que a todos os historiadores é comum, em especial a partir do século XVIII, há-de necessariamente dar com o fenômeno de que dominam ideias cada vez mais abstratas. Isto é, ideias que assumem cada vez mais a forma da universalidade. É que cada nova classe que se coloca no lugar de outra que dominou antes dela, é obrigada, apenas para realizar o seu propósito, a apresentar o seu interesse como o interesse comunitário de todos os membros da sociedade, ou seja, na expressão ideal [ideell]: a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais e universalmente válidas.

A classe revolucionante entra em cena desde o princípio, já que tem pela frente uma classe, não como classe, mas como representante de toda a sociedade, ela aparece como a massa inteira da sociedade face à única classe, a dominante. E consegue-o porque, a princípio, o seu interesse anda realmente ainda mais ligado ao interesse comunitário de todas a demais classes não dominantes, porque sob a pressão das condições até aí vigentes ele não pôde ainda desenvolver-se como interesse particular de uma classe particular.

A sua vitória aproveita também, por isso, a muitos indivíduos das demais classes que não se tornam dominantes, mas apenas na medida em que permite a estes indivíduos subirem à classe dominante. Quando burguesia francesa derrubou o domínio da aristocracia, tornou desse modo possível a muitos proletários subirem acima do proletariado, mas apenas na medida em que se tornaram burgueses.

Cada nova classe, por isso, instaura o seu domínio apenas sobre uma base mais ampla do que a da até aí dominante, pelo que, em contrapartida, mais tarde também o antagonismo da classe não dominante contra a agora dominante se desenvolve muito mais aguda e profundamente. Por ambas as razões, é determinado o fato de que a luta a travar contra a nova classe dominante por seu turno visará uma negação mais radical, mais decidida, das condições sociais até aí vigentes do que fora possível a todas as classes que anteriormente procuraram dominar.

Toda esta aparência de que o domínio de uma determinada classe seria apenas o domínio de certas ideias cessa, naturalmente, por si mesma logo que o domínio de classes em geral deixa de ser a forma da ordem social, logo que, portanto, deixa de ser necessário apresentar um interesse particular como geral ou "o geral" como dominante.

Hoje é aniversário de Karl Marx: o velho barbudo faz 200 anos

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Se fosse “imorrível” (imortal ele é), hoje Karl Marx faria 200 anos. E para comemorar há muita festança por todo o mundo, desde a sua Trier natal até a Londres vitoriana onde viveu, passando pelo Brasil. O fato é que o velho barbudo, tão anatemizado pelos que nunca o leram (ou os que não entenderam), é um dos maiores pensadores da história. E não sou eu a dizer. É um quase consenso nos meios acadêmicos. E não só.

É só lembrar que faz alguns anos a respeitável BBC Radio 4, lá das terras de Sua Majestade, realizou uma votação para escolher o maior pensador de todos os tempos. Quem ganhou? Karl Marx, claro. E com uma goleada sobre o segundo colocado, o filósofo e historiador escocês David Hume (27,93% contra 12,67%). Mais atrás ficaram Wittgenstein, Nietzsche, Platão, Kant, São Tomás de Aquino, Sócrates, Aristóteles e sir Karl Popper (vá de retro).

A coisa até podia passar despercebida se não fosse a Inglaterra o país do liberalismo e da tal terceira via (que parece ter desaparecido). E não deixa de ser estranha a escolha de um pensador cujo nome ainda provoca ranger de dentes. O nome Karl Marx é amaldiçoado pelos conservadores, em especial os que nunca folhearam um dos seus textos.

E tem um processo muito típico do Brasil. Hoje em dia, para desqualificar um interlocutor, os conservadores acreditam que basta acusá-lo de ser “marxista” (é o mesmo que “esquerdista”). Em termos de hegemonia neoliberal, há um esforço violento para associar o pensamento marxiano ao atraso, anacronia e fracasso.

Depois da queda do Muro de Berlim, o neoliberalismo impôs-se como modelo sem alternativa. Modelo único, pensamento único. Todas as teses que estejam em discordância com o liberalismo econômico acabaram banidas do sistema de circulação de ideias. Qualquer pensamento dissonante é considerado datado, inoportuno. É tese sem antítese. Não há evolução.

Mas o método de análise do velho filósofo ainda tem muita força. É preciso ler a sua obra, que não se resume a “O Capital” ou à economia. A filosofia é uma das suas grandes contribuições para entender a sociedade. O problema é que os sicofantas do establishment não gostam de livros, preferem o conforto das verdades prontas.

O antimarxismo é mais do que natural. E ao longo dos tempos a crítica a Marx tem sido feita por intelectuais respeitados. Mas é uma abordagem que não podemos confundir com a vulgata rasteira das redes sociais, edificada sobre frases feitas e clichês idiotas. Antimarxismo de Facebook é a morte do pensamento.

As auto-citações são para evitar, mas não resisto a resgatar um excerto de um texto meu publicado no Anexo, do jornal A Notícia, num distante 18 de abril de 1993. E lá vão quase 25 anos. Dizia eu, naquela altura:

- Nos tempos de euforia liberal, Marx se transformou em sinônimo de atraso e a simples citação do seu nome podia colocar o indivíduo do lado menos recomendável do muro. Tornou-se impossível falar acerca do pensamento do velho filósofo sem que se esbarrasse em argumentos apriorísticos cuja irracionalidade impedia qualquer discussão.

O texto continua:
- Prevaleceu a histeria burra que dividia o mundo em mocinhos e bandidos (estes os que nutrissem simpatia pelo pensador alemão). Fruto de irrefreável compulsão ao reducionismo, aqui no patropi estigmatiza-se o que se julga entender por marxismo e, frase feita, joga-se tudo na lata de lixo da história. Só que qualquer pessoa com um mínimo contato com esse campo teórico sabe que Marx não se presta às simplificações pretendidas pelo senso comum.

É a dança da chuva.