Semana passada, as mídias sociais foram tomadas pelo debate sobre a apropriação cultural. Thauane Cordeiro relatou, em seu perfil no Facebook, que foi criticada por uma mulher negra por usar turbante quando estava em uma estação de metrô. A jovem, que luta contra um câncer, relata que explicou o motivo de utilizar o turbante a mulher que a abordou, antes de sair e deixar a mulher negra com “cara de tacho”. Ao terminar o seu relato, Thuane lançou a hashtag #VaiTerTodosDeTurbanteSim. E finalizou o seu post com a seguinte frase “Foto da negra branca mais chave que vocês conhecem...”.
Não entrarei no debate sobre a apropriação cultural, não chegarei até lá. Nem darei atenção ao fato da jovem tentar imitar Claudia Leitte e seu álbum "Negalora" ao finalizar sua denúncia na publicação. A minha preocupação é com outro fato que passa naturalmente despercebido aos nossos olhos.
Uma moça vai até o Facebook e relata o fato de ter sido vítima de preconceito praticado por uma mulher negra por estar usando turbante em um metrô. Rapidamente seu relato viraliza na Internet e o assunto ganha os trending topics do Twitter. Alguns veículos de imprensa digital e da grande mídia repercutem a denúncia da moça.
Tudo isso sem testemunhas, sem fotos, sem vídeos, sem boletim de ocorrência, sem no mínimo o primeiro nome da possível “agressora”. Os jornalistas não precisaram ir a fundo, não precisaram conferir as fontes, procurar e checar mais informações. Logo, os comentários de ódio contra os movimentos negros e seus integrantes começaram e não pararam mais. O tema da apropriação cultural foi banalizado e virou piada por parte de algumas pessoas (maioria branca).
Toda essa situação representa aquilo que nós já cansamos de dizer: a nossa voz não é escutada. Quantas denúncias feitas por negros e negras nas mesmas mídias sociais são silenciadas ou viram piadas? Isso quando elas conseguem o mínimo de atenção dos internautas. Quantos de nós somos constrangidos quando vamos fazer uma denúncia de racismo em delegacias por falta de tato e do racismo institucional presente na nossa sociedade?
Mesmo tendo provas, testemunhas, vídeos, fotos, nossas denúncias, na maioria das vezes são menosprezadas, caem no esquecimento, não são resolvidas e, em alguns casos, quando resolvidas, nos tornamos réus e não vítimas.
Toda essa polêmica serviu para mostrar que o privilégio branco é enorme e o grande escudo que protege o racismo. Bastou uma denúncia, sem uma simples prova ou testemunha sequer, para que houvesse repercussão.
Até hoje eu nunca participei de um encontro ou formação do movimento negro em que pessoas negras incentivassem outras a invadirem a privacidade de qualquer outra pessoa por estar usando algum símbolo da cultura negra, nunca ouvi outros relatos semelhantes, esse é o primeiro. Acredito que para mais negros e negras também seja.
Esse relato feito pela jovem moça ganhou tanto destaque porque se aproveitou da branquitude, além de utilizar estereótipos conhecidos, constantemente propagados e naturalizados no imaginário popular brasileiro. Tudo isso somado ao fato das mídias sociais estarem tomadas por uma onda fascista e conservadora que espera situações como essa para mostrar a sua verdadeira face.
Lendo o fato ocorrido nas entrelinhas, analisando os usos dos estereótipos, a história é simples:
Uma moça branca, inocente, solitária e fragilizada por conta de uma doença é atacada por uma negra raivosa, descontrolada, barraqueira, insensível (estereótipos racistas presentes no imaginário popular há séculos) que está acompanhada de mais mulheres negras (uma gangue, uma quadrilha, uma ameaça eminente, pois pretos reunidos vocês já sabem). É a receita certa para alimentar os racistas e fascistas que acham que tudo no mundo atualmente é “mimimi”.
Pronto. Está feito. Não precisam de provas, de nada. A voz da moça branca, inocente e frágil por si só já basta. Não adianta, negros e negras, tentar contrapor a denúncia, pedir esclarecimentos, mais detalhes do ocorrido, tentar explicar o que é apropriação cultural, explicar como o racismo afeta de fato as nossas vidas.
Nossas vozes não valem de nada. Nossas vidas não importam. Eles não querem nos escutar.
Dito isso, nós, negros e negras, aprendamos, de uma vez por todas uma lição: sair das mídias sociais e realizar a luta nas ruas, na política, na cultura, na economia. Em todos os campos. Eles não nos escutaram, nunca nos escutaram. É hora de nos reunirmos com quem de fato quer nos ouvir. É hora de agirmos diretamente para que os problemas gerados pelo racismo e pela desigualdade racial (desemprego, analfabetismo, pobreza, falta de investimentos para a saúde e educação, criminalidade, encarceramento, genocídio...) sejam resolvidos. A lista é grande. Não temos tempo para ficar sofrendo com comentários de quem não quer nos escutar e não respeita minimamente a nossa voz, as nossas pautas. Precisamos começar a agir de maneira eficaz, fora das mídias sociais, pois nós sabemos muito bem que o racismo nos mata física e psicologicamente. Não podemos nos desgastar psicologicamente em mídias sociais, pois precisamos nos defender fisicamente no nosso dia a dia.
Não podemos deixar nossos irmãos e irmãs morrerem enquanto nos desgastamos tentando responder quem não dá a mínima atenção para nós e nossos problemas.
Está na hora de colocar em prática uma outra estratégia. Sigamos.