quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Colombo erra ao querer militarizar a educação

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Uma das principais novidades advindas da reunião de Colombo com os empresários sobre a segurança pública, a criação de um colégio militar é um erro e não resolve os problemas da educação pública e da violência urbana. Pelo contrário, tende a piora-los.

Primeiro, é preciso relativizar que a educação militar educa melhor. Várias entidades atuantes na questão já mostraram que os colégios militares espalhados pelo Brasil não são totalmente públicos, apesar de serem sustentados pelo dinheiro público. No caso dos colégios de Florianópolis e Lages (modelos citados pelo governador), apenas 10% das vagas são abertas à comunidade, por sorteio (o restante é para os filhos dos policiais). Os diretores não são professores da rede pública, são militares.

A noção de “disciplina” presente nesse ideal camufla a falência do ensino público estadual, desvirtua o papel da polícia e abre mão da formação de sujeitos para formar cidadãos que obedecem ordens, tamanha a esterilidade social que a repressão estatal carrega nas fardas e condecorações. A tolerância, a divergência, a discussão e a livre manifestação passam longe dessas instituições rigidamente hierarquizadas.

Como se não bastasse, o alto custo de manutenção dos uniformes leva a uma elitização dos alunos, amplamente classificados como de classe média-alta nas demais unidades cedidas aos militares. Lembramos, também, que dependendo da unidade a ser escolhida para abrigar a nova metodologia, muitos alunos carentes podem ser forçados a buscar outra escola, distante do local de moradia, pois fazem parte dos 90% excluídos. Ou, ainda, entregar uma das melhores escolas da cidade para à militarização (é o que vai acontecer com Joinville, por exemplo).


Precisamos criar uma escola baseada em diálogo constante entre alunos, professores e gestores, construindo coletivamente um espaço de futuros adultos em cidades menos desiguais e mais inclusivas. O que falta em Joinville é diversidade na educação, e não militarização. Se, porventura, esse anúncio serviu como medida de combate à violência, esquece-se que a educação precisa desativar a ordem que exila o jovem nas periferias, ao invés de fomentar os valores bélicos. A mesma mão que mata os jovens, negros e pobres não pode ser aquela que os educa; nem aquela que mostra isso como natural para as próximas gerações.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Onkel responde.


Quem usa crianças em propaganda política pode dizer que tem as mãos limpas?

















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Tinha prometido não escrever mais sobre a candidatura de Udo Dohler. Mas é difícil. Fui surpreendido (acho que fomos todos) por um filme em que o candidato aparece rodeado de crianças, a fazer o papel de avozinho carinhoso, atencioso e preocupado com o futuro. Eis um tema que deveria incomodar as tais pessoas de bem. Há muito a dizer sobre a presença de crianças em propaganda – ainda mais propaganda política. E salientaria três pontos que parecem saltar aos olhos: o legal, o publicitário e o ético. 

Quanto ao aspecto legal, não sou jurista e posso errar. No entanto, sei que o uso de crianças em propaganda política – e não só – é proibido nas democracias desenvolvidas. Na Europa ocidental, por exemplo, nem pensar. O Brasil até tem regulamentação, mas com pouca aplicação prática. As muitas zonas cinzentas nas leis e o atraso cultural do país abrem caminho para políticos menos escrupulosos, que não respeitam o óbvio: as crianças são incapazes de compreender o contexto e não podem ser instrumentalizadas na política.

No entanto, mesmo o cidadão comum pode encontrar argumentos nas leis, a começar pela própria Constituição Brasileira, que define trabalho infantil como as tarefas realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 anos. E mais: o artigo 242 do Código Eleitoral diz que a propaganda não deve “empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”. Alguém tem dúvidas de que esse é o caso no filme do candidato? Mas deixemos as leis para os juristas.

Não é preciso um expert em comunicação para saber que a função das crianças no filme de Udo Dohler é comover e trazer simpatia (criar os tais “estados mentais, emocionais ou passionais” da lei). É coisa de marqueteiro. Em termos técnicos, as crianças servem como “marcador somático”. O quê? É uma teoria desenvolvida pelo neurocientista António Damásio, professor da Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA, depois integrada nas técnicas de publicidade (em especial o neuromarketing).

Da forma mais simples possível: os marcadores – armazenados no cérebro – fazem a associação a estímulos anteriores. É por isso que imagens de bebês, filhotes de cães ou gatinhos, por exemplo, fazem tanto sucesso na internet. A maioria das pessoas associa essas imagens a coisas agradáveis. É o mesmo com as crianças. O candidato tira proveito da associação às boas sensações que as imagens de crianças causam nos eleitores. Mas não passa de simples truques dos marqueteiros.

E por fim temos o aspecto que parece ser o mais relevante: a questão ética. Se Udo Dohler não vê impedimentos éticos em se servir de crianças para ganhar eleições, então está o caldo entornado. Quem usa crianças para se beneficiar politicamente não pode, em hipótese alguma, dizer que tem as mãos limpas. Porque não tem. O candidato pode contar com a falta de informação dos eleitores. Mas como homem público não pode negligenciar uma questão que é motivo de preocupação no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente. O assunto é sério.

Ademais, há muitas perguntas a fazer. E fico a imaginar a dificuldade dos assessores para explicar. As crianças receberam? É trabalho infantil. As crianças não receberam? É exploração infantil. Os pais permitiram? Um político não pode fazer vistas grossas para a irresponsabilidade paternal. E, por fim, a pergunta de um milhão de dólares. De onde vêm as crianças? De uma agência de atores e figurantes? Se for esse o caso, a responsabilidade trabalhista seria da agência. Mas, mesmo assim, o monstrinho da falta de ética ainda estaria a repousar no colo de Udo Dohler.

Legalidade. Publicidade. Ética. Para alguns pode parecer apenas um filme de campanha política. Mas para outros - e espero que a maioria - vai parecer um caso de uso indevido da imagem de crianças. Enfim, é uma ideia infeliz.


É a dança da chuva.



segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Kenhé?


Fortuna e virtú maquiaveliana



POR JORDI CASTAN


Estamos às portas de uma eleição. Faltam poucos dias para votar no próximo prefeito e decidir o futuro de Joinville para os próximos quatro anos. Uma boa oportunidade para avaliar o quanto do futuro será resultado da “fortuna”, da sorte, do acaso e quanto será o resultado da “virtú”, da competência, da capacidade. Os termos maquiavelianos fazem referência àquilo que depende da sorte e ao que é o resultado do nosso esforço e do nosso trabalho.

A maior parte do que somos hoje como cidade é resultado da fortuna, da omissão, da mediocridade, de esperar e acreditar na, sempre volúvel, sorte. O crescimento aqui acaba sendo o resultado do acaso, muito mais que do planejamento e dos riscos assumidos. O poder público sempre tem estado um ou dois passos atrás da sociedade.

Joinville é hoje o resultado de anos de “deixar correr solto”, de “não fazer”. Em outras palavras, o velho “laisser faire, laisser passer” do século 19 impera solto. Como os três macaquinhos, não ver, não ouvir e não falar. Representam hoje a nossa forma de administrar. E não só na administração pública, mas também em muitas das nossas entidades mais representativas. O que tem se convertido, numa característica da nossa forma de ser.

Evidentemente se a fortuna nos é propícia, e nenhum desastre maior acontece, o resultado do esforço de uma comunidade operosa e empreendedora como a nossa, acaba aparecendo e a sociedade avança. Com menos velocidade do que merece, mas avança em um ritmo tão lento que as nossas ações são corretivas sempre, uma vez que somos incapazes de nos antecipar aos acontecimentos. Não existe uma visão consolidada de como poderá ser a Joinville do amanhã e, sem que possamos trabalhar pelo que não conseguimos prever, seremos o resultado da fortuna ou do azar. "Avançamos" é uma figura de linguagem, aos poucos e de forma errática.

Imaginei, por um átimo, por um simples instante, o que poderia ser desta Joinville, se ao abrir as urnas, os eleitores tivessem escolhido votar na "virtú" em lugar de escolher de novo a "fortuna". "Virtú" entendida como o voto na inovação, no esforço, na ação, no talento. Se Joinville optasse por acreditar no ímpeto e na capacidade de renovação. Os mesmos que historicamente foram os esteios primordiais desta cidade que amamos. Se a "Virtú" voltasse a ser o nosso impulso maior, a nossa força motriz, a nossa vocação em lugar de seguir acreditando na sorte.

sábado, 17 de setembro de 2016

O melhor curso de Powerpoint do mundo

















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O tema Powerpoint está na ordem do dia. Muita gente tem falado, mas poucos sabem como fazer uma boa apresentação. É uma janela de oportunidade que me levou a criar um curso para faturar uns troquinhos. A intenção é elaborar um programa convincente e bem estruturado e por isso fiz um benchmarking para descobrir o que há de melhor no Brasil. E eis que surge o Curso Powerpoint MPF, imaginado para superar todas as suas expectativas. 

Eis o programa que imaginei:


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Quebrou barreiras








POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Quando o Blog Chuva Ácida foi criado, não imaginava que ele teria um poder tão grande para quebrar barreiras. Até 2011, poucos se aventuravam em debater ou emitir informações pela internet. As mídias tradicionais ainda dominavam a veiculação das notícias, dos debates e, principalmente, das opiniões.

O que nosso blog fez, a meu ver, foi uma democratização da opinião, fugindo da imprensa marrom ou das tradicionais bocas alugadas que ainda persistem e ocupam poderosos espaços no rádio, na TV e no jornal. Ouso dizer que ditou um novo modelo, tanto é que o investimento em internet aumentou por aqueles que viram (no Chuva Ácida) uma ameaça.


Assim, em 5 anos, muito foi discutido por aqui, e pouco passou pela tangente. Nossos blogueiros cumpriram um papel fundamental de denúncia, desconstrução ou relativização daquilo que é visível às margens do Rio Cachoeira.

Qual canalha você vai ajudar a eleger?

POR FELIPE SILVEIRA

Faltam apenas duas semanas para a eleição municipal e parece que a campanha mal começou para uma boa parte da população. Parte disso é culpa da contrarreforma promovida por Eduardo Cunha, que reduziu muito a discussão política. Mas também é culpa da TV, que demoniza a política, e nossa, que aceitamos essa demonização. Isso apenas beneficia aqueles que se valem da não-política para ganhar votos. Aqueles que se valem de demagogia são os maiores beneficiados da falta de discussão, como pastores verborrágicos e apresentadores de rádio e TV que se valem da fama.

Nos Estados Unidos, curiosamente, a campanha eleitoral começa muito antes da eleição, como todos nós pudemos acompanhar nas convenções Democrata e Republicana. Nelas, os pré-candidatos debateram, confrontaram ideias e escolheram os melhores entre os seus. Ops. Quer dizer, escolheram um dos seus, porque não há dúvidas que Trump representa o que há de mais podre na sociedade. Mas a discussão foi feita.

Aqui demonizamos esta discussão e ajudamos a eleger canalhas que desviam dinheiro que seria da compra de ambulâncias, empresários que mal conseguem falar em debates e governam para associações empresariais, gente que defende a violência e a ditadura, vereadores que compram votos, que se valem de concessões públicas comunitárias para ganhar dinheiro e poder e até, pasmem, deputados que já foram condenados à prisão pelo STF, mas que não estão em regime fechado porque o crime havia preescrito.

O que me surpreende é que pessoas, mesmo aqueles que geralmente são bem informadas sobre vários assuntos, desconhecem a regra eleitoral. As pessoas não sabem que seus votos vão para a soma total da coligação, elegendo os primeiros colocados. Assim, elas votam naquele amigão que só vai fazer 300 votos, mas que no fim ajudam a eleger o político canalha que já está há sete mandatos roubando ou desperdiçando dinheiro público.

O problema é que esse esquema todo afasta a população da política, que até vota em pessoas diferentes visando a renovação, mas, por não saber como funciona o processo, acaba reproduzindo o mesmo de sempre.

Porém, não existe alternativa que não seja política. Ou nos envolvemos e disputamos o rumo da sociedade ou deixamos na mão de quem só vai nos levar para o abismo. Por isso, não adianta ficar quatro anos batendo boca no facebook para chegar na hora da eleição e simplemente se esconder. Chegou a hora de decidir. Escolha um bom candidato, veja quem ele vai ajudar a eleger e vá para a rua convencer alguém.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

"Que blog legal!"








POR FILIPE FERRARI


“Porra, que blog legal”. Eu, um curitibano perdido em terras joinvilenses achava isso do Chuva, pois oferecia uma visão diferenciada da grande mídia.

“Olha, quem será que escreve? Ah, esse eu conheço, esse não. Poxa, os caras são bons. Esse viajou. Ah meu Deus, o que será que o Tebaldi vai fazer? Cara, estão malhando o prefeito. Eu acho que esses caras curtem o PT. Pô, pegaram pesado com o Carlito. Ah, mas precisava. E essa zueira com o Udo?”

O Chuva Ácida sempre me pareceu literalmente um oásis, com informações e análises sobre uma Joinville que me acolheu. Vi amigos que escreveram e ainda escrevem, concordei, discordei, mas, de uma forma ou outra, me via participante (e nunca comentei como anônimo!).

Hoje, percebo que a seletividade para escritores não é o forte da casa, até porque eu estou aqui, rá! Pra mim, é um excelente exercício de escrita, de exposição de ideias, de estar jogado aos leões. Faz pouco tempo que escrevo, mas cada vez que me ponho a pensar, é um desafio. Nos relatos de outros colegas aqui do blog, vi que minhas dificuldades e impressões sobre esse exercício da escrita não são exclusividades.

É com prazer que quinzenalmente eu posto algo neste espaço. Como disse o caríssimo Felipe Silveira: “que venham mais cinco”!

E Lula foi, enfim, denunciado


POR CLÓVIS GRUNER

Um dos melhores comentários sobre a entrevista coletiva de ontem (14), em que o Ministério Público apresentou o teor das denúncias contra o ex-presidente Lula, e mais especificamente sobre o desempenho do procurador da República Deltan Dallagnol, veio do Facebook: “o cara anunciou os Rolling Stones e apresentou um Engenheiros do Hawaii”. Entre um discurso repleto de palavras e frases de efeito, em que se destaca o neologismo “propinocracia”, o procurador afirmou, aparentemente sem deixar margem para dúvidas, que Lula é o “comandante supremo”, “fundador” e “maestro” de uma “governabilidade corrompida”. 

O discurso de Dallagnol é, evidentemente, político, e seja na entrevista ou na denúncia apresentada pelo MPF, aquelas afirmações simplesmente não se sustentam – em linhas gerais, as 149  páginas da denúncia reiteram o que foi dito aos jornalistas durante a coletiva. De mais objetivo, há evidências para comprometer Lula como beneficiário das reformas no já famoso apartamento tríplex do Guarujá o que, do ponto de vista tanto jurídico como ético, deveria ser suficiente para os procuradores.

Obviamente não é o caso, e na ausência de provas abundam convicções. Não faltarão aqueles dispostos a acreditar nelas, convictos igualmente de que elas bastam para atestar a culpa de Lula. Mas não me parece tão simples. Primeiro porque, como resumiu o professor Pablo Ortellado, “não é verossímil que um esquema de corrupção da magnitude daquele apontado pela Lava Jato tenha como mentor e líder alguém cujo benefício sejam reformas num sítio e num apartamento. Não faz sentido roubar o equivalente ao PIB do Uruguai e a cota do chefe ser uns pedalinhos para os netos”. 

A essas alturas já é óbvio para muitos que os roubos bilionários na Petrobras são absurdamente escandalosos. Mas se o MPF pretende realmente implicar Lula como o principal beneficiário do esquema criminoso, deve ser capaz de apresentar mais que ilações ou, para voltar ao termo que desde ontem viralizou, “convicções”. Ele necessita de provas. Se não as possui, precisa se contentar em dar às coisas o tamanho que elas tem, para que se puna os responsáveis de forma coerente. A performance dos procuradores não oferece isso, e mesmo se fosse o caso de defende-la alegando tratar-se, os exageros, de “peça retórica”, a assimetria entre o discurso retórico e a peça jurídica é simplesmente gritante. 

Assimetria observada pelo insuspeito Reinaldo Azevedo, que há anos torce e se esforça para ver Lula na cadeia. Na sua coluna de ontem, o blogueiro da Veja reclamava que “a denúncia de Dallagnol serve para inflamar a opinião pública, mas constrange, na mesma medida, os meios jurídicos”. E o que provavelmente perturbará as noites de sono do colunista não é apenas a perspectiva de, ante uma peça tão frágil, Lula permanecer solto ou cumprir uma pena leve caso condenado pelo recebimento dos “mimos” da OAS. É que, em meio a uma verdadeira guerra de narrativas em curso no país, a denúncia contra Lula pode servir para reforçar, entre seus defensores, a tese de que o único objetivo da Lava Jato, a razão primeira de sua existência, é a criminalização e a destruição do PT e, consequentemente, das chances eleitorais de Lula em 2018. 

O espetáculo não pode parar – A depender da leitura que se faça dos eventos de ontem, as evidências disso podem ser ainda mais claras do que aquelas que ligam Lula ao tríplex do Guarujá. Até agora nada foi feito, por exemplo, em relação às gravações telefônicas entre Romero Jucá e Sérgio Machado, vazadas em maio. Corroboram a versão de que o impeachment foi orquestrado para prejudicar a Lava Jato a demissão, por telefone, do Advogado Geral da União, Fábio Medina Osório, que acusou o governo Temer de tentar obstruir as investigações que envolvam aliados. Sobre ambos os eventos reina um incômodo silêncio do Ministério Público, que sequer se pronunciou a respeito, o que poderia e deveria ter feito. 

Igualmente, provoca desconforto que a denúncia contra Lula use e abuse das delações premiadas como evidência de culpa, ignorando que essas mesmas delações implicam figuras graúdas do atual governo e de sua base aliada, que seguem sem serem perturbadas. A mesma tranquilidade de que parece gozar Michel Temer à medida que as possibilidades da cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE se apresentam cada vez mais distantes. No governo, avalia-se que a denúncia contra Lula pode ter impacto, além de eleitoral, também nas ruas, fazendo recuar as manifestações pelo “Fora Temer”. Mas isso pode ser um engano.

Poucos negarão que a postura do MP, sua obsessão em transformar Lula em um capo, independente do que as provas – ou a ausência delas – dizem ou permitem dizer, reafirma a imagem de um líder criminoso que tem sido fartamente utilizada pelo anti-petismo. Mas ela igualmente dá ao PT e seus defensores um mártir. Lula sobreviveu ao Mensalão em parte recorrendo a sua habilidade em acionar afetos mais que a razão, a adesão imediata e entusiasmada, porque afetiva principalmente. Não tenho dúvidas que ele fará o mesmo, e a defesa apaixonada de sua imagem desde ontem, principalmente nas redes sociais, aponta justamente para isso. Vítimas ele e o PT, ambos se eximem, novamente, de reconhecer seus erros e assumir suas respectivas cotas de responsabilidade pela crise política. 

Líder supremo da “República de Curitiba”, Sérgio Moro é também um estudioso e profundo conhecer da Mãos Limpas, sobre a qual escreveu e publicou um artigo em 2004, “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Ler o acadêmico Moro é reconhecer, em cada linha, os passos e estratégias do juiz Moro, porque parte de sua conduta à frente da Lava Jato reproduz, ou tenta, as estratégias adotadas pelos magistrados italianos, entre elas o uso das delações premiadas e a crença de que a “opinião pública”, na impossibilidade de prevalecer a lei, poderia lhe servir como um substituto, ainda que simbólico.

Mas as virtudes da Mãos Limpas contribuíram também para sua fragilização. Acusada, entre outras coisas, de produzir um espetáculo midiático de resultados efetivos aquém do esperado, ela sucumbiu em parte porque perdeu o apoio da sociedade italiana, inicialmente uma entusiasta da operação. Muito próximos a Moro, com quem trabalham em um regime de franca e aberta cooperação, os procuradores da República precisam lembrar disso sempre que pretenderem protagonizar espetáculos midiáticos de consistência e resultados jurídicos duvidosos. Sob o risco de verem a Lava Jato reduzida a uma operação com potencial para inflamar ainda mais o país, mas desacreditada em sua capacidade de, efetivamente, desafiar a corrupção e seus agentes.