quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Branco, não queira sofrer com o racismo


POR FELIPE CARDOSO

De tão debatido, atualmente, alguns pontos das lutas contra as opressões têm sido deturpadas. Na questão racial, um dos assuntos que continua predominando, como forma de autodefesa da população branca, que se nega a falar seriamente sobre racismo, é o tal do “racismo reverso”.

Já falei aqui a minha opinião sobre o tema, mas parece que quanto mais se debate, menos nos fazemos entender. Por ser analisado superficialmente por algumas pessoas, o racismo até parece soar como algo positivo, simples e normal. E não é.

O racismo tortura, encarcera e mata física e psicologicamente. A invisibilidade, o escárnio, a omissão e o esquecimento criam sentimentos horríveis que podem levar uma vida inteira para ser tratado e curado. Sentimentos como a incapacidade e inferioridade geram traumas, depressão, falta de perspectiva e mais um monte de malefícios que já foram estudados e divulgados.

O Brasil, sendo a última nação da América a abolir oficialmente a escravidão, demonstra um cenário onde a população negra, mesmo representando a maioria da população, vive situações históricas de miséria e violência. Deixando evidente que as questões sociais estão interligadas a questões raciais, em que a sua cor também acaba por definir a sua classe.

O racismo institucional e estrutural mostra toda a sua perversidade nos gráficos e nas pesquisas sobre a população brasileira. Os negros e negras estão entre as maiores taxas de desnutrição, analfabetismo, sistema prisional, internações psiquiátricas manicomiais, unidades socioeducativas e nos homicídios. Ao mesmo tempo, negros e negras são minorias nos grandes cargos de empresas, nas universidades, na política, nas novelas, na publicidade.

Assunto debatido sempre aqui. Inclusive com dados e referências. Mas quem se importa?

Quem se importa que a saúde da população negra é negligenciada? Quem se importa com o fato de uma mulher negra grávida ter que esperar mais tempo para ter o filho (em muitos casos sem anestesia) do que uma mulher branca, por conta do estereótipo da força física negra?

Quem se importa que negros e negras recebam menores salários? Que a violência atinja, com maior intensidade os jovens, as mulheres e LGBTs negros?

Quem gostaria de ter a sua voz silenciada, ser sempre acusado de vitimista, preguiçoso, cotista? Quem gostaria de ter sua crença demonizada? Quem gostaria de ter seus traços, corpo e cabelo ridicularizados?

Por que alguém em sã consciência gostaria de passar por tudo isso? Você realmente acha que isso aqui relatado é legal?

O Brasil não vai conseguir resolver os seus problemas sem antes resolver os problemas raciais. Negar isso, sendo de esquerda ou de direita, é apenas tentar esconder a sujeira debaixo do tapete.

A questão aqui não é uma disputa de quem sofre mais. A questão principal é acabar com o sofrimento.

A nossa luta não se enquadra contra pessoas, mas sim contra uma ideologia. A nossa luta não é contra brancos, a nossa luta é antirracista e anticolonialista, contra todo o processo de dominação, abuso, silenciamento e violência.

Se você quer fazer algo de útil para o mundo, contribua com a luta para acabar com o racismo e não tentando sofrer com algo tão perverso e prejudicial.

Na moral, branco, não queira sofrer de racismo. Isso não é nem um pouco legal.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Socorro!


Sobre as fantasias carnavalescas e a realidade que nos cerca

POR PATRICIA STAHL GAGLIOTI 

O Carnaval não é recente, nem sequer é festa surgida em terras brasileiras, tampouco é nossa contemporânea de nascimento. Algumas histórias dizem que a festa começou lá por volta de 500 a.C., na Grécia, como homenagem a Dionísio (deus da cultura grega, característico por ser brincalhão, debochado e irreverente).

A única intenção da festa era se divertir, comemorar a chegada da primavera e do tempo de fertilidade da terra, naquela sociedade agrária. Já era característico, naquela época, a teatralização do evento. Mulheres e homens se pintavam e usavam roupas que não eram as mesmas de seus cotidianos.

Em uma espécie de fuga dos papeis sociais que desempenhavam, homens pobres, por exemplo, se caracterizavam como reis e mulheres posavam como damas. Era um momento em que aproveitavam para fazer críticas à classe dominante, ao poder, valendo-se dos rostos encobertos e das fantasias.

Das mudanças que a festividade já sofreu, dependendo do local e época em que é realizada, a fantasia foi característica que não se perdeu. Pode ser na rua, em salões, em festas privativas, seja apenas com máscaras, pequenos adereços, fantasias completas, luxuosas ou simples, transformar-se é típico do Carnaval.

Mas, com que tipo de fantasia você foi? Quem você quis ser neste carnaval que passou? O homem que se transformou na mulher de seios fartos e bunda grande, num vestido justo; a “mulata” com cabelo black power; o desdentado; a faxineira nordestina que conjuga errado seus verbos; o homossexual performático?

A máxima de “vale tudo” é ideia que deve permanecer na música de Tim Maia, porque definitivamente não, não vale tudo. Tudo pode parecer inocente e sem intenções pejorativas quando visto como parte desse momento de festividade, em que as pessoas estão “brincando” o Carnaval. No entanto, a festa não está deslocada da realidade em que vivemos, um cenário repleto de machismo, racismo e LGBTfobia, que permanece e se reforça nas “brincadeiras” destes dias de festa.

O Carnaval traz consigo a noção de liberdade, de transformação, de ridicularização de si mesmo, em que todos os outros dias do ano não lhe permitem ser. A ideia é ser caricato e rir das fantasias e diferentes formas de representação adotadas. Então, o que se conclui é que se travestir é ridículo (não que ser uma travesti se restrinja a vestir uma vestimenta feminina, muito longe disso, mas homens vestirem-se como mulheres é a expressão debochada dessa identidade). Ter a pele preta e o cabelo avolumado é ridículo. Não ter dentes na boca é ridículo. Ser gay, igualmente ridículo.

Durante esse momentos, caro folião(ã), você não está se propondo apenas ser diferente, você está sugerindo que aquilo que veste é estranho, é anormal, é ridículo. Porque afinal, essa é a ideia de se fantasiar no Carnaval.

O problema é que a permissividade que é dada a você para ser a mulher negra, o desdentado, a nordestina, a travesti na semana de folia não se traduz em brincadeira nos outros dias do ano a quem realmente é.

A mulher que você brinca de ser no Carnaval vive numa realidade nada promissora a ela. Apenas nos dez primeiros meses de 2015, o 180 recebeu 63.090 relatos de violência, dos quais 49,82% correspondiam à violência física; 30,40% à violência psicológica; 7,33% à violência moral; 4,87% à cárcere privado; 4,86% à violência sexual; 2,19% à violência patrimonial e 0,53% a tráfico de pessoas. Os dados são do relatório de 10 anos da Central de Atendimento à Mulher (180) e correspondem apenas às denúncias feitas. Imagine você quantos inúmeros outros casos não acontecem à escura, folião.

Sabe a “mulata” black power divertida? A situação para ela é muito pior que para a mulher branca. Dos 63.090 relatos de violência, 58,55% foram cometidos contra mulheres negras. Segundo o Mapa da Violência Contra a Mulher, divulgado no ano passado, tendo como base dados de 2013, revelam que o homicídio de mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576 em 2013. Uma diminuição de 9,8%. O homicídio de mulheres negras, por sua vez, passou de 1.864 para 2.875, no mesmo período. 54,2% de aumento, folião. Não parece engraçado ser negra no Brasil, não é mesmo?

Além dessas estatísticas, outros números se somam à triste realidade, nada festiva, do país. O Brasil é o pais que mais mata travestis e transexuais no mundo. Segundo pesquisa da ONG Transgender Europe (TGEU), uma rede europeia de organizações que apoiam direitos da população transgênero, de janeiro de 2008 a março de 2014, foram registradas 604 mortes de transgêneros no país.

Dados do relatório sobre violência homofóbica no Brasil, elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos, em 2012, apontou 3.084 denúncias de violações relacionadas à população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros) pelo Disque 100. O que isso significa? Por dia, eram denunciadas 27,34 violações de caráter homofóbico.
Há quem ache que o mundo está “politicamente correto” demais, exagerado demais. Há quem ache que tudo virou preconceito e que não se pode nem mais rir da “bichosa” de sunga dourada desfilando pela avenida. Não virou preconceito, sempre foi. Há muitos que pensam que mulheres, gays, transexuais se vitimizam. Eles não se vitimizam, são vítimas.

Ser vítima não é apenas sofrer agressão física ou ser morto(a). Ser vítima é ser olhado(a) como o ser estranho, anormal, inferior dentro do conjunto de pessoas do qual você faz parte. É ser questionado(a) pelo seu modo de ser, como outros não são. É ter que policiar a fala, a maneira como anda, a roupa que veste, os gestos públicos (principalmente os de afeto) para que não seja insultado(a).

De acordo com o relatório sobre violência homofóbica, mencionado acima, as violências psicológicas foram as mais reportadas, representando 83,2% do total de denúncias em 2012, seguidas de discriminação (74,01%) e violências físicas (32,68%).

CARNAVAL DE JOINVILLE - Deixemos os números um pouco de lado e falemos de experiências. Neste ano, mais uma vez desfilei no carnaval de Joinville. Atrás da ala das baianas, na qual estava, desfilava um dos destaques da escola. Um jovem de pouco mais de 20 anos, vestido numa sunga dourada e com um adereço nas costas. No percurso pela rua até o ponto de concentração e durante o tempo em que esperávamos para entrarmos oficialmente na avenida, pude ouvir algumas “brincadeirinhas” (era carnaval, afinal) com relação ao moço.

A questão é que não são brincadeirinhas, são constrangimentos, ofensas, são violações. Há quem adore as “bichas”, pois são divertidíssimas, ótimas para se dar risada, durante o carnaval apenas, é claro.

Neste carnaval, um amigo meu foi para a rua vestido de mulher, segundo ele por pressão das pessoas que o acompanhavam, pois em sua concepção considerava a “brincadeira” desrespeitosa, machista, transfóbica, como de fato é. A questão é que ele foi. E se arrependeu. Menos mal.

Segundo seu próprio relato, estar vestido como uma mulher, apenas por algumas horas de festa, parece ter dado direito aos outros de lhe passarem a mão na bunda, de lhe encoxarem, de buzinarem para ele. “Ah! Mas isso era para zoar, para entrar no clima da festa”. Não, não é não. Quem vos escreve é uma mulher. E mulher passa por isso sempre, até quando o clima é de velório. Pessoas trans passam por isso sempre.

Há dois anos, passava o carnaval em São Francisco do Sul, com uma amiga. Estávamos sozinhas, à noite, sentadas num banco em frente ao mar, um pouco antes do local em que havia a grande concentração de pessoas com os sons dos carros ligados, dançando. Um carro parou atrás de nós, desceram alguns sujeitos com suas bebidas, dando risada, até que um falou para o outro: “Olha só, cara, tem mulher ali!”. Tem mulher ali é o mesmo que dizer: Há um banheiro ali. Há uma boneca inflável ali. Há um depósito dos meus desejos sexuais ali. Foi como me senti.

Outro dia, em turma, outro carro passou e uma cabeça colocada para fora do carro questionou bradando: “Vocês transam?”. Não me lembro se fiz algum tipo de gesto, mas minha vontade foi de gritar: “Não com animais”. Isso era carnaval. Mas teve aquele dia que ia trabalhar e fui encarada, aquele outro em que o carro buzinou, a outra ocasião em berraram sobre meu corpo, a outra, a outra e a outra.

O feminino parece ser sinônimo de ser público, um corpo público. A carne à mostra ou o corpo transformado (todo o corpo é, mas me refiro especialmente ao corpo transexual) parece serem pratos do jantar. Querem ainda me fazer pensar que é normal? Querem me fazer crer que é brincadeira certas fantasias de carnaval ou alguma espécie de elogio tirar foto da bunda de uma mulher e dizer que esse era o motivo de as pessoas terem demorado para sair de um espaço de lazer na cidade?

Ora, ora, caro folião, o carnaval é festa, mas a vida é séria demais para seus modos e suas fantasias trouxas.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O escândalo FHC? Não vem ao caso...
















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

As declarações da jornalista Mirian Dutra, que teve um romance com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foram o tema quente da semana passada. Mas apesar de aparecer aqui e acolá, o assunto esteve longe de ser manchete na velha mídia. A Globo, que estava diretamente implicada, não podia silenciar e abordou os fatos, claro. Mas sem fazer barulho. O tema passou batido para a maioria das pessoas que se informam pelos meios de comunicação tradicionais.

Foi diferente nas plataformas digitais, onde o caso Miriam Dutra-FHC ainda está na ordem do dia. Mais do que isso, o episódio levou à divulgação de fatos que estão a pôr FHC numa saia justa. A credibilidade do ex-presidente está  abalada, apesar de não haver grandes revelações: a maioria das denúncias é antiga, mas sem consequências. Será que desta vez vai haver resultados diferentes? É provável que não. Os tucanos estão blindadíssimos pela mídia e pela Justiça, mesmo com todas as evidências.

Não é da vida amorosa do ex-presidente que se pretende falar. As entrevistas de Mirian Dutra trazem uma declaração que exige muita atenção, porque revela a face do jornalismo na velha mídia. “Só olhar para o que aconteceu no segundo governo: as privatizações mais selvagens. Não podia dar errado, a Mirian não podia atrapalhar os grandes negócios. Está na hora de quebrar a blindagem desse pessoal. Mas onde estão os jornalistas, que não investigam?”, disse Mirian Dutra.

Onde estão os jornalistas? Ora, no que se relaciona ao núcleo duro da velha imprensa (os títulos que orientam o brasileiro médio) estão todos ocupados na caça ao ex-presidente Lula, que virou alvo depois da tentativa fracassada (agora reacesa) do impeachment de Dilma Rousseff. Em outro caminho, sobra a mídia alternativa, em especial o pessoal dos blogs nacionais, que, apesar das limitações financeiras, tenta fazer o contraditório. Mas as armas são desiguais. A velha imprensa ainda tem um poder econômico que a mídia alternativa sequer sonha ter.


Silêncios, omissões ou informações contaminadas são o resultado da postura de uma mídia que optou por fazer oposição partidária. E as recentes revelações sobre FHC expõem a relação incestuosa entre o tucanato e a mídia. O tema não vem ao caso. E a guerra midiática é desigual e a mídia tradicional está a vencer. Até quando? Não há certezas. Mas pelo menos uma previsão pode ser feita: o jogo vai virar. Porque apesar de haver muita gente a empurrar o Brasil para trás, a tendência é o digital.

E surgiu um fenômeno curioso. Foi divulgado, na semana passada, que o Partido dos Trabalhadores é o que mais atrai militantes jovens. E dá de goleada na oposição. Uma evidência salta à vista. Os jovens não se educam pela velha mídia e a informação vem pelas redes digitais, onde existe o contraditório. É natural, então, que percebam o massacre midiático dos últimos anos e, talvez por um desejo de equidade, optem por se ligar ao partido que é alvo desse ataque.

É a dança da chuva.




 A opinião de Bob Fernandes, numa visão similar à do texto, mas a falar da Justiça.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Vereador não é profissão. E dinheiro não nasce em árvores...


POR JORDI CASTAN

Novamente os vereadores fazem a farra com o nosso dinheiro. Comportam-se como um bando de adolescentes irresponsáveis que festam com o dinheiro dos pais. Já não há paciência para essa total falta de respeito com o dinheiro público. Essa história do aluguel dos carros da Câmara, por exemplo, já cansou. Ainda bem que há cada vez mais vereadores que renunciam a esta mordomia. É um alento que cinco vereadores não utilizem o carro alugado. Cinco são poucos, muito poucos, mas mostram que ainda resta um mínimo de vergonha entre os legisladores.

Pior é ver esse bando que tem feito da política a sua profissão, que vivem exclusivamente da sua atividade politica. Gente que não ganharia nunca, no mercado de trabalho, o que ganha como vereador. Sem contar todas as outras benesses e vantagens de que usufrui por conta do seu cargo. Há os que ainda acham pouco e cobram caixinha dos seus assessores, para aumentar ainda mais os seus ganhos. A situação há tempo que escapou do controle e, se não fosse por um recente TAC (Termo de Ajuste de Conduta), entre o nosso legislativo e o MPSC, o quadro atual seria ainda mais dramático.

A Câmara de Vereadores recebe uma parcela excessiva do orçamento municipal. E como sobra dinheiro, acaba sendo esbanjado com despesas desnecessárias, excessivas ou injustificáveis. E com a justificativa que há orçamento seguem gastando como se o dinheiro nascesse em árvores. A peroba resiste a tudo e a cada ano, amparados pelo discurso de boa gestão (essa é uma palavra que ultimamente me produz alergia, cada vez que a escuto) da economicidade, da moderação e lisura no trato da coisa pública, devolvem alguns milhões que não conseguiram gastar, apesar de todos os esforços feitos para tal fim. 

Não nos enganemos. O dinheiro que a Câmara devolve não é dinheiro economizado. É dinheiro que não conseguiram gastar. Nem com todas as viagens, diárias, reformas, obras e mais criativas invencionices, os vereadores conseguem gastar a fortuna nababesca a que o Legislativo tem direito, de acordo com a LOM (Leio Orgânica do Município). E todos os anos o presidente da Câmara se dirige aos joinvilenses, posando de bom administrador e a devolver uma parcela de dinheiro que não conseguiu gastar.

Está na hora de tirar a cangalha e começar uma mobilização contra todos esses abusos. Nas redes sociais, um grupo de cidadãos se propõe a promover os hashtag:



#semcarroalugado
#vereadorandadeonibus






Ainda não escolheu seu candidato? Aqui vão algumas dicas:
  • Usa carro alugado? Eu não voto. Vai de ônibus.
  • Mais de dois mandatos? Eu não voto. Quero renovação.
  • Tem plano de saúde pago com o meu dinheiro? Eu não voto. Que use o SUS.
  • Viaja para cursos de atualização a cidades turísticas? Tampouco ganha o meu voto.
  • Pula de galho em galho? Motivo a mais para não votar. Ficou fácil
Está mais que na hora de renovar essa Câmara. Vereador não é profissão. E seria interessante ver quantos ganhariam esse salário no mercado de trabalho.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Marisa decide: pão na mesa ou saúde?

POR ARIADNA STRALIOTTO AMARAL*

Na correria, com a agenda sempre cheia, imersos em nosso universo particular, nos distraímos facilmente. Na maior parte do dia, o nosso status é "ocupado". É fácil vacilar e se desconectar do mundo que nos rodeia. O egoísmo e esse olhar desatento são compreensíveis até certo ponto. A vida do brasileiro nunca foi fácil. Mas tivemos, sim, um tempo de respiro. Agora, o ar está rarefeito novamente e muitos não têm mais fôlego. A crise é sintomática.

No ônibus, de volta para casa, depois de um dia intenso de trabalho, Marisa conversa com a amiga, faz as contas e infere que gastaria R$ 200,00 com plano de saúde para ela e para a filha. Como coração de mãe pulsa com um amor maior, ela até se privaria do plano, se possível, e pagaria apenas para sua pequena. Mas não funciona assim. São duas alternativas: ela garante o plano para as duas ou recorre ao SUS quando precisar. Neste momento, a segunda alternativa é a mais viável.

A opção é essa porque as contas do orçamento doméstico de Marisa não fecham. Mãe solteira, ela trabalha de segunda a sábado para oferecer o melhor a pequena Beatriz. No fim do mês, sempre longo demais, ela recebe R$ 1000,00 de remuneração. Com o desconto do plano de saúde e dos demais encargos, seu salário seria resumido a menos de R$ 800,00. Nem precisar dizer que é insuficiente para quitar as despesas fixas e oferecer o essencial para sua filha. “Eu tenho que escolher entre ter o plano e comer. Não vai dar para ter o plano”, conclui ela como quem se justifica e lamenta por não conseguir fazer mais pela sua menina.

Ainda inconformada, Marisa conta que o mesmo plano de saúde para as duas, se particular, é oferecido ao custo médio de R$ 400,00 mensais. A conta realmente é absurda e incoerente, principalmente se pensarmos que o gasto com saúde é duplicado para uma parcela grande de cidadãos. Pagamos pela saúde pública, e pagamos, também, para ter acesso ao serviço de saúde privada. A essa altura já tem gente pensando: “Que bom que tenho condições de pagar os impostos e o plano de saúde”. Enquanto agradecemos por essa chance, nos recolhemos, mais uma vez, em nosso infinito particular, quase ignorando a realidade que grita: Marisa e muitos outros não podem custear um plano. Ter condições de pagar pelo atendimento particular não é a grande vantagem. No mundo ideal, eu, você e Marisa deveríamos ter acesso à saúde pública de qualidade, sem pagar nada além dos nossos impostos. Porém, em um movimento contrário ao cenário ideal, observamos que a dificuldade no acesso aos serviços de saúde é crescente.

Em Joinville, no início de 2016, o Hospital São José registrou um aumento de 30% no número de pacientes. São pessoas em situação semelhante à da Marisa.  Antes tinham plano de saúde e, agora, com o enxugamento dos gastos e com o desemprego, o plano é acessório. Como diz Marisa, em uma fala que soa exagerada, mas extremamente realista: "Ou eu coloco comida na mesa ou eu pago o plano." Já não é uma questão de escolha, a prioridade é óbvia.

Enquanto a saúde de mãe e filha não se mostra frágil, a vida segue com pão na mesa e o amor materno que, muitas vezes, alimenta até a alma. Mas, se no meio do caminho, Beatriz precisar de uma consulta ela pode se deparar com uma morosidade que parece sem fim. Hoje, em Joinville, a demora por uma consulta com especialista em unidade de saúde se estende por meses e, em alguns casos, anos. Enquanto alguns pacientes aguardam, outros sentem dor demais ou têm urgência na consulta. Não dá para esperar. A opção é buscar o atendimento particular na rede de saúde privada e pagar a conta mais uma vez. Agora, quando o paciente não tem recurso, a dor é insistente e o sofrimento também. A fé aumenta e os dias de espera são minuciosamente contados. A sorte está lançada. A torcida é pela força. A luta é pela vida.

Dependendo do caso, em situação de emergência, se a Marisa precisar de uma internação no Hospital São José, por exemplo, ela corre o risco de ficar no corredor. Em 28 de janeiro, o hospital registrou superlotação com 60 pacientes acima da capacidade da estrutura que dispõe de 26 leitos. O cenário poderia ter ficado pior. Além da estrutura insuficiente, o Zequinha, apelido dado por funcionários e pacientes ao hospital, poderia ter ficado com um time de médicos ainda mais enxuto. Em 4 de fevereiro, o prefeito Udo Döhler assinou portaria suspendendo, por tempo indeterminado, a matrícula de 38 médicos residentes. Segundo a administração municipal, a ação geraria uma economia de R$ 1,3 milhão por ano aos cofres públicos.

São os médicos residentes, com a orientação dos preceptores, que atendem os pacientes no pronto socorro do hospital. Eles aprendem, acolhem e prestam cuidado e assistência mesmo em um cenário embaraçoso, com recursos escassos. Se confirmada a suspensão, as consequências seriam desastrosas. Com a pressão da classe médica, das entidades, do sindicato e de pacientes, o prefeito Udo Döhler recuou. A portaria foi revogada no dia 10 de fevereiro e os médicos residentes serão contratados. A sensação é de alívio, mas não dá para comemorar. A administração só fez diferente pela força da lei e do clamor da população. A suspensão da contratação dos médicos residentes, muito possivelmente, configuraria a privação do direito à saúde, uma vez que a redução da equipe de profissionais implicaria diretamente na diminuição da capacitada instalada de atendimento do hospital. Menos médicos, menos vagas, menos vidas.

Impossível não se sensibilizar com as preocupações de Marisa. Não é preciso viver na pele a dicotomia “pão ou saúde” para compreender o tamanho do descaso com a saúde. Mas também é muito difícil visualizar formas de intervir e lutar por transformações efetivas no Sistema Único de Saúde. O cenário está embaraçoso e precisamos arregaçar as mangas e mostrar-nos interessados em fazer diferente ao lado da gestão pública. Não dá para esperar que a gestão faça mais, se não mostrarmos nossas reais necessidades e nosso poder de transformação. É preciso ver além do nosso infinito particular.

Enquanto não conquistamos avanços, principalmente no serviço público de saúde, devemos buscar alternativas para vivermos bem, garantindo a nossa qualidade de vida e de quem mais pudermos. Este passa a ser um exercício fraterno que requer empatia e pede para cada um pensar em si, no outro, e no coletivo. É assim que a gente descobre que vale mais a pena saborear o pão, viver o amor, e, de preferência, esquecer que a vida está sempre por um fio. Diante de qualquer fragilidade, pode faltar recurso para restaurar a saúde, dar um nó em um novo fio e recomeçar. O jeito é ser bem consciente: a saúde nos pertence hoje, amanhã não se sabe. Só por hoje, eu, Marisa, Beatriz, e, acredito que você também, desejamos um país e uma Joinville com mais transparência, mais saúde, mais vida.

* Ariadna Straliotto Amaral é jornalista

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O alto preço da Câmara de Vereadores de Joinville











POR VANDERSON SOARES
Milhões e milhões são gastos mensalmente para manter Câmaras Municipais,  Estaduais, Congresso e Senado. Este preço, na teoria, deveria ser um investimento com altíssimo retorno para a sociedade, mas devido muitos fatores, hoje é apenas mais uma despesa para colocar na conta. 

Vamos nos restringir a observar a Câmara de Vereadores de Joinville, desafio o leitor a elencar 10 leis que impactaram positivamente a vida do joinvilense e que tenha saído da cabeça de algum dos atuais vereadores. Não dá pra encher uma mão. Para quem não sabe o vereador tem basicamente 3 funções: 1) Fiscalizar as ações do executivo, 2) Analisar as propostas e projetos de lei vindas do Executivo e 3) Propor leis no âmbito municipal.

Além de não se ver projetos de lei de qualidade, quando se faz oposição, não é inteligente, é apenas por pirraça partidária. Dias atrás um vereador do PSDB alegou estar acelerando a tramitação de um projeto de lei simplesmente porque um deputado do mesmo partido solicitou (se o deputado não ligasse, ele ficaria sentado em cima do projeto até a data fatal?)

Um vereador tem direito a 7 assessores (que você nunca encontra nos gabinetes, porque na verdade são cabos eleitorais, ao que tudo indica), diárias para viagens (que muitas são “visitas e reuniões” de um final de semana inteiro a algum deputado em Florianópolis, que não resultam em nada real) e um carro alugado pela Câmara. 

Nestes últimos dias entrou em voga o gasto excessivo com carros para a CVJ. Dos 19 vereadores, 14 utilizam carros alugados, apenas 5 abriram mão desta regalia.  Estes 14 simbolizam um gasto de aproximadamente R$ 400. 000,00. (dividido por 12 meses, dá mais que o salário dos vereadores).

São mesmo necessários? Todos os vereadores tem um (ou mais) carro particular, todos num padrão médio/ alto e ainda assim é necessário um carro da Câmara? O pior é que todos estes que tem carro, tem também um motorista na sua equipe de assessores. 

Não consigo enxergar a necessidade de um vereador ter direito a carro e motorista. São somente vereadores e por mais que gostem de se chamar de “Vossa Excelência” vieram do povo e deveriam ter o estilo de vida que tinham. Parece que ao ser eleito vereador o rei enche a barriga destes e se desinteressam pela cidade e partem para seus projetos políticos particulares. Não vamos generalizar, há bons e coerentes vereadores, mas são raros e em extinção. 

As Câmaras de Vereadores não sentem a necessidade e não se esforçam para economizar, elas tem direito a uma porcentagem da receita do município e essa porcentagem é mais que suficiente para a devida operação da casa, por isso em quase todo mandato o presidente da Câmara inventa uma reforma, obra, implantação de sistema de catraca, um mezanino, etc. 

A solução é simples: Não reeleja ninguém, principalmente quem já fez da política sua carreira profissional e, além disso, observe currículo, analise biografia, escolha bem o servidor público que você vai votar. A cidade só irá pra frente com gente boa na prefeitura e na Câmara.  

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Mania de historiador


POR VALDETE DAUFEMBACK

De acordo com Hobsbawm, o papel do historiador é relembrar o que os outros esquecem. Talvez seja em face desta responsabilidade que o historiador tenha uma profunda empatia por folhas escritas que o tempo se encarregou de lhes conferir o status de documentos, uma das fontes de pesquisa para compor a narrativa histórica.

Particularmente, admiro quem consegue facilmente se desfazer de papeis após a sua utilização primária, ou excluir informações antigas do computador sem que o sensor interno ponha limites à capacidade de descarte.

 No turbilhão das atividades profissionais não tenho muito tempo para selecionar, guardar ou descartar correspondências e informativos que chegam por via eletrônica, ou em suporte físico (livros, revistas, textos, fotos, cadernos de anotações, cartões, cartas, listas de nomes) que se acumulam durante o ano. Mas as férias têm múltiplas serventias, não são apenas para repor as energias, como querem alguns profissionais da linha utilitarista. Servem também para dar aquela atenção aos cômodos da casa e ao computador, a fim de aliviar a bagagem acumulada.

Como estava decidida em passar a limpo uma parte da minha história, revisitei gavetas que há muito tempo permaneciam guardiãs de lembranças. Entre os inúmeros papeis como comprovante de pagamento de mensalidades dos tempos da faculdade, holerites e notas fiscais, havia raridades como fotos, cartões e cartinhas enviadas por alunos. Uma cartinha amarelada pelo tempo me reportou a momentos significativos da minha profissão. Penso que consegui fazer a diferença na vida de alguém que precisava de apoio. Dobradas e coloridas, outras cartinhas se encontravam em envelopes. Eram de meninas, ex-alunas, que sentiram a minha ausência quando saí da escola em que lecionava e como pretextos escreviam cartas solicitando explicações sobre determinados temas históricos. Por que guardei durante tanto tempo estes papeis? Não encontro resposta racional. São coisas da alma. Ou será que é mania de historiador?

Enfim, após uma semana selecionando materiais, o resultado foi: voltem para os seus lugares, exceto alguns sem qualquer significado. Considero-me pouco apta à arte do descarte, em qualquer sentido. Imaginem então, guardar papeis com meu nome escrito e riscado com sangue, pimenta vermelha e regado à cachaça, encontrados em despacho num cemitério do município. O desejo de quem encomendou o despacho era de arruinar a minha carreira profissional. Cá estou, décadas depois falando neste episódio porque reencontrei a prova material. Oficio da profissão, um tanto quanto maquiavélico, ser amada por alguns e odiada por outros, ao mesmo tempo.

Férias também sevem para resolver pendências burocráticas em órgãos oficiais. Para complementar um processo de regularização fundiária iniciado há meses, necessitava inserir novamente no sistema informações anteriormente fornecidas com dados de outrem, à época, conseguidos por telefone. Que alívio quando percebi que as papeletas com as anotações estavam no envelope juntamente com o documento oficial. Pensei: “Mania de historiador, guardar anotações”!