quinta-feira, 12 de junho de 2014

Começou!


POR CLÓVIS GRUNER

Quando a seleção brasileira entrar no Estádio do Itaquerão hoje à tarde, disputando contra a Croácia a partida de abertura da Copa do Mundo 2014, estará em jogo muito mais que o hexacampeonato. Desde o início das mobilizações de rua contra o torneio da FIFA, e apesar do slogan, todo mundo sabia que teria Copa e, penso, nunca foi a intenção inviabilizá-la. Parece-me que se buscou a possibilidade de tecer sobre ela uma outra narrativa, mais aberta e plural e capaz de levar em conta, de atribuir sentido e visibilidade às contradições decorrentes de sua organização.

Uma narrativa que não encobrisse, sob as camadas do ufanismo governamental e publicitário, as muitas formas de violência que compuseram também o roteiro da Copa do Mundo, e sobre as quais, não fossem as mobilizações, restaria um pacto de silêncio e o consequente esquecimento. Como disse em texto publicado há poucas semanas aqui no Chuva, a estimular as manifestações, e descontados os muitos oportunismos e oportunistas de plantão, há um conjunto de demandas legítimas e uma porção mais que justa de indignação pela maneira enviesada como muitas das decisões foram tomadas e executadas.

Além disso, como bem observou Vladimir Safatle em texto publicado na Folha de São Paulo de terça-feira, as manifestações sinalizaram para um incômodo descompasso entre os estrategistas de marketing – e não só os do governo – e parte da população brasileira. E embora não concorde com parte da abordagem do filósofo, que parece ecoar a ideia de que “o gigante acordou”, porque penso que ele nunca esteve adormecido, estou de acordo quando afirma que o roteiro sempre previamente traçado desde cima para o “povo” – basicamente “celebrar a aclamar” – dessa vez não funcionou: os atores não aderiram ao espetáculo que lhes foi designado e criaram seu próprio cenário. Houveram equívocos e alguns excessos, por certo, mas no âmbito geral o mise-en-scène das ruas foi o necessário e criativo contraponto ao discurso oficial.

FUTEBOL E POLÍTICA – Claro que as implicações políticas disso não podem ainda ser medidas em toda a sua extensão. E elas tampouco são novidade. Os usos políticos do futebol vem de longa data: em 1958, Juscelino Kubitschek, o “presidente bossa nova”, não se furtou a usar a conquista da Jules Rimet para inflar o espírito nacionalista e a adesão da sociedade ao seu projeto desenvolvimentista, os tais “50 anos em 5”. Pouco mais de uma década depois, o general Médici, o presidente assassino, fez do tricampeonato conquistado no México uma de suas cortinas de fumaça a encobrir os muitos crimes praticados pela ditadura – além da corrupção, a censura, as prisões arbitrárias, a tortura e o extermínio de dissidentes. E não se pode negar que, sob certo aspecto, em ambos os casos a estratégia deu certo.

Obviamente os contextos eram diversos de agora. Entre outras coisas, o futebol e a Copa do Mundo não eram ainda essa máquina que movimenta bilhões de dólares mundo afora; tampouco a FIFA era a entidade poderosa que é hoje. Mas talvez justamente o triplo agigantamento ajude a entender porque dois ex-presidentes, FHC e Lula, insistiram tanto em trazer para cá a Copa do Mundo. Lula conseguiu, e certamente quando recebeu a confirmação, em 2007, de que o Brasil seria o país sede do torneio, ele esperava outra coisa que não as ruas tomadas de manifestantes indignados e tanques do exército dispostos a “assegurar a ordem” contra toda eventual desordem.

Vai ter Copa e, particularmente, penso que o prejuízo, tanto econômico como político, será menor do que teme meu colega de blog José António Baço. Não será a “Copa das Copas”, como quer a presidente Dilma Rousseff? Bastante provável. Mas talvez não seja igualmente o desastre desejado pela oposição que, carente de tudo – principalmente carente de um projeto para o país – torce para que tudo dê errado e que as imagens de uma hecatombe possam ilustrar a campanha eleitoral e disfarçar a ausência de ideias. De minha parte, continuo a pensar que o principal legado da Copa é o sempre necessário e bem vindo amadurecimento democrático, com todas as contradições que ele comporta. E se junto vier o hexa, tanto melhor.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

O capital político de Carlito Merss


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Quem imaginaria, há pouco menos de dois anos, que a gente ainda toparia com essa frase aí pelas redes sociais: “volta, Carlito”.  O fato é que todos a temos visto repetidas vezes nas últimas semanas. É a prova de que em política os anúncios de fins de carreira são sempre exagerados.

Não há dúvidas de que o slogan está a ser repetido pelos seguidores do ex-prefeito – o Partido dos Trabalhadores ainda mantém militantes mais fieis às ideias do que aos empregos – mas é possível notar-se também uma mudança na percepção da população joinvilense mais atenta à política local.

Carlito Merss tem vento favorável para resgatar de vez a imagem que construiu ao longo da sua carreira e que viu ameaçada pela cassação dos seus direitos políticos – já restituídos por decisão do Tribunal Superior Eleitoral – e pela sua passagem pouco feliz à frente da Prefeitura de Joinville.

Os jogos políticos são sempre cheios de fluxos e refluxos, de alianças e rompimentos, de acordos e desacordos. Mas em Joinville a coisa é levada ao extremo: os interesses pessoais eliminam quase por completo a defesa de qualquer ideário. Os aliados de hoje podem ser a faca nas costas de amanhã. É preciso estar sempre vigilante.

O ambiente é de tal forma infausto que ganha quem estiver do lado de fora. É o caso de Carlito Merss que, por estar longe dos holofotes, fica fora do alcance da mira dos seus adversários e críticos. E agora tem apenas que escolher a estratégia certa para restabelecer a sua imagem junto ao eleitorado.

Há alguns fatores capazes de beneficiar ex-prefeito na reconquista do seu espaço. Um deles é não ter que, neste momento, conviver com uma criptomídia ou paramídia que nunca disfarçou a sua hostilidade e que não lhe deu um dia de sossego enquanto esteve à frente da Prefeitura de Joinville.

O segundo é a ajudazinha que a atual administração está a dar. O fato de ainda estar em marcha lenta e de deixar  muitos eleitores preocupados mostrou que governar uma cidade como Joinville não é assim tão fácil. Nem mesmo com tudo a favor, como é o caso. Aliás, parece ser o principal motivo para um revanchista "volta, Carlito".

Enfim, o ex-prefeito tem tudo para recuperar o seu capital de imagem. E talvez a travessia do deserto não venha a ser tão longa quanto muitos vaticinaram. Diz o velho ditado que prognósticos só no fim do jogo, mas os que consideraram Carlito Merss uma carta fora do baralho talvez tenham que repensar.

Duvido que ele queira tentar uma volta à Prefeitura. Mas como já disse alguém: em política  só não vi porcos a andar de bicicleta.

terça-feira, 10 de junho de 2014

A história se repete, a cidade enche e o governador "sobrevoa"

Foto tirada na BR 280, próxima à SC 413
Foto cedida por Eduardo Schmitz
POR FELIPE SILVEIRA

Para o governador, uma enchente “rápida e pequena”¹. Para quem rala para pagar a prestação da geladeira, do fogão e do sofá, uma tragédia que afeta todo o planejamento e as pequenas conquistas das famílias. Para cada vida perdida, uma tragédia imensa para todos nós.

Quantas vezes a população de Santa Catarina terá que passar por isso? Quantas vezes o poder público vai lamentar a tragédia após sobrevoar as regiões afetadas de helicóptero, como se isso fosse alguma atitude louvável?

Até quando teremos que ver gente bem-intencionada fazer uma correria para enviar mantimentos e cobertores para as populações atingidas que não tem o que comer nem como se cobrir? Até quando vamos ouvir promessas de planos de prevenção?

E o pior de tudo isso é ter que ler por aí a clássica “Sempre encheu, sempre vai encher” de um monte de gente que não ousa pensar nas verdadeiras responsabilidades.

É importante saber que toda essa região foi construída com base na exploração imobiliária. No caso de Joinville, o queridinho príncipe (virou nome de feira de rua, com direito a bonequinho e tudo) ficou sem dinheiro lá por 1848 e decidiu fazer uma grana com a terrinha que ganhou como dote. Ah, terra que foi roubada pela coroa portuguesa. Aí começou a vender – via Companhia Colonizadora de Hamburgo – para os trabalhadores europeus que sonhavam com uma vida melhor por aqui, já que pela Europa tava bem difícil. Eles chegaram aqui e já foram enfiando o pé na lama, enquanto o príncipe nadava na grana dos pobres.

Pior que há alguns indícios de preocupação por parte do príncipe com os imigrantes nos livros de história. Aí eu penso nisso e me vem à cabeça esses passeios de helicóptero sobre as áreas atingidas...

A história se repete. A especulação imobiliária, pedra fundamental desta cidade, continua com sua função central nas decisões políticas. A LOT está aí para não me deixar mentir, né?

A história se repete e o povo sofre. O rio transborda, a cidade enche, a terra desliza. O povo sofre. Até decidir fazer algo...


¹ Raimundo Colombo pediu desculpas pela declaração, a qual afirmou ser mal-interpretada. Veja a retratação aqui.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A escolinha do Professor RaimUdo

POR JORDI CASTAN

As reuniões matutinas do secretariado municipal foram um dos temas que tomaram a maioria das rodas num recente encontro gastronômico-social. É o tipo de encontro em que a comida é preparada para que seja possível utilizar só o garfo, porque as facas estão todas enfiadas nas costas dos próprios convidados. São eventos promovidos por jornalistas, colunistas sociais e outros transvestidos em profissionais da imprensa com feijoadas, costeladas ou carreteiros. O objetivo encoberto é fazer uns trocados e ter acesso em primeira mão a comentários e boatos lubrificados com cerveja e destilados. 

Um dos vários secretários municipais presentes discorreu sobre o formato e a efetividade das reuniões do colegiado, que em geral se realizam bem cedo pela manhã. O formato lembraria, se for verdadeira a versão apresentada pelo secretário, o de programas de humor que repetem a mesma fórmula: no Brasil um dos mais conhecidos levou o nome de “Escolinha do Professor Raimundo” e era capitaneado pelo saudoso Chico Anysio. Houve outros programas que repetiram o modelo, como a Escola do Golias, mas o formato era em tudo semelhante e conseguia com facilidade o seu objetivo de fazer rir com facilidade, estereotipando alunos e professores, sem outra pretensão que a de provocar o riso.

A reunião começa de madrugada, com a chamada dos presentes. Aqueles que faltem ou cheguem tarde devem justificar e podem receber uma chamada de atenção. É boato que alguns secretários municipais tenham apresentado bilhete assinado pelos pais, para justificar o seu atraso, isso no passa de pura invencionice da oposição. Depois de feita a chamada e anotados com caligrafia esmerada os nomes dos faltosos, que correm o risco de ficar sem sobremesa, a reunião da início com a leitura detalhada da ata da reunião anterior. Uma leitura feita pelo próprio alcaide, que, com entonação monótona, relata tudo o que foi decidido e determinado na reunião anterior. A leitura pode levar mais de uma hora, passada a qual cada secretario tem direito a dois minutos. Os responsáveis pelas pastas estratégicas chegam a dispor de três minutos para relatar o que fizeram ou justificar o que deixaram de fazer. Transcorridas quase duas horas a reunião é encerrada.

A administração baseada no modelo de cobranças é típica de um chefe autocrático, aquele que fala todo o tempo, conhece os problemas melhor que ninguém e aponta soluções, sem chegar a analisar com profundidade o problema e suas causas, assim não há necessidade de ouvir a sua equipe, que escuta em silêncio a espera das diretrizes que emanarão do próprio prefeito. A gestão moderna, seja ela pública ou privada, exige um perfil de liderança diferente. Hoje é a vez dos líderes, aqueles que são capazes de motivar pessoas comuns a obter resultados surpreendentes. Liderar equipes exige um perfil diferente, não só há que escutar, pois é preciso saber ouvir e aceitar que o chefe pode não ter sempre toda a razão. Para quem foi forjado no modelo autocrático do século 19  é tarefa difícil entender a complexidade da liderança do século 21 e os novos desafios da gestão pública, numa cidade com mais de 500.000 habitantes.



O resultado das reuniões, que deveriam servir para ser o celeiro de novas ideias e alternativas que permitam resolver os graves problemas que o município enfrenta, são  longos solilóquios que ninguém mais escuta, eternos monólogos repetitivos e cansativos que mais parecem mantras para invocar o milagre da ação inexistente.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

LOT, Udo, James Schroeder e João Martinelli

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

#1
A nova Lei de Ordenamento Territorial, em discussão desde 2010 em Joinville, é alvo de grandes interesses imobiliários e econômicos, como sempre relatamos aqui no Chuva Ácida. A transformação de áreas rurais em áreas urbanas pode trazer lucros inimagináveis para especuladores e loteadores da cidade, e por isso as disputas entre diversos setores interessados (no lucro ou na democratização do processo) estão cada vez mais acirradas. Como o poder público, desde o início, tendeu a flexibilizar a legislação já existente, juntamente com um fechamento das informações para alguns poucos, as discussões caíram para o âmbito judicial,instância onde os movimentos populares se viram amparados - ou quase isso.

Por várias vezes a Prefeitura foi obrigada a rever suas posturas, pelo simples fato de não estar seguindo o que as leis recomendavam (principalmente a lei 10257/2001, apelidada de "Estatuto das Cidades"). O Ministério Público também atuou em seguidas vezes, ajustando condutas dos gestores municipais.

A lei atualmente encontra-se em discussão no Conselho da Cidade, este que, por sua vez, é antidemocrático e foi o responsável pela criação de dois tipos de cidadãos: aqueles representantes de entidades burocraticamente existentes (com CNPJ ou Estatuto) e cidadãos com um CPF que não vale nada em termos de decisão. Depois de discutida no Conselho da Cidade, a lei vai para apreciação de audiências públicas e depois tramitará na Câmara de Vereadores. Também já cansamos de explicar isso aqui.

A expectativa é grande pela aprovação desta nova lei, pois pode operacionalizar o lucro de muita gente.

#2
O atual Prefeito de Joinville, Udo Dohler, é ex-Presidente da ACIJ e um dos maiores defensores da aprovação da nova LOT. Representava (ou ainda representa?) interesses de associados do ramo da construção civil e imobiliária muito interessados na aprovação desta lei. Deu várias entrevistas alegando que a cidade "vai parar", caso as novas regras urbanísticas não fossem aprovadas o quanto antes.

A cidade não parou, tanto é que, nos últimos 20 anos (tempo em que a "velha" lei de ordenamento territorial está em vigor), a cidade cresceu nos quesitos economia, educação, IDH, emprego e infraestrutura urbana. Nunca antes na história desta cidade os empresários locais ganharam tanto dinheiro.

Como se isto não bastasse, Udo reclamou em jornais da cidade das seguidas ações judiciais que sofre por movimentos populares. Por enquanto a LOT está andando, mas em passos de tartaruga, impedindo o lucro imediato de muita gente grande por aí.

A preocupação em aprovar esta lei é tão grande, mas tão grande, que a base aliada recomendou ao Prefeito que tratasse bem o vereador James Schroeder (PDT), pois ele é de um partido que rompeu com a gestão do PMDB (expulsou do PDT o vice-Prefeito, Rodrigo Coelho, por exemplo) mas pode ser útil devido ao fato de ser Secretário da comissão de urbanismo da Câmara de Vereadores, e seu voto pode ser o fiel da balança.


#3
James Schroeder é engenheiro agrônomo, ex-professor e está em seu segundo mandato como vereador. É casado com Marlize Martinelli, integrante da poderosa família Martinelli (Martinelli Consultores, Martinelli Advogados) que tem em João Martinelli e em Nereu Martinelli homens de grande influência na cidade. Nereu, inclusive, é Presidente do Joinville Esporte Clube.

João Martinelli e suas empresas foram grandes doadoras da campanha de James em 2008 e 2012 e Udo em 2012.





#4
João Martinelli será o novo Presidente da ACIJ, entidade que tem um Prefeito e um construtor como ex-Presidentes e defende abertamente uma nova Lei de Ordenamento Territorial para o quanto antes. É a entidade que terá um Presidente doador da campanha do Prefeito e padrinho financeiro de uma peça-chave dentro da comissão de urbanismo, local onde a votação da nova LOT tramitará em breve.