POR CLÓVIS GRUNER
Provocaram um misto de indignação, repulsa e náuseas as
cenas de barbárie que circularam nos últimos dias pela internet, mostrando um
grupo de presos do complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão,
decapitando três outros detentos de facções rivais. E escancaram uma realidade
que é conhecida por muitos, embora muitos a neguem: o sistema penitenciário
brasileiro, desde há alguns anos, entrou em colapso; e não sairemos dele sem
medidas radicais que não apenas o reformem, pontual e provisoriamente, mas o
reinventem de alto a baixo.
O caso do Maranhão não é único, mas nem por isso menos emblemático. Pedrinhas se tornou a síntese do horror porque há muito tempo é uma
terra de ninguém. Além da infraestrutura aquém de precária e a superlotação,
presos de facções inimigas dividem o mesmo espaço, potencializando ainda mais a
violência já comum em ambientes prisionais. Desde dezembro, principalmente,
acompanhamos as notícias de uma violência crescente – decapitações,
esfolamentos, estupros de mulheres das famílias de presos e a queima de coletivos nas ruas de São Luis –, o principal meio de que se valem
as facções criminosas para demonstrar sua força e assegurar sua superioridade
sobre os grupos rivais. O saldo, ao longo do último ano, é de 62 presos mortos,
além de uma menina de seis anos, Ana Clara Santos Sousa, queimada em um dos
atentados a um ônibus na capital.
A justificativa do governo é, como de hábito, hipócrita.
Segundo as autoridades maranhenses, trata-se de uma reação às políticas de
segurança no estado, uma flagrante mentira: a violência prisional é,
antes, o desdobramento da incapacidade dos poderes públicos de oferecem
respostas viáveis aos problemas de segurança pública. No caso do Maranhão,
particularmente, esta incapacidade é generalizada e pode ser percebida também
fora dos muros das prisões. Governado há décadas pela família Sarney – cujo patriarca, o
senador José Sarney, foi aliado de todos os governos desde os militares, o que
inclui obviamente os últimos, FHC, Lula e agora Dilma –, o estado apresenta
alguns dos piores índices de qualidade de vida do país: entre outras coisas,
possui a menor expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil. Confrontados os indicadores sociais e a
violência prisional, não é difícil concluir que uma coisa e outra estão ligadas
e que a segunda é, em grande medida, desdobramento e resultado dos primeiros.
Mas isso não é tudo.
A FALÊNCIA DO MODELO PRISIONAL – Colocada sob uma
perspectiva histórica, a violência que hoje grassa nas prisões vem sendo
gestada pelo menos desde as décadas de 1970 e 80. São esses os anos do
aparecimento e rápida consolidação do crime organizado e das facções
criminosas, que se articulam primeiro dentro das prisões (articulação que se
fez, em parte, pelo contato dos criminosos comuns com os prisioneiros
políticos). Nos anos subsequentes, elas deslocam sua ação e influência para as
periferias das grandes cidades, lugares onde a ausência do Estado e o total
descaso dos poderes públicos os tornaram mais vulneráveis à ação organizada do
crime.
Distribuindo privilégios e promovendo a identidade e a
fidelidade entre seus integrantes, estes grupos tem conseguido aumentar sua
força não apenas dentro das instituições prisionais, desempenhando um
papel de mediador entre a vida intramuros e o cotidiano fora deles.
Mediação delicada e conflituosa, entre outras coisas, porque faz deslizar para
o espaço público os códigos e valores que organizam e normatizam a vida
prisional, além de ocuparem o espaço deixado vago pelo Estado e pelos governos,
justamente as instituições que, em tese, são as responsáveis por garantir a
ordem e a segurança dentro dos presídios.
Nas
últimas décadas portanto, aos antigos problemas – superlotação, condições
físicas precárias, deficiência dos programas de reinserção –, somaram-se
outros, que só fizeram agravar uma situação em si já insustentável. Entre eles
o aumento da violência institucional: como já disse em outra ocasião, no Brasil, as prisões (e de maneira
geral, o aparato policial) convivem com os resquícios dos tempos de exceção e a
resistência à políticas de democratização no interior de
seus sólidos muros. É uma regra onde não há exceção: as prisões e as corporações policiais são hoje, das instituições estatais, aquelas onde de maneira mais expressiva ainda encontramos o que resta da ditadura.