sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A propaganda tem voz, nós não


POR FELIPE CARDOSO

O vídeo do governo paranaense sobre o racismo viralizou na Internet e acendeu, mais uma vez, o debate sobre raça e racismo no Brasil. Muitos compartilhamentos e elogios à propaganda elaborada para combater o racismo.

Um dos comentários vistos foi que o “governo do Paraná esfregou na nossa cara o racismo”. Como assim?

Não, não estou criticando a propaganda. Gostei e acho importante a existência dela. Sei do seu poder e sim, acredito que devemos levar e propagar a luta antirracista em diversos meios. A problematização é outra.

Parabenizar o governo por fazer o seu papel em promover a justiça e a igualdade é um tanto quanto preocupante. Dizer que o governo paranaense esfregou na nossa cara o racismo é de uma desonestidade sem tamanho.

Essa propaganda é resultado da militância e luta dos movimentos e coletivos negros, de intelectuais negros. Essa luta não é de hoje. Não é de agora que  denunciamos a nossa estereotipagem negativa e o racismo institucional existente no Brasil e no mundo.

Então dizer que o governo do estado do Paraná promoveu algo revolucionário é injusto e mostra um pouco da face da "branquitude" (privilégio branco).

A repercussão da propaganda deixa evidente o quanto as vozes de milhões de negros e negras ainda não valem. É preciso que pessoas brancas façam e demonstrem como é.

Mas quando é um texto de uma mulher negra comentando que sofreu racismo em sua entrevista de emprego, ou que perdeu a prova do ENEM, pois não pode utilizar seu turbante, é tudo “mimimi”. Quando falamos que negros são maioria dos desempregados, quando falamos no genocídio e encarceramento da população negra é vitimismo. Quando falamos da importância de cotas, quando denunciamos a falta de representação em espaços de poder já estamos querendo muito.

Mas daí quando surge uma propaganda que mostra pessoas brancas explicitando tudo o que relatamos diariamente, daí ela esfrega na nossa cara o racismo? Sério mesmo?

O que fez Abdias do Nascimento, o que fez Lélia Gonzalez, Clóvis Moura, Milton Santos? O que faz Jeruse Romão, Cristiane Mare da Silva, Stephanie Ribeiro, Luana Tolentino? O que fazem os movimentos e coletivos negros contemporâneos? O que fizeram os movimentos e coletivos do passado?

Espero realmente que nos aprofundemos, de maneira geral, nos estudos sobre “branquitude”, raça e racismo. Pois esse vídeo foi uma bela demonstração de privilégios e de como nós, negros e negras, ainda não temos voz, não somos vistos e escutados. O racismo só passa a existir quando o branco fala que existe.

O futuro das direitas no pós-Dilma













POR MURILO CLETO

Se me permitem, vou tomar a invasão do plenário da Câmara ontem, por meia centena de defensores da ditadura militar, para falar brevemente sobre uma distensão prestes a acontecer no Brasil. Me refiro ao que pode ser das direitas por aqui.

Falo no plural porque parto do pressuposto de que há fundamentalmente duas, a liberal e a conservadora, unidas até agora pela sereia do antipetismo. Quem esteve ontem no Congresso pertence à segunda categoria. Em linhas gerais, trata-se de um grupo de saudosos da Guerra Fria que acredita firmemente na ideia de que a política nacional foi tomada pela esquerda. Nada do que se diga vai convencê-lo do contrário. Aliás há muito pouco a se dizer para quem enxerga um painel que homenageia o centenário da imigração japonesa no Brasil como uma versão comunista da bandeira nacional (aqui).

(Não apenas ele, você vai entender depois, mas) Temer tem um problemão pela frente. Precisa encontrar um meio de fazer se sentir representada essa parcela da direita que apostou no impeachment para livrar o país do, vá lá, comunismo e da corrupção, mas que não vai demorar para abrir fogo contra o novo governo. Primeiro porque ele pode ser qualquer coisa, menos um basta na roubalheira. E tanto imprensa quanto procuradores da Lava-Jato já deixaram bem claro que não vão deixar, com algumas exceções, a coesa classe política que derrubou o PT se livrar tão facilmente da exposição. Segundo porque a agenda econômica apresentada pelo PMDB para retirar o país da recessão vai funcionar como um barril de pólvora no meio desse lamaçal.

Explico. Hoje, a direita conservadora da América Latina apresenta traços consideravelmente diferentes da europeia e norte-americana. Aqui ela está centrada em diferentes – porque atualizadas – espécies de macarthismo, sobretudo devido à herança dos regimes militares. Confesso que não fiquei surpreso ao me deparar com panfletos alertando contra a “ideologia de gênero” na campanha pelo “não” ao acordo de paz do governo Juan Manuel Santos com as FARC.

Sobretudo graças à deterioração econômica de países com governos mais identificados com a esquerda, grande parte deles abertamente populista, a direita liberal passou a conquistar espaços significativos novamente. Sem dúvida alguma, a eleição de Macri na Argentina simbolizou essa guinada, já aparentemente irreversível. A coalizão que entregou o poder a Temer sobreviveu com mais ou menos o mesmo discurso: o Estado está imenso, é preciso diminuir. Como a vida das pessoas por aqui piorou consideravelmente, a alternativa ganhou eco. E está sendo comprada rapidamente.

Mas, a despeito de todas as nuances, é preciso dizer que a América Latina começa a rezar a cartilha que abriu caminho para a direita autoritária que apareceu com força na Europa mais precisamente a partir de 2011. Lá os efeitos nefastos da globalização foram sabiamente explorados por uma narrativa mesmo tribalista que colou também na figura do estrangeiro a responsabilidade pelas mazelas do mundo pós-2008. Países de longa tradição humanitária, como é o caso da Dinamarca, tomaram a dianteira rumo ao fechamento de fronteiras e o Tratado de Schengen, segundo grande trunfo da União Europeia – logo depois do Euro – começou a ruir.

A solução para encarar o aumento exponencial da dívida pública e os altos índices de desemprego na Europa é bem conhecida: além da agenda anti-imigração, uma severa política de austeridade que jogou para cima a idade das aposentadorias e para baixo o Estado de bem-estar social. E foi nesse panorama que a direita proto ou assumidamente neofascista ganhou corpo.

E o que têm com isso os cinquenta patriotas que passaram horas no plenário da Câmara ontem chamando desesperadamente por um general? Até hoje, não muito. Mas eles tendem a crescer. Primeiro porque encontram amparo no olvido que pautou o trato do Brasil com o passado recente de autoritarismo no poder. E, segundo, porque o PMDB não tem outra escolha a não ser abandonar de vez o patrimonialismo para afagar quem o alçou a uma presidência da república sem voto. O preço é alto e vai ser pago com um ajuste intolerável. E logo as direitas, hoje ainda em lua de mel, vão romper.

Mas tem mais. Se você tiver condições, veja o tom de Enéas Carneiro (aqui), o último grande nome da extrema direita no Brasil antes de Jair Bolsonaro. Pouca coisa o diferencia de certas simplificações à esquerda a respeito da agenda de Meirelles e companhia.

Não é verdade que a história se repete. E eu não sou futurólogo. Lido com o que já aconteceu. Mas, já dizia o cancioneiro sertanejo, disfarçar as evidências é loucura.





Murilo Cleto é professor, colunista na Revista Forum
e editor do Desafinado Blog (blog)

A bandeira do Japão e os comunistas

POR ET BARTHES

Há coisas inexplicáveis. A confusão mental da senhora do filme é uma dessas coisas difíceis de explicar por palavras. A mulher confundiu a bandeira do Japão com aquilo que imagina ser a bandeira do futuro Brasil comunista. E não deixou por menos: a partir dessa burrada, fez um discurso veemente a alertar o mundo para os perigos do comunismo. Parece ser apenas o delírio de uma pessoa fanática, mas representa um perigo para a democracia.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Reflexões sobre as eleições nos EUA: virá o fascismo?













POR RODRIGO BORNHOLDT

Logo que soube do resultado das eleições norte-americanas, postei em alguns grupos de whatsapp: os Estados Unidos elegeram um fascista. Depois, refletindo com calma, entendi que exagerei. Mas, repensando a própria reflexão, agora após alguns dias de uma semana com gosto amargo, entendo que há muitos traços fascistas no novo presidente.

Pela primeira vez na história, os Estados Unidos elegem alguém tão próximo à extrema direita. Reagan e os Bush eram conservadores, de direita, mas praticavam o chamado “compassionate conservatism”. Muito mais moderado do que aquilo que se pode esperar de Trump.

Há, porém, duas diferenças entre o novo presidente e o fascismo tradicional: esse coloca o Estado acima da própria atividade privada, suprimindo as várias liberdades, inclusive com fortes restrições à livre iniciativa. E, diante disso, tende a criar um Estado totalitário. É difícil que os EUA abandonem suas instituições democráticas e sucumbam ao totalitarismo, na definição dada por Hannah Arendt. Mas é muito possível que limite algumas liberdades e adote características autoritárias.

Como Trump é um negociante, os negócios tendem a falar em primeiro lugar. Para ele, o Estado deve servir aos negócios. Isso não retrata verdadeiramente o fascismo. Mas, sendo o novo presidente defensor dos grandes negócios, pretendendo inclusive revogar a lei antitruste, isso gera mais uma baita injustiça contra a maioria da população, inclusive pequenos e médios empresários.

O fascismo, aliás, andou de braços dados com o grande capital. Foi uma aliança sólida na Itália e na Alemanha. E, nos outros aspectos daquilo que é mais próprio de Trump, o fascismo volta a mostrar sua face abjeta: o desprezo ao outro e sua incompreensão. É assim com a depreciação ao negro, ao latino, ao muçulmano, ao oriental. Brasileiros já ameaçam voltar dos EUA; imigrantes, legais ou não, tendem a ser perseguidos pelo ódio das massas ou das instituições mais conservadoras.

A Alemanha não resistiu ao furor autocrático do nazismo. Mas era uma criança democrática. Tinha apenas 13 anos de Estado Democrático de Direito quando foi subjugada. Os EUA, com todos os defeitos de sua democracia, praticam-na há mais de 200 anos.

Sinto vergonha de minha geração, que contribuiu fortemente para esse resultado. Apenas espero que os valores democráticos estejam realmente incutidos nos EUA, para que se evite qualquer aventura autoritária mais profunda por parte do novo incumbente.

Sempre questionei a remarcada influência da televisão e a pouca formação cultural da maioria dos cidadãos. O Estado Democrático de Direito exige vigilância e um mínimo de cidadãos cultos e críticos, que defendam e (re)construam, permanentemente, os valores em que ele se embasa: liberdade de expressão, uma maioria formada racionalmente, o debate das grandes questões públicas; o respeito à vontade popular; o devido processo legal; um mínimo de direitos sociais. 

E deveria também figurar, nesse rol, como preconiza Michael Sandel, a defesa de uma economia política voltada à formação de verdadeiros cidadãos ativos, tanto pela predominância de uma economia baseada em pequenas e médias empresas, como pela efetiva aplicação de um sólido direito antitruste.

Há também um curioso lado populista em Trump, que por vezes parece compreender os pobres que mais sofrem com o processo de globalização. Mas parece pedir muito a ele que tenha um pouco de compaixão por todos e se dispa daquela escala de valores mais próxima de Wall Street e da divisão de mundo entre winners e losers. Aí Trump já não seria Trump. 


O mais provável é que ele realmente exerça, na medida em que consiga, o papel de um tipo de fascista norte-americano que encontro na seguinte passagem da descrição de John Lee Brook, um personagem fictício, criado por Roberto Bolaño em seu indizível “La literatura nazi en America:

- Sus temas preferidos y que se repiten a lo largo de todos sus poemas de manera a veces obsessiva, son la pobreza extrema en algunos sectores de la población blanca, los negros y los abusos sexuales carcelarios, los mexicanos siempre pintados como diminutos diablillos o como cocineros misteriosos, la ausência de mujeres (talvez aqui o único ponto em que Trump difira)... la decadencia de América, los guerreros solitários. (Anagrama: Barcelona, 2010, p. 160)

O estrago parece feito. Com um congresso conservador, e ao nomear um ou talvez até mais novos juízes da Suprema Corte, Trump consolidará a guinada conservadora nos Estados Unidos. Tomara não descambe ela para o fascismo. E, se isso acontecer, que a Califórnia consiga mesmo se separar da União.



Rodrigo Bornholdt é advogado, doutor em direito
e professor universitário

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O sapo e o príncipe













POR RAQUEL MIGLIORINI

Preciso voltar a um assunto já tratado aqui: o Vale do Encanto. Trata-se de um projeto que vende a idéia da falência da área rural substituída por condomínios residenciais de luxo e, por que não, industriais, na Estrada da Ilha e adjacências. Com a justificativa de que as atividades rurais não dão mais lucros e isso tem provocado um êxodo rural, o projeto propõe a expansão da área urbana para que seja possível o parcelamento daquelas áreas, fato que é ilegal em propriedades rurais.

Podemos analisar esse projeto por várias faces. A primeira me parece a mais óbvia: o município não dá conta da urbanização da área já existente, o que facilmente é constatado quando observamos  calçamento, asfalto, iluminação pública, transporte ineficiente, ciclovias ( e não ciclofaixas extremamente perigosas), drenagem, saneamento básico.

A segunda, seria o interesse por esse projeto. Segundo a Câmara de Vereadores e o Conselho da Cidade, foram coletadas cerca de 14 mil assinaturas (muito além da quantidade de moradores da área de abrangência). Ocorre que só um pequeno grupo freqüenta as reuniões na Câmara e no Conselho para defender a ideia. Por causa da pressão popular e por sugestão do próprio Conselho da Cidade, o projeto foi retirado da análise e engavetado no meio do ano, desvinculando-se da LOT.

Casualmente, assistindo uma sessão no Plenarinho, pela TV Câmara, me deparo com uma nova apresentação e discussão, com alegações de que estudos realizados provavam a eficiência do projeto e da urbanização da área. Gostaria de ver os estudos, realizados em tão pouco tempo numa área com grande fragilidade ambiental . Na página da internet (http://valeverdeencanto.eco.br/site/) podemos ler que não é objetivo do projeto descaracterizar a paisagem rural. Acontece que a impermeabilização daquela área, com uma série de construções, atinge diretamente o Rio Cubatão, que é nosso principal manancial de água potável. Portanto, não se trata de beleza.

 A terceira face é a forma primitiva e medíocre de apresentar soluções para pequenos grupos  mas que atingem toda a comunidade de uma cidade, cuja  visão financeira usada até hoje tem como principal característica a predação de recursos humanos e ambientais. Se a área rural já não é tão produtiva, não temos tecnologia e novas culturas para reverter esse quadro? Culturas orgânicas e produtos coloniais tem se mostrado altamente lucrativos e com aceitação cada vez maior no mercado interno e externo. Leite, hortaliças, frutas, ovos, etc. EPAGRI, Fundação 25 de Julho, UDESC, UFSC  se transformaram em órgãos públicos sucateados ao invés de fornecer pesquisas, soluções e oportunidades para quem está ou quer ir para o campo.

Quantas pessoas serão beneficiadas com a venda desses terrenos? Quanto tempo vai durar até que o projeto mostre sua falha ao controlar a densidade populacional na área? Por que o Ministério Público e todos os cidadãos são omissos ao se depararem com as centenas de ocupações irregulares na área rural? O poder público não fiscaliza, o que torna as invasões vantajosas por serem regularizadas posteriormente.

 Joinville coloca o título de príncipe em tudo, devido à sua história. Inclusive em muitos sapos que sequer um beijo muito apaixonado fará a transformação. Nesse caso, especialmente, o sapo não terá nem brejo pra morar.