sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O mal naturalizado














POR LIZANDRA CARPES

Vivemos em uma sociedade que encara como “o mal” apenas as grandes violências, terrorismo e o acompanha pela mídia manipuladora e vil que temos no Brasil. Logo, existem fatos que caem na insignificância e geram a banalidade do mal. Vem sempre de maneira manipulada pelo poder hegemônico e se alia aos preconceitos e ignorância das massas. A banalização do mal é tão orquestrada pelos que estão no poder que os próprios oprimidos acreditam que esta é a natureza do curso da humanidade.

Em muitos casos o violador de direitos “cumpre ordens”, no estilo daqueles que organizaram o Holocausto que Hanna Arendt descreve tão bem, a respeito do julgamento do nazista Adolf Eichmann. De acordo com esta leitura, ela levanta que o maior mal do mundo é aquele perpetrado por ninguém: o mal que é consequência de um sistema. É claro que ela retratou um fato histórico, mas a teoria vale para muitas situações onde o mal é banalizado.

Hoje é possível dizer que a banalidade do mal perpassa, por exemplo, no chão de fábrica. Uma gama de profissionais que atendem apenas ao apelo do sistema capitalista e jogam por terra a ética profissional de trabalhar “para e com as pessoas”. Criam formas de escravizá-las e maltratá-las. Engenharia, Ergonomia, Medicina e Gestão Interna, todas voltadas para as linhas de produção e lucro. O resultado são pessoas mutiladas fisicamente e psicologicamente.

Sem contar que se naturalizam também os preconceitos, inclusive com piadas. Naturalizar o preconceito é uma das mais cruéis formas de banalizar o mal. A xenofobia e a LGBTfobia são as mais contempladas na banalização do mal. É muito comum associar o nome de cidades e regiões do Brasil a  xingamentos, características e adjetivos pejorativos. Não é diferente com as referências às pessoas LGBT’s, usando a orientação sexual como ataque. Esta banalização se torna visceral dentro da sociedade e só termina com a violência que extermina vidas.

A banalidade do mal passa pela linguagem, pelo discurso e se concretiza quando o percentual de mortes neonatal de uma cidade é apresentado como  “excelente” por estar abaixo da média, porque vidas viram números e estatísticas. A banalidade do mal se expressa nas retiradas de direitos e nos ataques à Educação com a medida provisória que tira a obrigatoriedade e a oportunidade de toda uma nação falar sobre arte, filosofia, sociologia e educação física. E banalizar o mal se torna crônico e quase imperceptível, porque até os questionamentos serão abafados.


E quando a história nos questionar quem permitiu estas violações e banalização do mal, uns dirão que foi o governo. E os homens dos governos vão responder que foram eleitos pelo povo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Prazer, pastor Filipe
















POR FILIPE FERRARI



Estive dando uma olhada nos candidatos a vereador para Joinville, e algo (que não é nenhuma novidade) me chamou a atenção: os “pastores”. Na listagem dos 300 e tantos candidatos, cinco deles carregam em seus nomes “artísticos” alguma alcunha que remeta à religiosidade, tal qual “pastor(a)”, “evangelista” ou “capelã”. E, qual o problema disso?

Eu sou professor. Em algumas oportunidades, coloco esse título em frente ao meu nome, especialmente por questões profissionais. Entretanto, esse título me é concedido por um diploma, no qual consta o reconhecimento de uma universidade, reconhecida e chancelada pela instância máxima da educação nacional, o MEC. Se eu sair do país, mediante as burocracias necessárias, esse meu diploma é válido em diversos outros países do mundo. Agora, quem regulamenta a profissão de “pastor”?

A função de pastor/ministro/sacerdote é extremamente importante, e exige muito estudo. Em diversos âmbitos e círculos sociais, é essa pessoa quem presta auxílio para pessoas em depressão, questões conjugais, enlutados, aconselhamentos, entre outros. Até o século XX, e até hoje em determinados rincões desse país, as igrejas são um dos únicos espaços fomentadores de dignidade e socialização, especialmente em situações de marginalização social. Aí que está o problema da picaretagem. Assim como em todo ramo de trabalho, os picaretas pululam no cargo de ministros religiosos, e são os que trazem má fama à classe.

Aqui em Joinville, passamos pelo mesmo problema. Tem tecnólogo tatuadão (que, graças a Deus não concorre ao legislativo) que fez teologia em lugares meio obscuros (que comemora quando UM aluno consegue validar o diploma), tem pedagoga vereadora pastora que quer enfiar goela abaixo o Escola Sem Partido, e por aí vai. Na verdade, dos religiosos que concorrem à Câmara, apenas um deles declarou como profissão ser Sacerdote ou Membro de Ordem ou Seita Religiosa, apesar do Ensino Médio Incompleto. Sendo assim, até eu posso me chamar de pastor (não, obrigado, o título é uma ironia)!

Obviamente a regulamentação de um cargo como esse merece muita discussão, e não se pode exigir que o Estado interfira nas religiosidades. Entretanto, também não se poderia achar normal que pessoas se invistam de títulos e cargos para agir no meio público. Se determinada denominação acredita no seu “ungido”, que essa unção seja agente transformador (ou deformador) do meio que a aceitou. A autoridade religiosa para o meio público somente deveria ser levada em consideração se tivesse o aval da regulamentação oficial. Existem por aí excelentes escolas e faculdades de Teologia, que inclusive tem conceito máximo junto ao MEC e à Capes.


Afinal, sempre cabe a pergunta, você iria a um médico que exerce sua profissão sem um diploma, apenas pelo reconhecimento?

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Colombo erra ao querer militarizar a educação

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Uma das principais novidades advindas da reunião de Colombo com os empresários sobre a segurança pública, a criação de um colégio militar é um erro e não resolve os problemas da educação pública e da violência urbana. Pelo contrário, tende a piora-los.

Primeiro, é preciso relativizar que a educação militar educa melhor. Várias entidades atuantes na questão já mostraram que os colégios militares espalhados pelo Brasil não são totalmente públicos, apesar de serem sustentados pelo dinheiro público. No caso dos colégios de Florianópolis e Lages (modelos citados pelo governador), apenas 10% das vagas são abertas à comunidade, por sorteio (o restante é para os filhos dos policiais). Os diretores não são professores da rede pública, são militares.

A noção de “disciplina” presente nesse ideal camufla a falência do ensino público estadual, desvirtua o papel da polícia e abre mão da formação de sujeitos para formar cidadãos que obedecem ordens, tamanha a esterilidade social que a repressão estatal carrega nas fardas e condecorações. A tolerância, a divergência, a discussão e a livre manifestação passam longe dessas instituições rigidamente hierarquizadas.

Como se não bastasse, o alto custo de manutenção dos uniformes leva a uma elitização dos alunos, amplamente classificados como de classe média-alta nas demais unidades cedidas aos militares. Lembramos, também, que dependendo da unidade a ser escolhida para abrigar a nova metodologia, muitos alunos carentes podem ser forçados a buscar outra escola, distante do local de moradia, pois fazem parte dos 90% excluídos. Ou, ainda, entregar uma das melhores escolas da cidade para à militarização (é o que vai acontecer com Joinville, por exemplo).


Precisamos criar uma escola baseada em diálogo constante entre alunos, professores e gestores, construindo coletivamente um espaço de futuros adultos em cidades menos desiguais e mais inclusivas. O que falta em Joinville é diversidade na educação, e não militarização. Se, porventura, esse anúncio serviu como medida de combate à violência, esquece-se que a educação precisa desativar a ordem que exila o jovem nas periferias, ao invés de fomentar os valores bélicos. A mesma mão que mata os jovens, negros e pobres não pode ser aquela que os educa; nem aquela que mostra isso como natural para as próximas gerações.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Onkel responde.


Quem usa crianças em propaganda política pode dizer que tem as mãos limpas?

















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Tinha prometido não escrever mais sobre a candidatura de Udo Dohler. Mas é difícil. Fui surpreendido (acho que fomos todos) por um filme em que o candidato aparece rodeado de crianças, a fazer o papel de avozinho carinhoso, atencioso e preocupado com o futuro. Eis um tema que deveria incomodar as tais pessoas de bem. Há muito a dizer sobre a presença de crianças em propaganda – ainda mais propaganda política. E salientaria três pontos que parecem saltar aos olhos: o legal, o publicitário e o ético. 

Quanto ao aspecto legal, não sou jurista e posso errar. No entanto, sei que o uso de crianças em propaganda política – e não só – é proibido nas democracias desenvolvidas. Na Europa ocidental, por exemplo, nem pensar. O Brasil até tem regulamentação, mas com pouca aplicação prática. As muitas zonas cinzentas nas leis e o atraso cultural do país abrem caminho para políticos menos escrupulosos, que não respeitam o óbvio: as crianças são incapazes de compreender o contexto e não podem ser instrumentalizadas na política.

No entanto, mesmo o cidadão comum pode encontrar argumentos nas leis, a começar pela própria Constituição Brasileira, que define trabalho infantil como as tarefas realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 anos. E mais: o artigo 242 do Código Eleitoral diz que a propaganda não deve “empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”. Alguém tem dúvidas de que esse é o caso no filme do candidato? Mas deixemos as leis para os juristas.

Não é preciso um expert em comunicação para saber que a função das crianças no filme de Udo Dohler é comover e trazer simpatia (criar os tais “estados mentais, emocionais ou passionais” da lei). É coisa de marqueteiro. Em termos técnicos, as crianças servem como “marcador somático”. O quê? É uma teoria desenvolvida pelo neurocientista António Damásio, professor da Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA, depois integrada nas técnicas de publicidade (em especial o neuromarketing).

Da forma mais simples possível: os marcadores – armazenados no cérebro – fazem a associação a estímulos anteriores. É por isso que imagens de bebês, filhotes de cães ou gatinhos, por exemplo, fazem tanto sucesso na internet. A maioria das pessoas associa essas imagens a coisas agradáveis. É o mesmo com as crianças. O candidato tira proveito da associação às boas sensações que as imagens de crianças causam nos eleitores. Mas não passa de simples truques dos marqueteiros.

E por fim temos o aspecto que parece ser o mais relevante: a questão ética. Se Udo Dohler não vê impedimentos éticos em se servir de crianças para ganhar eleições, então está o caldo entornado. Quem usa crianças para se beneficiar politicamente não pode, em hipótese alguma, dizer que tem as mãos limpas. Porque não tem. O candidato pode contar com a falta de informação dos eleitores. Mas como homem público não pode negligenciar uma questão que é motivo de preocupação no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente. O assunto é sério.

Ademais, há muitas perguntas a fazer. E fico a imaginar a dificuldade dos assessores para explicar. As crianças receberam? É trabalho infantil. As crianças não receberam? É exploração infantil. Os pais permitiram? Um político não pode fazer vistas grossas para a irresponsabilidade paternal. E, por fim, a pergunta de um milhão de dólares. De onde vêm as crianças? De uma agência de atores e figurantes? Se for esse o caso, a responsabilidade trabalhista seria da agência. Mas, mesmo assim, o monstrinho da falta de ética ainda estaria a repousar no colo de Udo Dohler.

Legalidade. Publicidade. Ética. Para alguns pode parecer apenas um filme de campanha política. Mas para outros - e espero que a maioria - vai parecer um caso de uso indevido da imagem de crianças. Enfim, é uma ideia infeliz.


É a dança da chuva.