segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Quanto falta transparência, sobram questionamentos


POR JORDI CASTAN

O que há com a ampliação do ribeirão Matias? Há uma extensa lista de questionamentos feitos pelos moradores afetados pelas obras do ribeirão, que nasce na Rua Otto Bohem e tem sua foz no rio Cachoeira, na frente da própria Prefeitura. Questionam se o edital de licitação da obra foi efetuado com base em um projeto executivo da obra e o respectivo cronograma físico financeiro. 

Em caso afirmativo, pede-se que seja apresentado em via digital o respectivo projeto, cronograma físico financeiro e as ART (Anotações de Responsabilidade Técnica) dos responsáveis técnicos. Aliás, cabe aqui um parêntese importante. Quem acompanha as idas e voltas do projeto da duplicação da avenida Santos Dumont sabe que se estes passos básicos fossem regularmente cumpridos, a história daquela obra seria outra muito distinta.

Questionam também se o projeto que está sendo executado é o mesmo que foi licitado ou sofreu alterações. Caso tenha havido alterações, pedem que sejam listadas, especificadas e justificadas. Desnecessário dizer que se a administração municipal fosse tão transparente quanto diz ser, estes questionamentos não teriam razão de ser.

Outro questionamento é se estão previstas e detalhadas no projeto executivo da obra as intervenções nas infraestruturas pré-existentes (água potável, drenagem pluvial, gás, fibra ótica, energia elétrica, telefonia e outras). Quem acompanha as obras públicas municipais sabe que  planejamento, acompanhamento e fiscalização não são pontos fortes desta gestão. 

Assim, é pertinente a preocupação dos cidadãos atingidos pela obra. Pedem ainda que caso afirmativo, sejam apresentados em via digital os respectivos projetos e todos os documentos que obrigatoriamente formam parte de um projeto executivo completo. Solicitam que sejam apresentadas as ARTs dos resultados das sondagens (manuais, SPT, CPTU) realizadas em campo que permitam definir os tipos de fundações previstas no projeto executivo. 


MUITO TÉCNICO? - O texto esta ficando muito técnico? Para um leigo talvez. Mas obras públicas desta envergadura devem cumprir todos estes requisitos e muitos mais. Os moradores têm direito a exigi-los e os seus pedidos devem ser diretos, concretos e precisos, para evitar respostas vagas, inexatas e pouco precisas, que, aliás, são as que o poder público e seus órgãos técnicos normalmente fornecem quando não tem os documentos solicitados.

Como o cronograma físico financeiro atualizado da obra não está disponível, a solicitação é que seja apresentado. Assim como os contratos firmados pela Prefeitura municipal com os relatórios dos pagamentos já efetuados referentes às diversas etapas e ações da obra (projetos, planejamento, gerenciamento, licenciamento ambiental, execução e outros) com os seus respectivos aditivos.

Também solicitam o rol dos técnicos envolvidos em todo o processo e suas respectivas ARTs. Os estudos ambientais e a LAI (Licencia Ambiental de Instalação). Questionam se foi apresentado o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) da obra. Uma obra deste valor e impacto deveria ter um EIV e deveria ter sido amplamente discutida com os moradores especialmente aqueles afetados diretamente por ela.

Aliás, todos estes questionamentos trazem a tona não só a falta de transparência do poder público, mas também a falta de estudos técnicos para justificar tantas ações que tem sido feitas e continuam sendo feitas no planejamento urbano de Joinville. 

O governo municipal é muitas coisas. E não é muitas outras. Não é transparente, nem operoso. Tampouco é resolutivo. Mas é medalha de ouro em escusas, procrastinação e inépcia. O resultado é que os joinvilenses acreditam cada vez menos nele e, por isso tornaram-se cada vez mais críticos. Ou seja, estão menos propensos a aceitar as empulhações de quem quer justificar o que não faz. 



sábado, 6 de agosto de 2016

E dizem que não há racismo...




Júlia Rocha vive em Minas Gerais e divide a sua vida entre a medicina (é médica de família e comunidade) e a música (é cantora). Mas também é uma pessoa atenta às questões dos direitos civis. Foi uma das pessoas que denunciou o médico paulista do episódio da “peleumonia”, em que debochou de um paciente. Mas o clima de intolerância os racistas não perdem tempo. Eis…



sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Olha! Apareceu o prefeito!


POR FILIPE FERRARI

As redes sociais, grupos de Whats e espaços que frequento andam preocupados com o sumiço de algumas pessoas. Cada um em seu âmbito, muito se fala sobre o desaparecimento midiático do senador Aécio Neves, e aqui na nossa cidade, procurava-se desesperadamente um prefeito que deu o ar da graça essa semana para anunciar sua chapa que concorrerá ao paço municipal.

O chá de sumiço tem sido uma estratégia política importante na atual conjuntura brasileira, pois muitos políticos preferem ser esquecidos (e adotar estratégias agressivas de marketing nas eleições), do que estar sempre na linha de fogo da opinião pública. Quem deve, teme. Para estes, o esquecimento tem um papel importante em suas estratégias de campanha.

O historiador francês Paul Ricouer tem trabalhos interessantes sobre essa função da memória: o esquecer. Ele defende, inclusive, o direito ao esquecimento. Realmente, em alguns casos isso é importante, apesar dos diferentes tipos da ação do não-lembrar. O trabalho do governo alemão pós-holocausto é um exemplo. Fez-se um julgamento, colocou-se nome nos culpados, que foram então penalizados, ergueram-se (ou preservaram-se) museus e lugares de memória, e hoje a nação alemã tem sobre si a sombra do genocídio, mas essas gerações não precisam carregar a culpa. Foi. Aconteceu. Lembremos, mas esquecendo e nos libertando. É um trabalho psicológico de Estado e de cultura nacional.

Trabalho esse que foi desenvolvido em alguns países da América Latina com as Comissões da Verdade pós ditaduras. Trabalho que demorou a ser feito no Brasil, e que ainda não teve o alcance necessário, visto as aberrações que vemos nas últimas manifestações, ou mesmo as aberrações no congresso que pedem e defendem a Ditadura Militar.

Em época eleitoral, a estratégia do esquecimento é utilizada de forma canalha. Querem que se esqueça do candidato que foi condenado (sim, condenado; não delatado, julgado, suspeito...) por desvio de dinheiro público, querem que se esqueça do prefeito que fez mil promessas em cima da sua capacidade de gestão, e que paralisou a cidade.

Em determinados casos, o esquecimento é um direito, mas lembrar é um dever.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Essa nossa obtusa e anônima cordialidade


POR CLÓVIS GRUNER

No dia 19 de setembro de 2014, Hiago Augusto Jatobá de Camargo, de 21 anos, cabo eleitoral da campanha de Dilma Rousseff, do PT, foi esfaqueado durante uma briga na praça da Ucrânia, em um bairro nobre de Curitiba, durante uma discussão com outros cabos eleitorais e um morador local que chutara uma das placas da candidata. Embora a polícia tenha descartado, rápido demais, a hipótese de crime com motivação política, a morte de Hiago foi um dos primeiros e mais trágicos indícios de que o acirramento não era algo restrito ao ambiente eleitoral. 

O clima de hostilidade já afetou gente à direita e à esquerda – de Janaína Paschoal a, mais recentemente, Letícia Sabatella –, em graus variados de violência. Uma de suas faces mais visíveis não é necessariamente nova, embora esteja a ganhar contornos cada vez mais sombrios. Falo de uma moral e uma conduta conservadoras (porque, a rigor, não se pode falar de um “pensamento conservador”), franca e abertamente reacionárias, responsáveis diretas pela proliferação da ignorância, o empobrecimento do debate e do ambiente políticos, a disseminação da truculência e a legitimação da intolerância como práticas cotidianas.

É interessante (e não deixa de ser também um pouco incômodo) que depois de oito décadas o “homem cordial”, o tipo ideal weberiano forjado por Sérgio Buarque de Holanda em seu “Raízes do Brasil”, ainda nos sirva como uma categoria de análise capaz de iluminar aspectos do comportamento político do brasileiro médio de hoje. Em linhas gerais, a cordialidade, segundo Sérgio Buarque, sintetiza nossa distância e indiferença em relação aos ritos que caracterizam a vida pública, mantendo a supremacia dos valores privados e domésticos. 

No Brasil, essa separação rígida entre as esferas pública e privada constitui-se na contramão dos valores liberais que estão no cerne das democracias modernas. Historicamente, foi a “vida doméstica” quem forneceu o modelo no interior do qual foram forjadas nossas composições sociais. E não há nada de positivo nisso: fundada nos laços e arranjos familiares, a cordialidade se estendeu até o espaço público, precarizando-o ao subordiná-lo aos interesses privados e familiares. 

O custo ético e político dessa subordinação é altíssimo. Porque no mundo moderno a palavra “público” não designa apenas “uma região da vida social localizada em separado do âmbito da família e dos amigos íntimos”, de acordo com o sociólogo americano Richard Sennett. Mas também, e principalmente, a possibilidade de conviver com uma diversidade significativa de pessoas pertencentes a classes, gêneros, etnias, religiões, hábitos, etc..., distintos dos nossos e daqueles que nos são próximos e íntimos. Ao abolirmos a distância entre as esferas privada e pública, fragilizamos nossa capacidade de conviver com o outro e passamos a tratar os assuntos e problemas públicos como se fossem, nas palavras de Sennett, “questões de personalidade”. 

“Em verdade, temos medo” – O resultado está aí, nas ruas, redes socais e caixas de comentários de blogs e sites de notícias. Em debates, tornou-se corrente o uso de termos como “idiota”, que eximem quem o utiliza de argumentar com o mínimo de razoabilidade. Se o assunto são os direitos humanos e das chamadas minorias – negros, gays e mulheres, principalmente –, os parâmetros para o diálogo, invariavelmente, reafirmam a incapacidade de compreender e conviver com as razões e motivações do outro em uma arena comum de coexistência, com a prevalência do “eu não gosto” ou o “eu não concordo” como arremedos de argumentação. 

Fala-se na precariedade das penitenciárias, na violência urbana e policial ou contra a redução da maioridade penal, e não faltará quem sugira “levar para casa” criminosos maiores ou menores de idade, porque não ocorre a quem o sugere que a segurança é um problema público, cujas soluções não são domésticas nem familiares. Gente que mal sabe localizar a Venezuela no mapa se arvora uma autoridade no país e em seus problemas. São os mesmos que falam em “meritocracia” e “Estado mínimo” quando o que está em jogo é assegurar direitos básicos e elementares à população mais fragilizada, mas não hesitam em apoiar o Estado no uso do aparato militar e repressivo contra movimentos sociais, por exemplo.

Nas páginas iniciais de “Kaputt”, o misto de reportagem e ficção escrito pelo italiano Curzio Malaparte nos anos de 1940 (e adaptado, no Brasil, para uma graphic novel simplesmente maravilhosa pelo quadrinista Guazzelli), o narrador apresenta os alemães como indivíduos amedrontados, que matavam e destruíam por medo: “Os alemães têm medo. (...) têm medo de tudo que é vivo, de tudo que é vivo fora deles. Medo de tudo que é diferente. (...) Têm medo sobretudo dos fracos, dos indefesos, dos enfermos, dos velhos, das crianças...”. 

Foi a gestão desse medo que produziu indivíduos precarizados e atomizados, dispostos a legitimar a barbárie nazista, ainda que pela indiferença. E pelo menos desde a análise do julgamento de Eichmann pela filósofa alemã Hannah Arendt, tornou-se mais ou menos comum a afirmação de que os regimes totalitários e autoritários – além do próprio nazismo, o stalinismo e outros tantos – sobreviveram não apenas pelo poder da força, mas pela sua capacidade de mobilizar afetos e lealdades do chamado “cidadão comum”, honesto, trabalhador e de bem. 

E ainda que se possa falar de uma “cultura do medo”, não devemos perder de vista que se trata, uma vez mais, de organizar o espaço público a partir de afetos privados. Há diferentes motivos que explicam essa permanência, atualizada, de nossa cordialidade, e a sistemática política do esquecimento que vigora desde o processo de abertura, no final dos anos de 1970, é um deles. O homem cordial brasileiro do século XXI, como o alemão dos anos de 1940, tem medo. E sabemos muito bem que o medo pode gestar e parir bem mais que a estupidez verborrágica dos comentários anônimos.