domingo, 21 de fevereiro de 2016

Marisa decide: pão na mesa ou saúde?

POR ARIADNA STRALIOTTO AMARAL*

Na correria, com a agenda sempre cheia, imersos em nosso universo particular, nos distraímos facilmente. Na maior parte do dia, o nosso status é "ocupado". É fácil vacilar e se desconectar do mundo que nos rodeia. O egoísmo e esse olhar desatento são compreensíveis até certo ponto. A vida do brasileiro nunca foi fácil. Mas tivemos, sim, um tempo de respiro. Agora, o ar está rarefeito novamente e muitos não têm mais fôlego. A crise é sintomática.

No ônibus, de volta para casa, depois de um dia intenso de trabalho, Marisa conversa com a amiga, faz as contas e infere que gastaria R$ 200,00 com plano de saúde para ela e para a filha. Como coração de mãe pulsa com um amor maior, ela até se privaria do plano, se possível, e pagaria apenas para sua pequena. Mas não funciona assim. São duas alternativas: ela garante o plano para as duas ou recorre ao SUS quando precisar. Neste momento, a segunda alternativa é a mais viável.

A opção é essa porque as contas do orçamento doméstico de Marisa não fecham. Mãe solteira, ela trabalha de segunda a sábado para oferecer o melhor a pequena Beatriz. No fim do mês, sempre longo demais, ela recebe R$ 1000,00 de remuneração. Com o desconto do plano de saúde e dos demais encargos, seu salário seria resumido a menos de R$ 800,00. Nem precisar dizer que é insuficiente para quitar as despesas fixas e oferecer o essencial para sua filha. “Eu tenho que escolher entre ter o plano e comer. Não vai dar para ter o plano”, conclui ela como quem se justifica e lamenta por não conseguir fazer mais pela sua menina.

Ainda inconformada, Marisa conta que o mesmo plano de saúde para as duas, se particular, é oferecido ao custo médio de R$ 400,00 mensais. A conta realmente é absurda e incoerente, principalmente se pensarmos que o gasto com saúde é duplicado para uma parcela grande de cidadãos. Pagamos pela saúde pública, e pagamos, também, para ter acesso ao serviço de saúde privada. A essa altura já tem gente pensando: “Que bom que tenho condições de pagar os impostos e o plano de saúde”. Enquanto agradecemos por essa chance, nos recolhemos, mais uma vez, em nosso infinito particular, quase ignorando a realidade que grita: Marisa e muitos outros não podem custear um plano. Ter condições de pagar pelo atendimento particular não é a grande vantagem. No mundo ideal, eu, você e Marisa deveríamos ter acesso à saúde pública de qualidade, sem pagar nada além dos nossos impostos. Porém, em um movimento contrário ao cenário ideal, observamos que a dificuldade no acesso aos serviços de saúde é crescente.

Em Joinville, no início de 2016, o Hospital São José registrou um aumento de 30% no número de pacientes. São pessoas em situação semelhante à da Marisa.  Antes tinham plano de saúde e, agora, com o enxugamento dos gastos e com o desemprego, o plano é acessório. Como diz Marisa, em uma fala que soa exagerada, mas extremamente realista: "Ou eu coloco comida na mesa ou eu pago o plano." Já não é uma questão de escolha, a prioridade é óbvia.

Enquanto a saúde de mãe e filha não se mostra frágil, a vida segue com pão na mesa e o amor materno que, muitas vezes, alimenta até a alma. Mas, se no meio do caminho, Beatriz precisar de uma consulta ela pode se deparar com uma morosidade que parece sem fim. Hoje, em Joinville, a demora por uma consulta com especialista em unidade de saúde se estende por meses e, em alguns casos, anos. Enquanto alguns pacientes aguardam, outros sentem dor demais ou têm urgência na consulta. Não dá para esperar. A opção é buscar o atendimento particular na rede de saúde privada e pagar a conta mais uma vez. Agora, quando o paciente não tem recurso, a dor é insistente e o sofrimento também. A fé aumenta e os dias de espera são minuciosamente contados. A sorte está lançada. A torcida é pela força. A luta é pela vida.

Dependendo do caso, em situação de emergência, se a Marisa precisar de uma internação no Hospital São José, por exemplo, ela corre o risco de ficar no corredor. Em 28 de janeiro, o hospital registrou superlotação com 60 pacientes acima da capacidade da estrutura que dispõe de 26 leitos. O cenário poderia ter ficado pior. Além da estrutura insuficiente, o Zequinha, apelido dado por funcionários e pacientes ao hospital, poderia ter ficado com um time de médicos ainda mais enxuto. Em 4 de fevereiro, o prefeito Udo Döhler assinou portaria suspendendo, por tempo indeterminado, a matrícula de 38 médicos residentes. Segundo a administração municipal, a ação geraria uma economia de R$ 1,3 milhão por ano aos cofres públicos.

São os médicos residentes, com a orientação dos preceptores, que atendem os pacientes no pronto socorro do hospital. Eles aprendem, acolhem e prestam cuidado e assistência mesmo em um cenário embaraçoso, com recursos escassos. Se confirmada a suspensão, as consequências seriam desastrosas. Com a pressão da classe médica, das entidades, do sindicato e de pacientes, o prefeito Udo Döhler recuou. A portaria foi revogada no dia 10 de fevereiro e os médicos residentes serão contratados. A sensação é de alívio, mas não dá para comemorar. A administração só fez diferente pela força da lei e do clamor da população. A suspensão da contratação dos médicos residentes, muito possivelmente, configuraria a privação do direito à saúde, uma vez que a redução da equipe de profissionais implicaria diretamente na diminuição da capacitada instalada de atendimento do hospital. Menos médicos, menos vagas, menos vidas.

Impossível não se sensibilizar com as preocupações de Marisa. Não é preciso viver na pele a dicotomia “pão ou saúde” para compreender o tamanho do descaso com a saúde. Mas também é muito difícil visualizar formas de intervir e lutar por transformações efetivas no Sistema Único de Saúde. O cenário está embaraçoso e precisamos arregaçar as mangas e mostrar-nos interessados em fazer diferente ao lado da gestão pública. Não dá para esperar que a gestão faça mais, se não mostrarmos nossas reais necessidades e nosso poder de transformação. É preciso ver além do nosso infinito particular.

Enquanto não conquistamos avanços, principalmente no serviço público de saúde, devemos buscar alternativas para vivermos bem, garantindo a nossa qualidade de vida e de quem mais pudermos. Este passa a ser um exercício fraterno que requer empatia e pede para cada um pensar em si, no outro, e no coletivo. É assim que a gente descobre que vale mais a pena saborear o pão, viver o amor, e, de preferência, esquecer que a vida está sempre por um fio. Diante de qualquer fragilidade, pode faltar recurso para restaurar a saúde, dar um nó em um novo fio e recomeçar. O jeito é ser bem consciente: a saúde nos pertence hoje, amanhã não se sabe. Só por hoje, eu, Marisa, Beatriz, e, acredito que você também, desejamos um país e uma Joinville com mais transparência, mais saúde, mais vida.

* Ariadna Straliotto Amaral é jornalista

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O alto preço da Câmara de Vereadores de Joinville











POR VANDERSON SOARES
Milhões e milhões são gastos mensalmente para manter Câmaras Municipais,  Estaduais, Congresso e Senado. Este preço, na teoria, deveria ser um investimento com altíssimo retorno para a sociedade, mas devido muitos fatores, hoje é apenas mais uma despesa para colocar na conta. 

Vamos nos restringir a observar a Câmara de Vereadores de Joinville, desafio o leitor a elencar 10 leis que impactaram positivamente a vida do joinvilense e que tenha saído da cabeça de algum dos atuais vereadores. Não dá pra encher uma mão. Para quem não sabe o vereador tem basicamente 3 funções: 1) Fiscalizar as ações do executivo, 2) Analisar as propostas e projetos de lei vindas do Executivo e 3) Propor leis no âmbito municipal.

Além de não se ver projetos de lei de qualidade, quando se faz oposição, não é inteligente, é apenas por pirraça partidária. Dias atrás um vereador do PSDB alegou estar acelerando a tramitação de um projeto de lei simplesmente porque um deputado do mesmo partido solicitou (se o deputado não ligasse, ele ficaria sentado em cima do projeto até a data fatal?)

Um vereador tem direito a 7 assessores (que você nunca encontra nos gabinetes, porque na verdade são cabos eleitorais, ao que tudo indica), diárias para viagens (que muitas são “visitas e reuniões” de um final de semana inteiro a algum deputado em Florianópolis, que não resultam em nada real) e um carro alugado pela Câmara. 

Nestes últimos dias entrou em voga o gasto excessivo com carros para a CVJ. Dos 19 vereadores, 14 utilizam carros alugados, apenas 5 abriram mão desta regalia.  Estes 14 simbolizam um gasto de aproximadamente R$ 400. 000,00. (dividido por 12 meses, dá mais que o salário dos vereadores).

São mesmo necessários? Todos os vereadores tem um (ou mais) carro particular, todos num padrão médio/ alto e ainda assim é necessário um carro da Câmara? O pior é que todos estes que tem carro, tem também um motorista na sua equipe de assessores. 

Não consigo enxergar a necessidade de um vereador ter direito a carro e motorista. São somente vereadores e por mais que gostem de se chamar de “Vossa Excelência” vieram do povo e deveriam ter o estilo de vida que tinham. Parece que ao ser eleito vereador o rei enche a barriga destes e se desinteressam pela cidade e partem para seus projetos políticos particulares. Não vamos generalizar, há bons e coerentes vereadores, mas são raros e em extinção. 

As Câmaras de Vereadores não sentem a necessidade e não se esforçam para economizar, elas tem direito a uma porcentagem da receita do município e essa porcentagem é mais que suficiente para a devida operação da casa, por isso em quase todo mandato o presidente da Câmara inventa uma reforma, obra, implantação de sistema de catraca, um mezanino, etc. 

A solução é simples: Não reeleja ninguém, principalmente quem já fez da política sua carreira profissional e, além disso, observe currículo, analise biografia, escolha bem o servidor público que você vai votar. A cidade só irá pra frente com gente boa na prefeitura e na Câmara.  

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Mania de historiador


POR VALDETE DAUFEMBACK

De acordo com Hobsbawm, o papel do historiador é relembrar o que os outros esquecem. Talvez seja em face desta responsabilidade que o historiador tenha uma profunda empatia por folhas escritas que o tempo se encarregou de lhes conferir o status de documentos, uma das fontes de pesquisa para compor a narrativa histórica.

Particularmente, admiro quem consegue facilmente se desfazer de papeis após a sua utilização primária, ou excluir informações antigas do computador sem que o sensor interno ponha limites à capacidade de descarte.

 No turbilhão das atividades profissionais não tenho muito tempo para selecionar, guardar ou descartar correspondências e informativos que chegam por via eletrônica, ou em suporte físico (livros, revistas, textos, fotos, cadernos de anotações, cartões, cartas, listas de nomes) que se acumulam durante o ano. Mas as férias têm múltiplas serventias, não são apenas para repor as energias, como querem alguns profissionais da linha utilitarista. Servem também para dar aquela atenção aos cômodos da casa e ao computador, a fim de aliviar a bagagem acumulada.

Como estava decidida em passar a limpo uma parte da minha história, revisitei gavetas que há muito tempo permaneciam guardiãs de lembranças. Entre os inúmeros papeis como comprovante de pagamento de mensalidades dos tempos da faculdade, holerites e notas fiscais, havia raridades como fotos, cartões e cartinhas enviadas por alunos. Uma cartinha amarelada pelo tempo me reportou a momentos significativos da minha profissão. Penso que consegui fazer a diferença na vida de alguém que precisava de apoio. Dobradas e coloridas, outras cartinhas se encontravam em envelopes. Eram de meninas, ex-alunas, que sentiram a minha ausência quando saí da escola em que lecionava e como pretextos escreviam cartas solicitando explicações sobre determinados temas históricos. Por que guardei durante tanto tempo estes papeis? Não encontro resposta racional. São coisas da alma. Ou será que é mania de historiador?

Enfim, após uma semana selecionando materiais, o resultado foi: voltem para os seus lugares, exceto alguns sem qualquer significado. Considero-me pouco apta à arte do descarte, em qualquer sentido. Imaginem então, guardar papeis com meu nome escrito e riscado com sangue, pimenta vermelha e regado à cachaça, encontrados em despacho num cemitério do município. O desejo de quem encomendou o despacho era de arruinar a minha carreira profissional. Cá estou, décadas depois falando neste episódio porque reencontrei a prova material. Oficio da profissão, um tanto quanto maquiavélico, ser amada por alguns e odiada por outros, ao mesmo tempo.

Férias também sevem para resolver pendências burocráticas em órgãos oficiais. Para complementar um processo de regularização fundiária iniciado há meses, necessitava inserir novamente no sistema informações anteriormente fornecidas com dados de outrem, à época, conseguidos por telefone. Que alívio quando percebi que as papeletas com as anotações estavam no envelope juntamente com o documento oficial. Pensei: “Mania de historiador, guardar anotações”!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Antenados...


CPI da Saúde: vereadores debocham da população















POR SALVADOR NETO

Um verdadeiro deboche, uma piada de mau gosto, e ainda por cima com muito dinheiro público – meu e seu – investido.

Esse é o verdadeiro resultado da tal Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde em Joinville (SC), que “trabalhou” (!?) durante seis (??!) meses para… defender o governo Udo Döhler (PMDB).

Muitas recomendações, extensa exposição de dados e praticamente nenhuma crítica mais incisiva à administração municipal. Essa é a tônica das matérias que saíram em todos os jornais da cidade e estado. Porque considero isso é um deboche? Já explico.


Porque a saúde na maior cidade de SC está ainda pior que há quatro anos. Porque Udo Döhler prometeu resolver o problema da saúde, que era fácil, porque "não falta dinheiro, falta gestão". E, está claríssimo como as águas límpidas do rio Cubatão, que foi só promessa.

Porque faltam remédios de uso contínuo e outros altamente necessários ao combate de doenças nas UPAs frequentemente.


Porque já cortaram até a entrega de fraldas geriátricas para idosos que necessitam uso em grande quantidade. Porque faltam materiais de higiene no Hospital São José e UPAs.


Porque o prefeito Udo quis cortar, sim, cortar a presença de médicos residentes no querido Zequinha, preocupado em tudo, menos em dar mais qualidade no atendimento à saúde dos joinvilenses.

Porque ele também já quis cortar a insalubridade dos servidores do mesmo Zequinha, sim, os heróicos servidores que atendem nossos doentes, com ou sem mazelas que se perpetuam por lá.


Porque não se resolve a falta de leitos no Zequinha. Porque há problemas sanitários em várias UPAs com infestações das mais diversas já documentadas e divulgadas por servidores.


Porque há filas em várias especialidades, e nada se resolve. Porque o Prefeito diz que gasta quase 40% do orçamento municipal em saúde, e ninguém quer, pede, promove ou age no sentido de uma auditoria séria para saber se isso é ou não verdade!


Porque não uma auditoria, verdadeiramente independente - não de amigos do alcaide, por favor - para se verificar onde está o ralo por onde escoam nossos recursos? Ou para saber se não há desvios, erros, etc, etc. Auditoria gente, urgente!


Porque somente neste governo já passaram pela secretaria da Saúde três nomes, três secretários, a última retirada a dedo da Procuradoria do município, com laços de parentesco com a promotora que pediu o afastamento do Prefeito, e que está ali apenas para ocupar a cadeira. Porque a saúde não é prioridade do governo, tampouco dos vereadores.


E porque, leitores e leitoras, o Ministério Público tem um trabalho imenso de cobranças ao executivo municipal, inclusive com ações propostas até de afastamento do Prefeito diante do caos – lembram da promotora Simone Schultz?


Pois é, a tiraram da promotoria… – e exatamente por isso, os vereadores não precisariam gastar tanto o nosso dinheirinho suado para fazer de conta que estão preocupados com a saúde! Já havia um longo e árduo trabalho do MP, pronto!


Por tudo isso, e muito mais que deixo aos leitores e leitoras completarem a lista, já que sofrem na pele a falta de uma saúde pública digna, é que produzir um relatório deste nível é sim um gigantesco deboche com o povão da cidade que produz dioturnamente os lucros que engordam poucos bolsos na província.


Anotem os nomes dos membros da tal CPI que produziram esse documento deboche, um calhamaço de papel que não serve para nada: João Carlos Gonçalves (PMDB), presidente; Jaime Evaristo (PSC), relator – estes criaram o “belo” relatório final.


Os vereadores Maycon Cesar (PSDB) e Manoel Bento (PT), pediram vistas (ver novamente e propor mudanças) ao relatório, que foi negado por João Carlos e Jaime Evaristo. Roberto Bisoni (PSDB) não compareceu na apresentação do relatório (novidade?), mas é governista.


O tal relatório da CPI da Saúde é um deboche sim, porque a total falta de independência do poder legislativo faz muito mal para a população! 


Nada se investiga, nada se cobra, e pouco se fiscaliza. Seria o medo da Acij, da falta de financiamento das campanhas? Vereador têm sim de fazer valer a força do seu mandato, dos votos concedidos a ele. Entra pelas mãos do povo, e vota de acordo com interesses nada populares?


Por isso que sempre batemos na tecla: o povo deve acompanhar e fiscalizar os seus eleitos, todos os anos, todos os dias, ver como votam, a quem defendem. Senão, em outubro próximo, serão novamente enganados nas eleições.


Esta é mais uma vergonha da atual legislatura da Câmara de Vereadores de Joinville. Um deboche que dói na saúde de cada trabalhador e trabalhadora. 


Um deboche que merece o repúdio da população, a fiscalização, a cobrança, e claro, a resposta no momento do voto. 


É assim nas teias do poder...