sábado, 10 de janeiro de 2015

Caviar e Moët & Chandon para todos



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Hoje vou fazer a minha homenagem a um pessoal injustiçado: a esquerda festiva (que alguns tolinhos chamam “caviar”). Aliás, quem acompanha o blog já viu que muitos leitores me acusam de ser dessa tal esquerda. Não sei se a intenção é chatear, mas não chateia. É um elogio, porque esse é o meu time.

- As pessoas têm que ter um lado. Eu tenho.

Ora, o meu lugar foi e sempre será onde está o pensamento humanista, que, não tenho dúvidas, só pode ser de esquerda. Mas, claro, não abro mão de um clima de festa. Porque a festa é uma espécie de “espanta-reaças”, essa gente muito triste e amargurada. Aliás, há uma lição que aprendi desde que li Marx, o Groucho.

- Eu bebo para que as pessoas fiquem interessantes.

Só há uma diferença. É que antes, nos tempos mais inflamados, eu bebia cerveja e hoje prefiro vinhos de qualidade. Sinal dos tempos. Ah... e eu sou daqueles socialistas que querem socializar a riqueza, ao contrário dos caras que andam por aí a socializar a pobreza. Os reaças me mandam para Cuba, mas eu vou mesmo é para a Noruega. Caviar... e champanhe.

- Desce um Moët & Chandon, companheiro. 

Quem é da minha geração sabe disso. A gente só podia ser da esquerda festiva. É que escapamos ao período mais duro dos anos de chumbo. Eu só me vi com idade para a política ativa quando a ditadura já estava a se esboroar. Então, com a milicada a deixar o poder e a abertura a chegar, tínhamos motivos de sobra para comemorar.

- Tem gente que ficou triste e ainda hoje está em luto pelo fim da ditadura.

Outra coisa. Cá entre nós, sempre achei meio chata a ideia de revolução armada. Não gosto de armas. Nunca dei um tiro na vida. E não sou chegado em violência. É por isso que prefiro fazer revoluções na mesa de bar (aqui em sentido figurado). Até porque a revolução das pessoas e das ideias também é essencial. E não há ambiente mais revolucionário do que uma mesa de bar, no sentido do que pretenderia Habermas.

- Ébrios do mundo, uni-vos!

Ah... e há injustiças que o mundo precisa corrigir. A maioria das pessoas parece não reconhecer, mas ser de esquerda é para lá de difícil. Vamos analisar: como é que um cara acaba aderindo ao ideário da esquerda? Ora, é preciso ler muito. Ler, ler, ler. E olhe que esses autores de esquerda escrevem feito loucos, com teorias cada vez mais complexas. O leitor precisa de resistência de maratonista.

- E você, caro reaça, quantos livros a sério já leu na vida?

Outra coisa chata é o estereótipo (que vem dos anos 60). Todo mundo vê os homens de esquerda como uns caras barbudos que não tomam banho, usam sacolas a tiracolo e boinas estranhas. E as mulheres são umas desgrenhadas, que não cuidam da aparência e não raspam os sovacos. Mas, no que me diz respeito, o fato é que as mulheres de esquerda são muito interessantes. Porque elas também se cuidam e, principalmente, têm o que dizer.

- E bom ter o que falar depois do sexo, nenão?

Outro troço engraçado é ser chamado de radical. Não me importo. Mas a palavra foi deturpada pela direita. Ser radical é ir à raiz dos problemas (o que é bom), mas alguém fez acreditar que os radicais são um monte de gente de turbante pronta a explodir tudo. Até houve um tempo em que éramos “xiitas”. O leitor lembra? Aliás, já perdi o bonde: hoje em dia os xiitas são bons ou maus? Antes, quando Saddam Hussein era amigo, os xiitas eram bandidões ferozes. Mas depois da queda e do cadafalso para o ditador, eles voltaram a ser pessoas simpáticas? Os maus são os sunitas? Ah... a história.

- Talibã bom é talibã morto?

E por fim, faz três anos que somos perseguidos pelos anônimos aqui do blog. Os coitados não sabem fazer um zero com o fundo de uma garrafa, mas estão sempre prontinhos para iniciar o xingamento? Com tanta pressão, preconceito e perseguição, eu fico estressado e bem que mereço uma festinha para compensar.

- Um brinde a la revolución... tchim tchim.


É como diz o velho deitado: “Liberdade, igualdade, fraternidade - caviar e Moët & Chandon para todos”.




sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

12 mortos pela liberdade

POR SALVADOR NETO

Paris, 7 de janeiro de 2015. Um atentado contra o semanário Charlie Hebdo, publicação conhecida na Europa pelo sarcasmo, críticas ácidas, inteligentes e corajosas, e também pela irreverência com que tratava a sua política editorial, não poupando nada e ninguém, deixa 12 mortos. Segundo a policia, três homens encapuzados e armados com fuzis entraram na redação e executaram os principais nomes do jornal, entre eles os principais cartunistas do país. Segundo a polícia, seriam jihadistas, muçulmanos, a vingar o profeta Maomé pelos ataques feitos pelo jornal francês.

Pouquíssimos por aqui conheciam a publicação, e tampouco os cartunistas mortos. Desde a publicação de uma charge de Maomé, em 2011, os diretores do Charlie viviam sob cuidados policiais, já que foram ameaçados de morte, e a sede do jornal sofreu atentados. Falamos de um país do primeiro mundo, onde a longevidade de sua civilização e cultura deveria demonstrar, exatamente, mais civilidade. O que vemos é que no quesito ódio e intolerância, estamos no mesmo andar. E o que isso pode significar? De onde observo, vejo que estamos a descer os andares, e logo chegaremos ao subsolo do subsolo da violência.

Este ano completam-se 70 anos do massacre promovido pelos EUA contra a população das cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki, bem como do final da II Guerra Mundial, a mais sangrenta da história. A partir dali imaginou-se um mundo livre das guerras, com paz e civilidade. Criou-se a ONU, hoje um órgão que fala para o deserto em que se transformaram as relações entre as nações. Sucederam-se massacres pelo mundo, desde a URSS com Stalin, Israel contra palestinos, Sarajevo, Kosovo, bombas em metrôs de Madrid, Londres, bombas humanas a explodir em mercados. Sete de setembro nos EUA. E tantos outros.

Em todos esses e tantos outros momentos, a liberdade de expressão sempre foi sufocada por ambos os lados envolvidos em conflitos. Jornalistas, cartunistas, artistas, todos que se manifestem por A ou B, critiquem, denunciem, viraram e viram alvos de quem busca o poder hegemônico, ou de quem deseja se defender das imposições desse poder. No Brasil da ditadura, centenas de pessoas foram mortas por querer a liberdade e denunciar as arbitrariedades. Nós jornalistas fomos, somos e seremos alvos permanentes de quem detém poder. Essa intolerância com a opinião e os desejos dos outros não morre nunca. Quem morre a cada atentado é a liberdade.

Venho do horrendo atentado em Paris até o nosso país para dizer que aqui também as coisas não andam bem. Pouco se divulga, mas a intolerância religiosa cresce muito ano a ano. Terreiros de candomblé sofrem atentados. Somos o país campeão do mundo em assassinatos de homossexuais. Na última campanha eleitoral vimos diariamente nas redes sociais o ódio na via da política, contra nordestinos, contra pobres, negros, minorias. Pessoas que agora falam, compartilham notícias sobre o atentado contra a Charlie Hebdo, muitas delas são as mesmas que defendem a volta da ditadura no país por não aceitarem o resultado das urnas. Estamos gerando um novo ovo da serpente.

Essa barbárie contra profissionais livres, homens e mulheres que lutam diariamente pela liberdade, e liberdade de expressão, deve servir não para amedrontar os que continuam na batalha denunciando o ódio e a intolerância. Porque esse é o desejo de quem financia, planeja e promove tais atos de morte e ódio, empurrar a sociedade para guetos do medo. Há mais escondido sobre esse ato contra a liberdade do que podemos enxergar, muito mais do que a falsa questão religiosa que visa manter e ampliar uma pretensa guerra santa entre ocidente e oriente. Cabe a nós continuar a luta pela liberdade, por mais humanidade, pela cultura da paz. Em nome dos 12 mortos em Paris.





quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O rigor e o "eu acho"...

POR BELINI MEURER

O pensador grego antigo, Platão, em seus diálogos da República, definia toda a estrutura do conhecimento humano a partir de duas categorias: episteme e doxa. Na primeira, o filósofo retratava o conhecimento a partir de um rigor na sua produção, elaborado sob uma depuração de tudo aquilo que pode interferir na validade; para o segundo, o ateniense apresentava o conhecimento como contrário ao seu anterior, algo apenas opinativo e que por isso, não podia ter a pretensão de verdade.

A preocupação do discípulo do Sócrates não difere tanto daquelas dos pensadores dos tempos atuais que caracterizam outros dois conceitos, mas que obedecem a mesma lógica: estrito senso e lato senso. De um lado a preocupação científica, com seu rigor acadêmico nas pesquisas, e, do outro, o conhecimento sem qualquer elaboração, a opinião. Para alguns, o tal de "eu acho".

Longe de se ter a pretensão de buscar uma verdade absoluta, o que se quer refletir aqui é a força do senso comum, na opinião pública, o tal do "eu acho" que se impõe, criando debates frágeis e com dados insustentáveis. Certamente que o senso comum não deve ser descartado, exatamente porque ele é o próprio conhecimento bruto a ser lapidado.  Entretanto, a pretensão da cientificidade é se despir de toda e qualquer manifestação do senso comum, como ideologias, crenças religiosas, costumes, tradições e concepções sobrenaturais etc.

A dificuldade do tema é que nos tempos atuais, com as facilidades das midias interativas, com publicações facilitadas,  o que perpassa por entre as pessoas é uma visão de mundo despida de qualquer rigor científico. Isso acontece também com mais facilidade porque parece haver entre as pessoas uma predisposição a acreditar em algo simples, mas recheado de símbolos.  

E assim, quando aparece um expoente midiático afirmando algo - mesmo que fechado em uma doxa, em um senso comum, parece logo ocorrer uma onda geral e muitos indivíduos passam a ter algo a dizer, mas requentando o que fora dito. Isso faz lembrar o que já dissera o pensador francês, Jean Baudrillard: "Bobagem, as massas resistem escandalosamente ao imperativo da comunicação racional. O que lhes dá sentido e o elas querem, é espetáculo".




quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Perco a vida, mas não perco a piada.


Todo verão é a mesma história

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O ano de 2014 acabou, as festas de fim de ano também. A cidade aos poucos vai ganhando a sua forma deprimente de sempre (um ciclista, menino de 8 anos, já morreu em 2015 por causa da insegurança que assola a mobilidade joinvilense). Mas é necessário fazer um registro do que aconteceu nas praias da região neste período festivo, principalmente pelo lado urbanístico da coisa, pois as cidades litorâneas são o escárnio da qualidade de vida e da urbanidade.

A sazonalidade do veraneio brasileiro causa grandes impactos para as cidades, as quais não possuem uma estrutura adequada para seus moradores fixos e nem para os turistas. Todos os problemas já existentes se multiplicam exponencialmente devido ao acúmulo de gente no mesmo ambiente. E quando não há uma organização mínima, a falta de respeito e de alteridade imperam, graças ao ser humano dotado de suprema inteligência.

O que mais presenciei foram desrespeitos a tudo aquilo que defendemos durante os outros meses de dano, sobretudo aos direitos dos ciclistas e aos pedestres. A quantidade de carros amontoados em cima das calçadas foi absurda, só porque era o lugar mais perto da praia. Faixa de pedestres, no alto verão, tornou-se apenas um acessório que ilustra as ruas. As ciclovias (ou ciclocoisas, dependendo do lugar, quando existem) foram sistematicamente desrespeitadas e fiscalização alguma surgia para combater a infração. O resultado todos já sabemos: vidas humanas colocadas em risco.

É incrível como o brasileiro é um analfabeto urbanístico (usando o termo empregado pela professora Ermínia Maricato) e as gestões municipais são omissas. E mais assombroso é como nas praias, durante o verão, isso se exacerba. Vira uma terra sem lei, onde ser "espertinho" é sempre o melhor e danem-se os outros, pois ninguém irá fiscalizar. Infelizmente é algo repetitivo. Você vai para a praia fim de ano e vai encontrar este cenário descrito.

Ou as cidades litorâneas mudam seu pensamento, ou nosso tipo de turismo ficará saturado em pouco tempo. O mar, por si só, não garante qualidade de vida. Ter lindas praias não segura o turista todos os anos, pois o meio em que ele convive está piorando e a qualidade de vida é tão ruim quanto os grandes centros urbanos brasileiros. A capacidade de inovar precisa vir destas cidades litorâneas, principalmente das mais desejadas pelo setor imobiliário, graças à aplicação dos instrumentos redistributivos do Estatuto da Cidade. Com transporte público eficiente, mobilidade com segurança para todos, organização fundiária e sanitária as cidades se tornarão minimamente melhores do que são hoje e trarão muito mais renda pelo turismo (e durante o ano todo, sem depender somente do veraneio).