quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

18 meses sem licitação e querem culpar a população

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Foto: Rogerio Souza Jr/ ND Online

Um dos grandes desafios de Carlito Merss era fazer a licitação do transporte coletivo. Não conseguiu cumprir. Desde que o contrato das permissionárias Gidion e Transtusa foi assinado em 1998, todos sabiam que dentro de 15 anos se daria o vencimento do mesmo. Udo Dohler assumiu sabendo disto. Após um considerável tempo de mandato, comunicou oficialmente que não conseguiria fazer a licitação dentro do prazo legal, e uma prorrogação emergencial das permissões seria necessária. Semanas depois, um novo comunicado dava conta de que uma nova prorrogação será feita, para atender aos pedidos dos movimentos sociais de Joinville, principalmente a Frente de Luta pelo Transporte Público. A sensação das entrevistas oficiais do prefeito na mídia é a de que o povo foi o culpado, e não os 18 meses de incompetência (já com a data da primeira prorrogação) para a não-elaboração da licitação.

O jornal A Notícia do último dia 10 retrata com perfeição esta manobra, a qual parece ser um favor de Udo Dohler perante a população:

Um mês depois de ter prorrogado a concessão do transporte coletivo com as empresas Gidion e Transtusa até o meio do ano, o prefeito Udo Döhler (PMDB) admite que terá de ampliar ainda mais o prazo antes de lançar o edital para a contratação das novas empresas que irão operar o sistema. A justificativa para o atraso é o pedido do Movimento Passe Livre (MPL) de que sejam feitas pelo menos 14 audiências públicas para discutir o edital.

—Não vamos mais apressar as coisas, nem nesse assunto e nem na LOT. Se é para discutir, iremos discutir com calma. O MPL quer 14 reuniões, sugerimos fazer oito, mas se o objetivo é debater, iremos debater e levar todas as opiniões muito a sério. Mas com isso, só se descer o santo para conseguirmos lançar o edital sem esticar a concessão um pouco mais—, explica o prefeito Udo Döhler (PMDB).

Esta declaração do chefe do executivo municipal muito me estranhou, principalmente ao lembrar da lei federal que instituiu o Plano Nacional de Mobilidade Urbana (lei 12587/12). Neste documento está muito claro que todos os cidadãos possuem o direito de serem ouvidos no que diz respeito ao planejamento da mobilidade urbana municipal, conforme enciso II, art. 14 da referida lei. Ou seja: não é nenhum favor, é obrigação.

Entretanto, os 18 meses de incompetência da atual gestão (sem esquecer as falhas da gestão anterior) deveriam ser apagadas de alguma maneira. A situação mais cômoda, como sempre foi, é o jogo de palavras, muito bem articuladas pela equipe técnica que assessora as estratégias do prefeito. E a culpa caiu nos movimentos sociais, os quais apenas querem fazer a lei ser cumprida.

A tentativa de desmoralização dos movimentos é evidente e recorrente. Vale lembrar que o mesmo aconteceu (e acontece) com os movimentos contestatórios da nova LOT, costumeiramente chamados de "donos do atraso", etc. Agora continuam com a insinuação de que tudo atrasou por culpa dos outros, e não por estarem fazendo as coisas da maneira errada. Como se a atual gestão não soubesse dos preparativos necessários para se fazer uma política de transporte seguindo a legislação vigente, pois, afinal de contas, o IPPUJ está lá desde a década de 1990 para isso.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Cão Tarado não me representa!


Direitos Humanos, o que é isso?

POR FABIANA A. VIEIRA

Alguém lembra da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados antes da presidência do deputado pastor Feliciano? Acompanhou a discussão da demarcação de terras indígenas, a violação dos direitos humanos, as políticas de igualdade racial, o arbítrio do poder de polícia nas mobilizações sociais, a situação medieval do sistema penitenciário ou os planos nacionais de Direitos Humanos ou combate à homofobia?

Às vezes só um susto faz a gente entender melhor as coisas. Ao mesmo tempo em que lamentamos a experiência retrógrada e perigosa da religião invadir a seara da política e produzir verdades da crença contra a contemporaneidade laica, devemos reconhecer que o mandato Feliciano na CDHM despertou a responsabilidade que é preciso ter com pequenos e relevantes detalhes da vida política.

No caso, todos aprenderam com a experiência quase trágica. O PT abriu mão de presidir a comissão pela opção de comandar áreas estratégicas do parlamento.  Depois de um longo período liderando a CDHM os petistas resolveram brincar de outros assuntos. Os demais partidos conservadores que não tem nenhum interesse pelos direitos humanos lavaram suas mãos e a comissão foi parar na carteira de um partido pequeno, quase inexpressivo, mas dominado pela inflexão religiosa. O resultado não poderia ter sido outro do que a contradição explosiva entre o preconceito e as mobilizações sociais. O radicalismo sugeriu uma divisão social e o fomento do ódio, quase uma luta civil. Até aqueles que tratam a religião como uma manifestação legítima e necessária da fé, repudiaram a aventura de misturar as coisas e fazer do aparelho legislativo um palanque de teses fundamentalistas.

Ao querer tratar as relações entre o mesmo sexo como doença, o pastor presidente mostrou que a minúscula e ignorada comissão da Câmara dos Deputados poderia fazer grandes estragos em mãos erradas. Passamos a entender mais verdadeiramente que a atividade legislativa, fazer leis, dizer o que pode e não pode legalmente, é uma função que merece respeito. Mais do que a face costumeiramente exposta do proselitismo, da demagogia e da corrupção, características sempre associadas aos parlamentares, os políticos tem um papel social que pode impactar decisivamente na ordem das coisas. Fazer uma lei amplia um direito e inaugura novos direitos, novas práticas, novas etapas civilizatórias. Mais uma vez, pela evidência do erro, aprendemos que precisamos obrigatoriamente escolher bons e confiáveis representantes para fazer a boa política.

A CDHM é tão importante como a Comissão de Educação, de Seguridade , de Constituição e Justiça ou da Amazônia. Debate e delibera sobre questões fundamentais para o exercício da liberdade e para a dignidade da vida humana. Exigir uma agenda afirmativa para o avanço dos direitos humanos é só o básico.

O PT, maior partido do Congresso, que lidera a coalização governamental e dirige a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, agora voltou atrás e vai presidir a CDHM. Espero que agora a ordem das coisas volte ao bom senso e seja possível discutir com mais seriedade questões que tencionam o nosso cotidiano como a intolerância dos ruralistas contra a demarcação de terras indígenas, o comportamento hediondo de racismo nos jogos de futebol, a escravidão moderna  e destruidora do futuro representada pelo trabalho infantil , os mau tratos contra idosos ou as renitentes e violentas discriminações pela opção sexual e contra mulheres que ainda teimam em desafiar a igualdade e a liberdade de opção em pleno século 21.

Querer recuperar o tempo perdido por um erro é uma situação que todos passam e que raramente conseguimos atingir com pleno sucesso. Por isso, para que a Câmara evite errar novamente, basta humildemente aprender com os próprios erros e levar a sério o verdadeiro significado dos direitos humanos.

Também seria bem interessante que todos nós pudéssemos acompanhar com mais atenção e participação o debate realizado pelos nossos representantes, não só em plenário, mas principalmente nas comissões, sejam elas quais forem.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Eu, consumidor

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Na semana passada rolou uma coisa esquisita. Recebi algumas mensagens de pessoas que me acusavam de estar a ser inconveniente. Tudo porque achei que devia ser bem tratado no comércio local. Que ousadia a minha. Tem gente achando que devo ficar caladinho quando sou destratado? Essa estúpida inversão de valores causou alguma azia e por isso volto ao tema.
Ora, leitor e leitora, é o oposto. Não é o estabelecimento comercial que faz o favor de me servir. É uma relação comercial. Uma empresa oferece um serviço e o consumidor paga por ele. Isso implica tratar bem o consumidor e respeitar os seus direitos (porque eles existem). É assim em civilização. Quem não se antenou está com um atraso histórico de pelo menos meio século. Na sociedade de consumo, a palavra é do consumidor.
Para repor os fatos históricos, resgato aqui o discurso do presidente norte-americano John Kennedy, feito no dia 15 de março de 1962, quando finalmente foi reconhecida formalmente a figura do consumidor e a sua importância para a economia. Foi esse discurso que abriu caminho para legislações específicas que vigoram em todas as economias de mercado.
Eis parte do discurso do presidente dos Estados Unidos: “Por definição, o termo consumidor inclui a todos nós. Eles são o maior grupo econômico, que afeta e é afetado por quase todas as decisões econômicas públicas e privadas. No entanto, é o único grupo importante cujos pontos de vista muitas vezes não são ouvidas”. A partir daí, o consumidor passou a ter voz e garantias. Quem não ouviu ficou no passado.
Qualquer empresário - seja do comércio, da indústria ou de serviços - sabe que o seu maior valor é a marca. E a construção dessa marca exige que o consumidor seja tratado com respeito. Não é favor nenhum. É uma obrigação. Por mais que um empresário ache que o seu negócio vai bem e tem margem para descurar o serviço prestado ao consumidor, uma hora ele vai pagar esse preço. É a economia.

Uma informação importante. Na Europa, em muitos países os bares e restaurantes têm uma coisa chamada “Livro de Reclamações” (foto), onde os clientes podem registrar as suas queixas. Há três vias. Uma fica com o cliente, a segunda no próprio livro e a outra deve ser obrigatoriamente enviada à entidade pública responsável pelo setor. Os comerciantes temem tanto as reclamações que fazem de tudo para evitar o recurso ao livro. Ou seja, atendem bem.
Mas tem gente defendendo a ideia de que é normal o consumidor ser mal-tratado. Ou afirmar que quem não está bem que se mude. Ou dizer que é o consumidor que deve se adaptar à lógica do comerciante. Ora, o texto da semana passada falava de uma certa “patologia da normalidade”. Infelizmente, essa normalidade impõe uma mentalidade terceiro-mundista, como podemos ver em alguns comentários ao texto da semana passada.

O tais leitores podem achar normal, mas eu não gosto de sair de um bar pela porta dos fundos e sem qualquer explicação. Mas isso sou eu...

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A reforma administrativa e o "Aurora"

POR JORDI CASTAN

Nem todos os episódios do início da história de Joinville são suficientemente conhecidos e estão propriamente documentados. Algumas histórias correm o risco de se perder se não forem recuperadas pelo trabalho dos pesquisadores e estudiosos. Conhecer a nossa história recente é importante, para não cometer os mesmos erros do passado.
A chamada reforma administrativa, proposta pelo prefeito Udo Dohler, imediatamente trouxe a memória o episódio protagonizado por Adolph Gottlieb, capitão do navio “Aurora”, que partiu do porto de Hamburgo em janeiro de 1859, com destino a Joinville, naquela época denominada Colônia Dona Francisca.  A saída do porto de Hamburgo foi num dia cinzento e frio, com água e neve batendo a coberta do “Aurora” e dezenas de famílias agasalhadas com pesadas roupas de lã, para se proteger do vento cortante.
À medida que o navio se dirigiu ao sul, as temperaturas ficaram mais amenas e, na costa do Algarve, os tripulantes e os passageiros desfrutaram de um clima quase primaveril. A costa de Marrocos, próximo a Casablanca, os recebeu com um calor sufocante, acentuado pela vestimenta pesada e de cores escuras que todos usavam.
Quanto mais ao sul o “Aurora” rumava, maior o calor e a umidade. E aos poucos também começava a ficar evidente o fedor que exalavam os passageiros e a tripulação, vestidos ainda com pesadas roupas de lã e sem adequadas condições de higiene a bordo. A situação chegou a ficar insuportável e mais de uma dama perdeu o conhecimento, tal a fetidez que exalavam todos. Foi neste momento em que o Capitão Adolph Gottlieb tomou uma atitude heroica e chamou a todos, passageiros e tripulantes, à coberta.
- “As condições de higiene ficaram insustentáveis e para preservar a saúde de todos a bordo, ordeno que troquem de roupas.” Todos quedaram atônitos ante uma ordem deste tipo, nunca vista antes num navio da companhia. Ante o espanto e inação de todos, o capitão bradou: “Helmuth troque as calças com o Norbert, Norbert troque de camisa com o Klaus, Klaus troque de cuecas com o Wolfgang, Wolfgang você troque as meias com o Joseph.” E seguiu dando ordens imperiosas. “Helga, troque a camisola com a Eva, Eva troque as suas anáguas com a Hilde, Hilde troque a blusa com a Heidi, Heidi troque as meias com a Gertrude.” E assim até que todos a bordo trocaram toda a roupa.
O “Aurora” continuou a singrar até chegar à foz do Cachoeira, e a sua chegada foi anunciada pela fetidez antes que se fizesse visível para os habitantes da incipiente colônia. Porque será que a reforma administrativa anunciada pelo prefeito me fez relembrar do episódio do “Aurora” e do capitão Adolph Gottlieb?