sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Madiba já está fazendo falta

Nelson Mandela, PRESENTE!
POR FELIPE SILVEIRA

Vocês que dizem que a sociedade não é racista, vocês me dão nojo. Vocês fazem todo tipo de manobra pra fingir que não vêem e até mesmo se enganar que não há racismo. São patéticos. Querem a prova? Vou contar aqui um caso gravíssimo de racismo, ocorrido numa escola de ensino fundamental, em São Paulo, nessa semana. Se você achar uma desculpa pra dizer que isso não é racismo, você se encaixa naquele “vocês” da primeira frase.

A mãe do garoto Lucas, de 8 anos de idade, não conseguiu matricular o filho na escola na qual ele estudou esse ano, onde estão seus amigos e onde tem notas altíssimas (questão irrelevante, pois seria um absurdo mesmo que ele fosse o pior aluno do Brasil). Isso porque o garoto tem um cabelo black, que é bem da hora, por sinal, e a diretora, por causa do racismo, não gosta. A canalha mandou um bilhete para a mãe, pedindo para cortar o cabelo do menino, e quando ela se recusou, sofreu a retaliação na hora da matrícula.

A pergunta importante aqui é: quando essa diretora será presa por racismo, já que há a prova do crime? (Ah, a polícia já a chamou pra depor.) O problema é que casos como esses aparecem todos os dias, são denunciados e discutidos todos os dias, e um bando de safado finge que é normal e faz todo tipo de manobra pra achar uma desculpa.

O problema é que a gente vive numa sociedade que pensa como a senhora do vídeo abaixo (que me causa repulsa e pena), mas que precisa estar surtada pra falar essas coisas olhando para a câmera. “Veja:”



Nelson Mandela, o Madiba, a quem todas as homenagens serão poucas e insuficientes em comparação com a sua vida e seu legado, pregou o perdão (sem o esquecimento). Um perdão pra impedir uma matança e pra unificar a sociedade, brancos e negros, vivendo juntos, como iguais e irmãos. Mas para chegar ao ponto de perdoar precisamos superar o nosso apartheid, que é mais claro do que qualquer muro.

Minha homenagem a Nelson Mandela é lembrar disso aqui.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Jingle bells


A monotonia conservadora

POR CLÓVIS GRUNER

Foi um bom ano para a direita conservadora. Nos últimos meses, Reinaldo Azevedo passou a destilar seu ódio em coluna semanal na Folha de São Paulo, além de manter seu blog na Veja; esta, por sua vez, contratou de uma tacada só Rodrigo Constantino, Lobão e Felipe Moura Brasil. Na coluna de estreia do último, entre felicitações e elogios, alguns leitores iniciaram uma campanha para que a revista contrate também Olavo de Carvalho (em tempo: eu não sabia quem era Felipe Moura, mas o Google me informa que ele foi idealizador e organizador do livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, de Olavo de Carvalho, título tão megalomaníaco quanto o autor das nada minimalistas 616 páginas).

Fora da constelação Abril, outros nomes conservadores já assinavam colunas periódicas em títulos distintos: Luis Felipe Pondé e Demétrio Magnolli são colunistas também na Folha; o imortal Merval Pereira assina semanalmente coluna em O Globo; Pedro Bial apresenta anualmente o Big Brother Brasil, e assim por diante. Trata-se de um cardápio variado de nomes e trajetórias: há nele jornalistas, dois professores universitários, um economista, um roqueiro, um astrólogo e um mau caráter. Com tamanha diversidade, seria legitimo supor igual variedade de ideias. Não é o caso.

A ofensiva conservadora é monotemática: não importa quem ou onde escreve, os conteúdos orbitam em torno a alguns lugares comuns, a maioria deles de uma inatualidade de dar dó. Invariavelmente o roteiro é mais ou menos o mesmo: um texto conservador que não denuncia o perigo do gramscismo, por exemplo, não é digno do nome. Outro item obrigatório é insistir que vivemos em uma “ditadura cubana” ou, na melhor das hipóteses, muito próximos de nos tornarmos uma Venezuela, ainda que a esmagadora maioria desses autores não titubeie em tecer elogios a outras ditaduras, a brasileira e a chilena, por exemplo. Nem reclame da chinesa, desde que ela continue a lhes fornecer bugigangas. Além de Gramsci, Cuba e Venezuela, coisas e expressões como Foro de São Paulo, FARCs, patrulhamento politicamente correto ou petralha, entre outros, sempre agregam valor ao camarote.

Mesmo quem, pela trajetória intelectual, poderia imprimir um tom dissonante à monofonia conservadora, escolheu reproduzi-la. Leia um texto assinado por Pondé e Magnolli, dois acadêmicos com trajetórias respeitáveis, farta e variada publicação intelectual, estágios no exterior (provavelmente com bolsas pagas a soldo público; afinal, achincalhar o Estado e a universidade pública é uma coisa, mas recusar uma temporadazinha europeia com dinheiro da CAPES, aí já é vandalismo). O nome deles está lá, mas se os trocássemos pelos de Rodrigo Constantino, Lobão ou Olavo de Carvalho, não faria a menor diferença. Como a nivelação se fez por baixo, não apenas inexiste diferença significativa entre eles, mas impera o apelo fácil aos medos e ressentimentos de uma parcela das camadas médias que se sentem ameaçadas por esse “Isso” que os porta vozes do conservadorismo afirmam ser “a esquerda”.

SANHA PERSECUTÓRIA – O segundo aspecto nada tem de caricatural. A perseguição, o achincalhe, a desqualificação, a destruição de reputações, a calúnia, tornaram-se o desdobramento algo lógico de um estado de coisas onde sobra paranoia e falta bom senso, quando não simplesmente escrúpulo. O episódio mais recente é desta semana. Em seu blog, Rodrigo Constantino “denunciou” o caráter doutrinador da IV Jornada de História da Historiografia, que acontece na UFRGS. Com base apenas no cartaz, repetiu a ladainha de que o evento “sobre Che Guevara” era mais um exemplo da catequização marxista e esquerdista que grassa nas universidades brasileiras, notadamente nas chamadas ciências humanas. E vaticinou: “a imagem de um facínora assassino estampada em um evento sobre o uso político da história? O que os alunos vão aprender? Como transformar um assassino frio e sedento por sangue em um herói da justiça social?”.

A afirmação de Constantino seria uma estultice se a jornada tratasse de Che Guevara - um evento sobre o nazismo, por exemplo, não pretende ensinar os alunos a serem nazistas nem tecer o elogio a Hitler. Mas não é o caso. O evento aborda as muitas maneiras pelas quais o passado é permanentemente revisitado e, neste sentido, o cartaz é um primor de comunicação visual. A poucos rostos do século XX foram atribuídos tantos e tão distintos significados quanto o de Guevara: do revolucionário que inspirou a luta contra o “imperialismo ianque” até a sua “mcdonaldização”, suas muitas faces sintetizam o objetivo do evento, que não trata dele, não falará dele, não pretende fazer dele nem apologia nem elegia simplesmente porque... não é um evento sobre Che Guevara.

O caso de Constantino não é único. Há algumas semanas o site “Escola sem Partido” empreende verdadeira campanha difamatória contra uma professora paulista, campanha que encontra eco e repercute em outros blogs conservadores e nas redes sociais. Em comum nestas e em outras ocorrências, há a recusa ao debate, substituída pela sanha inquisitorial. Tenho algumas hipóteses para este gesto. Há a sedução midiática, primeiro. A maioria dos hoje alçados à condição de oráculo vivia há até pouco tempo em um relativo ostracismo. Rodrigo Constantino, por exemplo, escrevia artiguetes no Orkut onde defendia a privatização dos tubarões e era ridicularizado até por liberais de direita. Uma maior visibilidade conservadora é, sob certo ponto de vista, reação ao avanço de forças, movimentos, grupos, ideias, pautas e indivíduos à esquerda, cuja simples existência é lida como uma ameaça.

Em tempos onde o ressentimento e o ódio tornaram-se dois dos principais afetos políticos, não espanta que seja assim. O outro não é um adversário a ser confrontado, mas um inimigo a ser eliminado. A caracterização homogênea da esquerda, beirando ao caricatural e que recupera alguns conteúdos típicos da Guerra Fria é, neste sentido, bastante reveladora. Ela aponta, entre outras coisas, para a dificuldade dos conservadores de conviver em um ambiente democrático e de livre circulação de ideias. Não é coincidência que sua prática reproduz justamente aquilo que eles pretendem denunciar como comum à esquerda: a ira persecutória, entre outras coisas, coloca em risco a democracia ao fragilizar ainda mais um já frágil espaço público, porque não reconhece no outro nem legitimidade nem o direito de dizer e pensar diferentemente.

Há quem defenda a necessidade de uma direita conservadora afirmando que faz parte da democracia o confronto de ideias, o debate aberto e público. Concordo. Mas qualquer debate público deve ancorar-se em princípios que são os da razão e o do respeito ao outro. E há exemplos de sobra de que racionalidade e respeito não fazem parte da postura da maioria dos conservadores, que não raro recorrem à desqualificação, ao desrespeito, à agressão e à humilhação pública, quando não a mentira pura e simples, como estratégias de um debate que, sob estas bases, não pode existir, não existirá, porque efetivamente não é o que eles desejam.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Hora de celebrar?

POR JORDI CASTAN

Já estão as fanfarras de áulicos celebrando, a pleno pulmão, que foram entregues reformadas a Biblioteca Rolf Colin e a Casa da Cultura. É hora de parabenizar? Sim, mas nem tanto.

Na mesma semana a prefeitura informa que o restaurante popular, localizado no bairro Bucarein fechará para reformas, no mínimo durante meio ano. Dois temas chamam a atenção neste fechamento. O primeiro é que o restaurante foi inaugurado em abril de 2008, sendo portanto uma obra recente e não há informação do motivo de uma reforma que leve ao seu fechamento durante meio ano. O segundo é que seria importante - e contribuiria a melhorar a transparência sobre a gestão pública - divulgar o motivo para, em tão pouco tempo, já ser necessária uma reforma desta envergadura, pois o  fechamento durante tanto tempo deixa desatendidos os atuais usuários do restaurante popular. Desnecessário repetir aqui que o correto seria exigir responsabilidades ou aos autores do projeto ou aos executores da obra, caso fosse constatado que a reforma precoce é resultado de erros de projeto, de execução ou de fiscalização. Pela forma frouxa como são tratados os prazos no governo municipal, quem apostar numa reforma mais demorada tem muitas chances de ganhar.

A Biblioteca Rolf Colin foi interditada em 21 de setembro de 2010. É bom relembrar que pouco tempo antes tinha recebido uma ampla reforma e, daquela reforma, até agora ninguém foi responsabilizado e tudo ficou por isso mesmo. Joinville esteve com sua biblioteca interditada durante mais de três anos. Tempo demais para uma cidade que insiste em querer ser a segunda economia do sul do país.

A Casa da Cultura foi interditada em agosto de 2011 e ficou fechada durante mais de dois anos. As suas atividades ficaram comprometidas e os alunos foram afetados pelos cancelamentos de aulas, pela transferência de atividades para outros locais e tampouco, neste caso, pode-se dizer que a sociedade se mobilizou. A sensação é que Joinville convive com uma mania de grandeza ao tempo em que padece de um complexo de inferioridade. Ninguém mais se surpreende com prédios públicos interditados. Eles passam a fazer parte da nossa paisagem urbana e fica por isso mesmo.

A lista dos prédios públicos em estado precário ou interditados ainda é longa e alguns devem demorar em sair da interdição. E assim Joinville vai convivendo com essa realidade de ser uma rica cidade pobre. Mais pobre de espírito que de recursos, mas essa é outra historia.

Parabéns por devolver ao joinvilense duas importantes referências culturais. Agora para que as felicitações possam ser completas seria bom informar:  Qual é o cronograma de entrega dos outros prédios públicos interditados? Qual o programa permanente de manutenção e preservação do patrimônio público cultural e histórico de Joinville? Quais os recursos e quem são os responsáveis? Entre os bens públicos que já mostram sinais preocupantes de deterioração (e incompatíveis com a data da sua entrega a população) estão o Parque José de Alencar ( da Cidade) e o Parque das Águas, em que o mato e o abandono estão ganhando a batalha. Outro é a nova Rua das Palmeiras que já perdeu a cor e as flores dos primeiros meses e precisa de um olhar mais atento. 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Festival de Bizarrices que Assola o País II


POR CLÓVIS GRUNER

Fiquei meio fora do ar a semana toda. Sem tempo até pra fuçar no Facebook, alimentei secretamente a esperança de, ao colocar de volta a cara na realidade – virtual ou não – seria gratamente presenteado com algumas boas notícias. Mas nada: o noticiário continua a produzir bizarrices em escala geométrica. Tantas que precisei de um bisturi para selecionar apenas as quatro que compõem o segundo volume do meu Febiapa – o Festival de Bizarrices que Assola o País.

DO DOMÍNIO DO FATO AO DOMÍNIO DO FRETE – Com um zelo surpreendente para uma imprensa e mídias que há até alguns dias pareciam dispostas a moralizar o país, ficamos sabendo do “helicóptero de carreira” de um deputado estadual de Minas Gerais, apreendido com inacreditáveis 400 quilos de coca. Não, você não leu errado nem eu me equivoquei: não eram 400 litros de Coca, a Cola, mas quase meia tonelada do mais puro pó, aquele que não levanta poeira. O deputado se chama Gustavo Perrella e pertence a um partido recentemente criado, o Solidariedade. Ele e o pai, o senador José Perrella (PDT), são aliados do governador e presidenciável Aécio Neves, do PSDB, o que talvez explique a solidariedade – com o perdão do trocadilho – dos meios de comunicação. O deputado tratou de responsabilizar rapidamente piloto e co-piloto, afirmando nada saber sobre a carga cheirável transportada em seu helicóptero.  Aliás, o combustível da eufórica viagem foi todinho pago pela Assembleia Legislativa de Minas. Bizarro.

DURA LEX, TUDO BEM; MAS SED LEX JÁ É VANDALISMO – Flagrado como responsável por um rombo de mais de meio bilhão de reais – estimativas falam de R$ 570 milhões, aproximadamente –, o PSDB decidiu se defender. E o fez acusando o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de manipular as investigações sobre a quadrilha que, sob o comando de tucanos de altíssima plumagem, passou os últimos anos superfaturando obras no metrô paulistano. E como o ministro teria manipulado o processo? Ora, enviando provas e demais documentos do caso à Polícia Federal. Isso mesmo. Para a alta cúpula tucana, o problema não é o superfaturamento, nem a propina paga aos políticos do PSDB ou os enormes prejuízos causados aos cofres públicos de São Paulo. O problema mesmo, de verdade, é que o Ministro da Justiça fez o que se espera de um Ministro da Justiça e encaminhou documentos e provas à PF, tudo com a clara intenção de prejudicar o PSDB e desviar a atenção para a prisão dos mensaleiros, óbvio. Não deu muito certo, porque os principais veículos de informação continuam a falar muito de Dirceu e Genoíno e muito pouco da corrupção em São Paulo, numa desproporção que seria intrigante não fosse tão reveladora. Em homenagem a FHC: très bizarre.

DIVERSIDADE, DESDE QUE BEM BRANQUINHA – Como quem manda na Copa é a FIFA, e o Brasil será sede do certame em 2014, andamos um tanto submissos aos caprichos da entidade. E eles são muitos. Nessa semana, os donos da bola decidiram que Lázaro Ramos e Camila Pitanga não era o casal apropriado para apresentar a cerimônia do sorteio da Copa do Mundo. Vetados, foram substituídos por Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert. Não se trata, claro, de racismo – afinal, não somos um país racista, nem tampouco a FIFA, não é mesmo? Tanto que Margareth Menezes e Olodum, entre outros artistas, se apresentarão na mesma cerimônia, tudo para mostrar ao mundo a diversidade étnica brasileira, segundo ainda a mesma FIFA. Trocando em miúdos: animar a plateia, tudo bem. Afinal, se temos anualmente o carnaval, não custa organizar um fora de hora para exportar via satélite nossa contagiante alegria. Mas ser mestre de cerimônia exige classe e postura, e o que pensariam plateias mundo afora ao serem confrontadas com a imagem improvável de dois negros apresentando uma cerimônia oficial? A lógica da FIFA parece ser a mesma dos comentadores anônimos de blogs: se mostramos ao mundo nossos negros e escondemos nossos talentos brancos, alguém vai pensar que somos racistas. Democracia racial se faz garantindo igualdade de oportunidades, diriam esses mesmos anônimos. Mas a responsabilidade não é da entidade maior do futebol se alguns são mais iguais que os outros. Bizarro, tudo muito bizarro: o veto e os anônimos.

“IDEOLOGIA-A, EU QUERO UMA PRA VIVER” – Quando o escreveu, Cazuza certamente não imaginou que seu verso ecoaria tanto e tão profundamente na direita conservadora brasileira. Fica difícil imaginar o que seria dela, hoje, sem ter uma ideologia para temer e ideólogos por toda parte para odiar. A bola da vez é a professora Cléo Tibiriçá, professora de Comunicação e Expressão na Fatec de Barueri . Ela virou objeto de bullying virtual levado a cabo por uma organização chamada “Escola sem partido”. A tal organização a acusou publicamente de colocar em prática um plano de ensino que objetiva criar “a maior aversão possível a tudo o que não se identifique com uma visão esquerdista ou progressista da sociedade, da cultura, da economia e da história”. Se não estivesse tão ocupado em entender como o gramscianismo adentrou o Vaticano, depois da declaração do Papa sobre a economia de mercado, Olavo de Carvalho certamente acusaria Cléo Tibiriçá de conspirar contra a Civilização Ocidental. O caso é apenas mais um em um elenco de aberrações produzido pela organização, que se diz neutra, mas trata professores como criminosos e alunos e pais como um bando de imbecis. Além disso, basta uma visita à sua página e a apregoada neutralidade cai por terra. Nela, pipocam artigos de viés de direita e conservador, assinados por um elenco de autores a quem se pode acusar de tudo, menos de não terem uma ideologia. Nada contra, há quem goste e se identifique com o estilo “I see red people”. Mas se a organização insiste em policiar e atacar a ideologia dos outros e disfarça a sua própria sob o manto de uma suposta e mentirosa neutralidade, a coisa é mais que bizarra. É desonesta.