segunda-feira, 9 de setembro de 2013

9 meses e o bebê não nasceu ainda

POR JORDI CASTAN

Cada vez que se propõe o debate sobre a gestão municipal, surge a tropa de choque a dizer que ainda não é possível avaliar os resultados, que é cedo demais. E assim vai passando o tempo e nada do Heinkel decolar.

Os motores roncam e roncam, queimando combustível e soltando fumaça, mas o pesado bombardeiro apenas taxiou e está longe de adquirir a velocidade necessária para decolar. Nesse jogo de muito barulho e pouca produtividade, o tempo passa e já estamos na metade do seu nono mês. Teria dado quase para nascer um bebê.

Se é verdade que não há que esperar grandes obras e grandes resultado -  e isto já foi objeto de um post aqui no Chuva Ácida “A tonadilha do flautista” -, faz algum tempo e, desde lá, pouco ou nada mudou. Também é verdade que as características e os predicados desta gestão estão sobre a mesa já faz tempo e já são bem conhecidas. Esta gestão adoece dos mesmos problemas de gestões anteriores, curiosamente aqueles que com maior facilidade deveriam ser resolvidos por alguém que se apresenta como bom gestor, acrescente-se ainda as enormes expectativas levantadas como resultado da campanha eleitoral.

Há quem acha que já foi superado o tempo prudencial para cobrar resultados concretos e mudanças sensíveis que mudem a tendência para a inoperância e incompetência que campeia em Joinville faz tempo demais. E a maior prova disso é o aumento do número e a intensidade dos protestos e manifestações, dos mais diversos tipos, que pipocam cada vez com menor frequência na maioria dos bairros da cidade. Mas também há uma parte significativa do eleitorado que acredita que as coisas mudaram, que esta gestão está fazendo um bom trabalho e que os críticos são profetas do desastre, viúvas de administrações anteriores ou simplesmente gente despeitada que não arrumou uma boquinha ainda.



Aproximando-se do fim do primeiro quarto do governo é oportuno acompanhar qual o fôlego que ainda queda para manter a motivação com mais discursos que ações concretas. Que tenha aumentado o número de setores descontentes deveria gerar uma reflexão nos responsáveis da gestão municipal, mas para isso seria necessário que o problema fosse percebido e reconhecido por quem de direito. 

sábado, 7 de setembro de 2013

Homenagens

POR SANDRO SCHMIDT
Acho bonito quando uma figura pública é homenageada por causa dos seus trabalhos prestados à sociedade. Geralmente essas homenagens são feitas após a morte do homenageado,quando seu nome é dado a avenidas, ruas, pontes, praças, instituições públicas ou leis específicas. Como é bonito ouvir Avenida Juscelino Kubistchek, Ponte Hercílio Luz, Rua Dr. João Colin, Avenida Getúlio Vargas.
Porém, há uma injustiça com algumas instituições. Talvez porque sejam um pouco peculiares, por assim dizer. Creio que em vida o homenageado não gostaria que seu nome fosse ligado a tais institutos. Ou não?
É importante democratizar essas homenagens. Todas as obras ou instituições públicas merecem ter nome e sobrenome. Darei alguns exemplos:
Penitenciária Estadual Governador Raimundo Colombo. Centro de Recuperação Juvenil Senador Luiz Henrique da Silveira. Manicômio Municipal Deputado Marco Antônio Tebaldi. Aterro Sanitário Senador Jorge Konder Bornhausen. Centro de Recuperação Alcoólicos Anônimos Luiz Inácio Lula da Silva. Rede Pública de Esgoto Sanitário Prefeito Carlito Merss. Centro de Pesquisas Joinville 2040 Prefeito Udo Dholer. Instituto Estadual de Distúrbios Psíquicos Dr. Luiz Carlos Prates.
Há inúmeras instituições e obras públicas precisando de um nome. Nossos políticos e nossa sociedade precisam acabar com essa injustiça. Quem sabe, se todos se unirem, num futuro próximo até eu terei meu nome numa delas. Centro de Zoonoses Arquiteto Sandro Schmidt ou Canil Municipal Chargista Sandro Cão.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Água de ricos, água de pobres

POR ET BARTHES
Água é vida. Cuide dela.


Vai que cola...


É isto um homem?



POR CLÓVIS GRUNER

A pergunta do italiano Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz, acerca dos campos de concentração nazistas e que dá título a este texto, é válida também para outras experiências concentracionárias, dos gulags soviéticos às prisões americanas de Abu Grahib e Guantánamo; do Carandiru ao Presídio de Joinville ou um hospício em Barbacena: ainda é possível chamar-se homem alguém de quem se usurpou todos os traços de humanidade? Instituições asilares são, por sua natureza, não apenas espaços de sequestro e exclusão, mas de desumanização.

Referindo-se aos que passaram pelos campos nazistas, o filósofo italiano Giorgio Agamben afirma que a condição paradoxal em que viviam, “privados de quase todos os direitos e expectativas que costumamos atribuir à existência humana e, todavia, biologicamente ainda vivos”, os assemelhava à condição de homo sacer – o “homem sacro” – do antigo direito romano, cuja “vida nua”, desprovida de valor e “indigna de ser vivida”, pode por isto ser eliminada “sem que se cometa homicídio”.

Acredito que Agamben não está a se referir apenas a eliminação física – a morte no sentido estrito –, mas também a outras formas de extinção contidas no próprio ato do internamento. Uma vez privado de sua liberdade e submetido à tutela contínua, o interno torna-se parte de uma intrincada e totalitária rede de poderes; ele passa a ser um “homem sem mundo”, cuja existência se confunde com a da instituição a qual forçosamente pertence. Vive, na feliz definição do sociólogo americano Gresham Sykes, em uma “sociedade dos cativos”, onde prevalecem outros laços de sociabilidade e valores morais. São territórios heterotópicos, “sociedades dentro de outra sociedade”, relativamente autônomos em seu funcionamento e, mesmo que às vezes próximas de nós geograficamente, distantes em suas estruturas e relações de poder. Frequentemente o processo de desumanização – jurídica, simbólica, etc... – é acompanhado da degradação física pela submissão aos mais infames suplícios corporais, a tortura entre eles.

No Brasil, historicamente, a tortura tornou-se prática banal: são indistintamente sujeitados à conjugação de dor física e humilhação moral que a caracteriza, velhos internados em asilos, doentes mentais em hospícios, prisioneiros maiores e menores de idade. Autorizados pela indiferença da maioria, torturadores com e sem diploma, anônimos ou não, atravessam em particular a história recente do país, e são o testemunho de que nosso passado autoritário ainda nos pesa como um fardo.

UM PROJETO CIVILIZADOR – No começo de agosto foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff a Lei nº 12.847, que cria o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT). Fruto do Projeto de Lei 2422/2011, ela prevê a criação do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Por meio dela, os membros do Comitê podem visitar, sem aviso prévio – detalhe fundamental –, presídios, penitenciárias, delegacias, casas de custódia, instituições socioeducativas, hospitais psiquiátricos e asilos, a fim de apurar violações dos direitos humanos, principalmente a prática da tortura. Se constatadas violações, os diretores terão um prazo determinado para implementar as medidas necessárias para coibi-las.

Como sempre, não há garantias de que a lei produza efeitos práticos, certamente não a curto prazo. Afinal, as vítimas de torturas, especialmente se delinquentes e criminosos, costumam não contar com a solidariedade dos autoproclamados homens e mulheres de bem. Mas ela representa um passo importante em direção a uma política de intolerância para com a violência institucional, algo que vinha se desenhando desde o primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos, sancionado pelo presidente FHC em 1996, e reafirmado nas duas edições subsequentes, de 2002 e 2010.

Há razões de sobra para, mais que apenas comemorar, cobrar do governo a efetiva aplicação da lei. Por um lado, principalmente as prisões convivem com os resquícios da ditadura e a resistência às políticas de Direitos Humanos no interior de seus sólidos muros. Há um incômodo e reincidente descompasso entre as instituições prisionais – e também as policiais – e a democratização, fazendo destas imensos reservatórios da arbitrariedade e da violência cultivadas durante a ditadura civil militar. É como se o gradual desmonte do aparato repressivo não tivesse alcançado o interior das penitenciárias, presídios, delegacias e quarteis de polícia.

Além disso, o abrandamento da violência institucional não afeta apenas os presos. Não foram poucas as vezes em que ouvi, durante os intervalos dos cursos que ministrei na Escola Penitenciária do Paraná, os agentes penitenciários queixarem-se de que são vítimas de um estigma não muito diferente dos prisioneiros. Eles reconhecem que a convivência diária com a violência, mesmo que às vezes apenas latente, também os marca de maneira indelével. Não são apenas os sentenciados que convivem com e internalizam os valores e experiências da “sociedade dos cativos”. O processo de desumanização, comum à experiência asilar, é democrático e aspira à igualdade.

Combater até abolir a tortura é um dever que temos, e não apenas com nossos internos – sejam eles velhos, doentes, loucos, menores infratores, prisioneiros. Um mundo sem a violência institucional e institucionalizada é desejável. Talvez, com a aprovação do SNPCT, estejamos dando um passo importante para torná-lo também possível.