terça-feira, 15 de setembro de 2015

Eu violento / Eu violência


POR FELIPE CARDOSO

Constantemente recebo a opinião de pessoas próximas a mim e em alguns comentários anônimos dizendo que sou uma pessoa agressiva. Esse estereótipo é direcionado para qualquer pessoa negra, para qualquer mulher ou LGBT que lute pelos seus direitos.

Quem está na luta sabe das dificuldades que enfrentamos para conseguirmos que nos ouçam, diante tantas violências que nos perseguem. Violências físicas e psicológicas que nos são destinadas, que nos machucam e matam, diariamente.

Temos que aguentar todo tipo de opressão calado, mas quando nos cansamos e decidimos reivindicar, somos taxados de violentos e extremistas. Tudo isso por apenas mostrar as violências que nos atingem. É notável que a sociedade brasileira, racista e patriarcal, não está acostumada (e parece não querer se acostumar) a dar voz as “minorias”.

Com o medo de perder os privilégios, principalmente o financeiro, os detentores do poder usam seus veículos de massa para propagar os estereótipos negativos dos grupos que lutam. Dividindo, ainda mais, os trabalhadores, que também recebem as violências diárias, mas que muitos não percebem.

São várias as violências que a população negra recebe e que, talvez, boa parte da imprensa não queira divulgar de uma só vez, para não gerar uma grande revolta na população. Procurarei listar algumas das várias opressões que somos reféns.

Mulheres negras gestantes enfrentam a violência obstétrica. Sem contar as que preferem abortar, mas por conta da ilegalidade, acabam morrendo. A maioria são mulheres negras.

Jovens negros são impedidos de usufruir o direito de ir e vir por conta da polícia, que tem em sua tradição a sanha de perseguir jovens com o perfil conhecido: negros e pardos.

Nem nos ambientes acadêmicos, negros e negras estão imunes de sofrerem com a repressão policial ou com as agressões dos outros acadêmicos. Há uma enorme resistência a mudança, a pluralidade, ao respeito a diferença nas universidades brasileiras.

A juventude negra brasileira enfrenta um genocídio. Milhares de jovens negros, em sua maioria, homens, pobres, estão sendo mortos pela polícia que se utiliza dos autos de resistência para assassinar.

“56 mil pessoas foram assassinadas em solo brasileiro, em 2012, sendo 30 mil jovens e, entre eles, 77% negros”.

Segundo os dados do relatório “Crianças Fora da Escola 2012”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em relação ao trabalho infantil, a maioria é de crianças e adolescentes negros e do sexo masculino das zonas urbanas, vindas das camadas mais pobres da população.

O estudo aponta que mais de um milhão de crianças e adolescentes, entre seis e 14 anos, encontram-se trabalhando no Brasil, o que representa 7,8% do total desse público no país. Entre as crianças brancas, a taxa é de 34,60% (377.167). Entre as negras, de 64,78% (706.160). Nessa faixa etária, o trabalho infantil é uma causa importante do abandono escolar, e aqueles que exercem alguma atividade profissional em paralelo aos estudos também estão em situação de risco”.

Precisamos de uma lei para obrigar escolas e professores a estudar e ensinar a cultura africana e afro-brasileira. Mesmo assim, a Lei 10.639 não é cumprida, deixando milhares de jovens negros sem ter o contato com sua ancestralidade, sem conhecer a sua história e cultura, recebendo, apenas, uma visão eurocêntrica, somada a visão da mídia, do mundo da moda e dos detentores do capital. O que pode gerar um desinteresse e, principalmente, uma falta de identidade, tendo como consequência a dificuldade no aprendizado e a evasão escolar.

A taxa de analfabetismo entre os negros (11,5) é mais de duas vezes maior que entre os brancos (5,2)“.

Vendo desde cedo o padrão de beleza e uma religiosidade eurocêntrica pré-estabelecida e propagada como certa e civilizada, tendo os seus traços e a sua cultura ridicularizadosperseguidos, muitos negros enfrentam a depressão, que trazem consequências graves para sua vida e de seus familiares, como a dependência química, por exemplo.

No mercado de trabalho, os menores salários são das mulheres negras, que recebem um pouco menos do que os homens negros. Fora isso, os negros são a maioria dos desempregados no Brasil. A famosa desigualdade social tem relação com a desigualdade racial. Segundo dados do estudo do “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”, do Ipea, enquanto o desemprego atinge 5,3% dos homens brancos, o índice chega a 6,6% entre os homens negros. Já entre as mulheres, a diferença aumenta. Entre as mulheres brancas, o desemprego é de 9,2% enquanto entre as mulheres negras, ultrapassa os 12%. Na pirâmide social, as mulheres negras estão na base, suportando todas as opressões, tanto as delas, quanto as dos filhos e companheiros.

De acordo com a pesquisa, realizada em 2014, pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), intitulado “A Inserção dos Negros no Mercado de Trabalho”, os trabalhadores negros ocupam, em geral, cargos de menor qualificação e, consequentemente, têm salários com até 57,3% de diferença, sendo menos valorizados do que os não negros.

Fora tudo isso, ainda temos que conviver com a hipocrisia de ver os brasileiros se revoltando com o descaso da Europa com os imigrantes sírios, ao mesmo tempo em que fazem o mesmo com imigrantes haitianos e senegaleses.

Diante de tudo o que foi apresentado, diante do cotidiano violento que enfrentamos, tenho total certeza que os meus discursos e meus textos não são violentos. Não chegam nem aos pés das atrocidades cometidas pelo Estado, financiado por banqueiros, gerando lucro para milhares de empresários.

Violento é o Estado genocida. Violento é o racismo. Violento é a hipocrisia. Violento é a desigualdade. Violento é o capitalismo.

Para encerrar, o vídeo da apresentação da Porsha O., de 2014, que contempla muito bem o que foi apresentado aqui.

11 comentários:

  1. Com um governo federal desse não é preciso essa tal imprensa que você tanto pinta, o próprio já é capaz de dividir a população entre pretos e brancos, ricos e pobres, héteros e gays, homens e mulheres... Por sorte a falta de $ diminui também a ação do governo e o discurso do “nós contra eles” acaba perdendo a força.

    Pois é, treze anos de “governo social” do PT e o máximo que conseguiram fazer foi multiplicar o tamanho do Estado ineficiente, distribuir bolsas de R$77,00 e cotas para as universidades a um grupo seleto de brasileiros, indo de encontro com o artigo quinto da constituição brasileira - todas ações paliativas. Se isso é suficiente, então esperem um governo sério que enxugue o Estado, diminua os impostos, incentive o emprego e invista maciçamente em educação, saúde e segurança, aí, em dez ou quinze anos, você não terá tantos argumentos para defender o seu ponto de vista, que ao que parece é truncado e só tem um lado.

    Agora, querem continuar do jeito que está, vão em frente, esquerdistas, 2018 está logo aí.

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    1. Cara, quanto ódio, não que esse governo me agrade, mas essa desigualdade vem de muito tempo, essa divisão existe faz tempo. Só pesquisar nos livros de história. Cotas para um grupo seleto de brasileiros? Você já pesquisou e analisou sobre as cotas sociais? Você desconsidera o que eu escrevi, não abre os anexos do texto, coloca o seu ponto de vista, dando soluções simplistas, como se acontecesse assim, num passe de mágica, como se não existissem outros interesses por fora, como os interesses dos bancos, da indústria das armas, da mercado farmaceutico, dos ruralistas... Enfim, o texto não se propõe a contemplar isso. Talvez concordemos na questão da violência que os negros enfrentam há séculos e que governo nenhum tem total intenção de mudar esse quadro.

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    2. Que as diferenças na sociedade existem e sempre existiram, não há dúvidas. Agora, vir um ex-presidente a propagar o ódio entre os brasileiros, como aconteceu nos discursos inflamados no Nordeste durante a campanha da presidente? No que isso ajuda a sociedade? Os únicos beneficiados são os políticos que pensam igual aquele velhaco, que usam esse tipo de discurso com a intenção de dividir para governar.

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    3. Felipe, fala para o anônimo assistir a "Que horas ela volta?" - se o filme passar aí pelas andas de Joinville, claro, porque o gajo ali em cima é do tipo que não vai e nem vê além de Pirabeiraba e Araquari.

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    4. Péssimo filme. Já assisti. Relata a vida das empregadas domésticas no Brasil (e no mundo). Clichê! Mais do mesmo. A protagonista é aquela atriz que se veste de pobre na TV mas come caviar no Leblon – perfeita para esse tipo de filme hipócrita. O mais jocoso de tudo é a pretensão do diretor de concorrer ao oscar.

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    5. Sem entrar no mérito do texto: O cara vem me defender esse filminho de quinta, com uma protagonista que sequer é uma atriz à se considerar? Coitado de quem tenta fazer cinema sério nesse país enquanto tivermos pessoas iguais você. Complica que vários desses bons trabalhos nacionais não chegam no cinema mais próximo, aí dificulta né? Ainda vem tirar de malandro... Triste.

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    6. Anônimos, uma das coisas que define uma obra de arte é a sua capacidade de incomodar, confronto o olhar de quem a vê com sua própria imagem. Pelo visto, a Ana Muylaert (é uma diretora, e não um diretor) acertou em cheio.

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    7. Concordo Clóvis. No caso confrontou com um filme lixo e vazio, com uma protagonista nula. Quem perdeu seu tempo assistindo, não o recupera mais. E que bom que existem as criticas além rede globo. Assim não perdi o meu tempo.

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  2. Se eu fosse você também seria revoltado. Tá perdoado.

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    1. Se você fosse eu teria um pouco de coragem e não comentaria anonimamente hahahaha

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  3. Comentários dessas matérias te fazem ter certeza que a luta precisa continuar.
    Parabéns pelo texto, Felipe

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