quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A rua


VALDETE DAUFEMBACK

A rua, com sua dinâmica, com seu movimento, é o melhor lugar para se ler a sociedade. A rua é o lugar da expressão, da liberdade literária, da aventura artística. É na rua que nos surpreendemos com situações inusitadas, que nos descobrimos e descobrimos os outros, que nos encantamos e desencantamos. Em poucos minutos a rua pode ser testemunha de muitas histórias


Em um órgão público esperava para ser atendida quando adentrou no recinto uma pessoa cheia de espontaneidade e solicitou um documento que havia encaminhado fazia uma semana. Naquele momento minha intuição dizia que se tratava de alguém que não conhecia a cultura ordeira e disciplinadora de Joinville.


 Ao sair do prédio, a pessoa já estava na calçada tentando se achar pelos pontos cardeais. Percebi que falava aos seus botões na tentativa de buscar na memória pontos que indicassem o caminho da localização para chegar a um destino pretendido. Ao perceber a cena me remeti ao passado quando nesta cidade cheguei, sem conhecê-la, tentava me localizar por meio de pontos de referência, desejando ter em mãos o novelo de fio de Ariadne para sair do labirinto de pedra e cimento. 


Perguntei à pessoa se precisava de ajuda para encontrar tal endereço. 


- “Eu estou em Joinville faz três semanas e ainda não decorei a cidade”. Assim foi o início de uma conversa que durou quinze minutos enquanto caminhávamos até o local pretendido. 


- “Agora estou feliz, tenho minha Carteira de Trabalho assinada, consegui emprego na construção civil graças ao curso de eletricista que fiz pelo PRONATEC. No Paraná eu trabalhei durante vinte anos na informalidade, mas depois que fiz o curso, vim pra cá e já arrumei emprego”. 


Na conversa mencionou que já havia matriculado os filhos na escola. E pelo entusiasmo com que se expressava, parecia mesmo estar satisfeito com o trabalho e com a cidade que acabara de conhecer.  


- “Tem gente que diz que eu vou trabalhar quatro meses para o governo. É o que vou pagar de imposto. Mas se não for assim, como é que o governo vai conseguir prestar à população serviços públicos? Olha, vai ver se nos Estados Unidos tem Sistema Único de Saúde? Vai ver como está a saúde da população no Paraguai?”.


Fiquei curiosa sobre a pessoa que estava caminhando ao meu lado e que espontaneamente foi revelando seus tesouros sem que eu tivesse feito uma só pergunta sobre a sua vida pessoal.  


- “Sabe, estas pessoas que foram às ruas no domingo (dia 16 de agosto), não sabem o que estão dizendo, não conhecem a história, não conhecem as necessidades dos pobres, não fazem ideia do quanto a presidente contribuiu para ajudar as pessoas a saírem da pobreza. Eu sou prova disso. Não sabem o que é ditadura militar, não sabem o que aconteceu naquela época. Meu pai, um agricultor, foi preso...”. 


Chegamos ao destino. Fim da caminhada sociológica em que assumi uma postura de ouvinte. A pessoa agradeceu e nos despedimos. 


- “A gente se vê por aí”. 


Sorri e segui em frente observando as pessoas em movimento, imaginando as suas histórias, suas vidas, seus encantos e desencantos. Pensei na liberdade de expressão do artista “palhaço” que foi preso na rua durante apresentação em festival infantil, em Cascavel, no Paraná, por usar a arte como instrumento político, tal como na época da ditadura militar. Pensei na polifonia e nas vozes que foram silenciadas ao levantar a bandeira da justiça social. Pensei no apagamento da memória e na alienação da história. Pensei nas cabeças tresloucadas que clamam por intervenção militar. Pensei no esvaziamento da política nos protestos de rua.

8 comentários:

  1. Bem entendido o rapaz (ou a rapariga, não sei!), e sortudo(a) também, pois conseguiu vaga no tal pronatec. É mais fácil encontrar romisetas circulando por aí do que algum sortudo que se formou em algum curso do famoso e anunciadíssimo pronatec, ainda mais agora que o governo vem enxugando gastos na educação da “pátria educadora”.

    Parece também que ele (ou ela) vai trabalhar pela primeira vez, ou por que a surpresa dele(a) em pagar quatro meses de salário a uma máquina ineficiente? E a saúde? Ele(a) sabe que não há saúde pública universalizada nos EUA, mas será que ele(a) sabe o que vai esperar quando (deuzulivre!) precisar usar os recursos do SUS?

    E o entendimento sobre as pessoas que saíram às ruas no último dia 16? Só existiam ricos nas ruas, né? Por outro lado, ele(a) tem certa razão, a maioria dos que foram às ruas, segundo estatísticas de órgãos públicos e privados, tem entre 30 e 45 anos e recebe de cinco a dez salários mínimos (se isso é ser rico pra ele(a), não sei!). Ou seja, uma classe média que viveu o impeachment de Collor (e não sabe o que é impeachment), viveu a ditadura (e não faz ideia do que seja essa palavra), ganha salário de profissional com ensino superior (e desconhece a conjuntura do país). Interessante...

    Os que saíram no dia 20, que possuem pouca instrução, recrutados pela CUT, receberam $ de sindicatos, diziam que "não apoiam o governo, mas a presidenta (?)"... Esses, sim, conhecem a história e conjuntura do país. Faz-me rir!

    “Pensei no esvaziamento da política nos protestos de rua.”

    Devia ao menos ter saído de casa no dia 16 antes de escrever isso.

    Eduardo, Jlle

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  2. Você está sendo, no mínimo, desonesta intelectualmente.

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  3. Que linda história, magnífica, estupenda. Vale notar também a humildade ao generalizar as pessoas que saíram às ruas no dia 16, ninguém sabe nada de nada, é isso aí. Com essa humildade você vai longe. Dá-lhe PRONATEC!!!

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    1. Dá-lhe PRONATEC
      Dá-lhe IFSC
      Dá-lhe IFC
      Dá-lhe UFSC
      E tudo quanto for forma de ensino público e gratuíto. Apesar de que não é gratuito, foram pagos com os impostos arrecadados.

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    2. E continuam sendo pagos com os impostos dos contribuintes... Mas estão em frangalhos. Sério, vocês não têm vergonha de ainda defender o PT? Quanta contradição!

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    3. Tem uma galera tão cega, que é capaz de ler meu comentário de 28 de agosto, 00:45h e não notar a ironia.

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  4. Óia a panfletagem aí, geeeente!

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  5. Essa tá com o Rivotril em dia...

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