POR CLÓVIS GRUNER
“O progresso pede passagem”, me avisa um comentarista anônimo, depois de classificar meu último texto como “pobre e retrógrado” e sugerir que eu continuasse “falando com as paredes”. Ele sabe, certamente, que a campanha de seu candidato foi construída com base na fabricação e distribuição em série de centenas de fake news, com um nível de profissionalismo só visto na eleição que conduziu Trump à presidência dos EUA, coordenada pelo estrategista Steve Bannon.Ele também sabe da escalada de violência que, da destruição da placa em homenagem à Marielle Franco, executada a tiros há sete meses, ao assassinato de Moa do Katendê, sinalizam muito claramente que estamos a lidar com uma milícia que não limita sua ação ao ambiente virtual. Ele sabe, mas simplesmente não se importa, provavelmente porque considera isso o preço a pagar pelo “progresso”.
Mas onde meu anônimo leitor – que se considera uma parede, se o entendi bem – encontra, no programa de governo e nas declarações de Bolsonaro, o mais pálido indício de que sua vitória eleitoral no próximo dia 28 abrirá às portas para o progresso? Certamente não na trajetória do deputado, um político tradicional e governista, que sempre se posicionou favoravelmente à manutenção de todos os privilégios parlamentares, incluindo o direito de receber propinas e empregar assessores fantasmas.
Talvez ele vislumbre o progresso na afirmação de que Bolsonaro não negociará cargos, uma bravata típica de políticos profissionais em campanha que, no caso de Bolsonaro, já caiu por terra: ele pretende nomear como Ministro da Educação um dos diretores da “Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)”, justamente a entidade que mais lucrará se, presidente, Bolsonaro levar adiante sua proposta de implementar o ensino a distância desde a alfabetização.
Paulo Guedes, o candidato a Ministro da Economia do candidato a presidente que é honesto e não negociará cargos, é sócio em negócios que lucrarão muito dinheiro com as propostas econômicas de Bolsonaro que, aliás, ele ajudou a formular. Além disso, está a ser investigado por supostas fraudes em negócios com fundos de pensão de estatais, associado a executivos e políticos ligados (adivinhem?) ao MDB e ao PT. Um progresso e tanto, sem dúvida.
A agenda liberal, que a depender do ponto de vista justificaria a crença algo oitocentista no progresso, também é incerta: Bolsonaro já foi chamado de “ameaça” pela britânica “The Economist” e pelo filósofo nipo-americano Francis Fukuyama. É verdade que entre seus eleitores, ambos viraram bastiões do comunismo internacional, mas isso só demonstra, mais uma vez, o baixíssimo nível intelectual daqueles. Além disso, ele não tem um programa claro para a economia e se recusa a debater como pretende implementar, depois de eleito, medidas para conter a crise.
Violência e Venezuela – Maria do Rosário, a que não merece ser estuprada porque é feia, apresentou Projeto de Lei para aumentar a punição a quem comete crime contra funcionários públicos no exercício de sua função, incluindo policiais. Marielle Franco, a que foi assassinada, prestava assistência, por meio da Comissão de Direitos Humanos da Alerj e do seu mandato como vereadora, a policiais e familiares vítimas da violência.
Já Bolsonaro promete acabar com a violência, o que seria de fato um progresso, mas nunca aprovou um único projeto que beneficiasse as políticas públicas de segurança no seu estado em quase 30 anos como deputado. Informado sobre as seguidas agressões perpetradas por seus apoiadores nos últimos dias, se desresponsabilizou inteiramente por elas. Seu desejo é que o Brasil volte a ser como há 40, 50 anos – ou seja, durante a ditadura militar, justamente o período em que os índices de criminalidade explodiram.
Mas talvez o anônimo comentarista se refira ao “risco Venezuela”: circula furiosamente nas redes a versão de que apenas um governo bolsonariano pode evitar que o Brasil copie o país vizinho, mergulhando-nos no atraso. É verdade que parte da esquerda, incluindo segmentos do PT, ainda insiste em defender o desastre autoritário em que se transformou a Venezuela. Mas não há nada, nos 13 anos de governo petista, que sustente um medo que só sobrevive graças à ignorância e os grupos de WhatsApp.
Não se pode dizer o mesmo de Bolsonaro, no entanto. Ele pretende nomear “um montão” de ministros militares. Como Hugo Chávez na Venezuela. Seu vice, o general Mourão, defendeu uma Constituição sem constituinte, escrita por “notáveis” e depois submetida a referendo popular, sem debate com a oposição. Como Hugo Chávez na Venezuela. Bolsonaro quer aumentar o número de ministros no STF, para nomear uma maioria de juízes alinhada com seu governo. Como Hugo Chávez na Venezuela.
Em artigo publicado recentemente na revista “Época”, Conrado Hübner Mendes escreveu que ser “contra a venezuelização do Brasil e votar em Bolsonaro é uma contradição performativa (aquele ato que faz o contrário da intenção declarada)”. Para a cientista política Maria Hermínia Tavares, Bolsonaro representa o chavismo com sinal invertido. Steven Levistky, professor em Harvard e autor de “Como as democracias morrem”, equipara Bolsonaro a Chávez, e vê no deputado brasileiro um exemplo do que defende em seu livro.
Quem não vê nele uma ameaça é David Duke. O líder da Ku Klux Klan disse que o deputado “soa como nós”, e somou forças à ampla coligação que o apoia. Só o censura por sua proximidade com Israel, possivelmente porque desconhece que Bolsonaro não é solidário exatamente aos judeus, mas ao governo Netanyahu, de extrema direita, e à política de extermínio dos palestinos. Auschwitz, câmara de gás, Shoah? “Chega de mimimi”, diria Bolsonaro. Um progresso.