quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Deu no NY Times. Maldito jornal petralha!

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
E chegou o dia do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Muita coisa poderia ser dita sobre o evento, mas como santo de casa não faz milagre a ideia é publicar um metatexto (um texto sobre outro texto). E como os conservadores brasileiros adoram pagar pau para gringo, a fonte vai ser um jornalão da terra do Tio Sam. Afinal, só no Brasil a expressão “deu no NY Times” podia virar um bordão. 

Então, vamos lá. Na edição de ontem, um texto do analista político Mark Weisbrot, economista norte-americano, co-diretor do CEPR - Center for Economic and Policy Research, em Washington, que faz um overview sobre a situação brasileira. A coisa começa a pegar logo no título, que define o atual momento do país como grave: “a democracia do Brasil está a ser empurrada para o abismo”.

Mais palavra, menos palavra, o colunista diz que os dois últimos anos desviaram o Brasil dos eixos da democracia. “Esta semana a democracia pode ser mais corroída quando um tribunal de apelação de três juízes decidir se a figura política mais popular do país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será impedido de competir nas eleições presidenciais de 2018, ou mesmo preso”.

Mark Weisbrot, que está longe de poder chamado de petralha, lembra o que se passou na relação entre política e o poder judiciário. “O que poderia ter sido um avanço histórico – o governo do Partido dos Trabalhadores concedeu autonomia ao judiciário para investigar e processar a corrupção oficial – acabou por tornar-se o contrário. A democracia brasileira agora é mais fraca do que tem sido desde que o governo militar acabou”.

Sérgio Moro está em foco. Diz Weisbrot que ele “demonstrou seu próprio partidarismo em numerosas ocasiões”. E acrescenta que “as evidências contra o Sr. da Silva estão muito abaixo dos padrões que seriam levados a sério, por exemplo, no sistema judicial dos Estados Unidos”. E, acrescento eu, muito abaixo do que seria levado a sério em qualquer país da Europa Ocidental. E está todo o mundo de olho.

O texto do NY Times, jornal de referência em todo o planeta, não passa ao lado do golpe. “O estado de direito no Brasil já havia sido atingido por um golpe devastador em 2016, quando a indicada do Sr. Silva, Sra. Rousseff, eleita em 2010 e reeleita em 2014, foi acusada e demitida do cargo”. Não por corrupção, mas por uma manobra contábil, diz o analista, ao lembrar que “o próprio promotor federal do governo concluiu que não era um crime”.

Enfim, não sou eu a dizer. Deu no NY Times. Maldito jornal petralha!

É a dança da chuva.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Lula: antes de melhorar, ainda vai piorar bastante

POR MURILO CLETO
Faltam poucas horas pro julgamento que deve sacramentar o destino do ex-presidente Lula. Na quarta-feira, 24, o TRF4 avalia recurso da defesa que contesta a sentença do juiz Sergio Moro, proferida no ano passado. Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva por considerar que a empreiteira OAS lhe presenteou com um apartamento triplex no Guarujá.

Há muita gente bem mais qualificada juridicamente do que eu pra dizer se a sentença está correta ou não e se Lula é realmente culpado. Tenho pra mim que não, mas nesse mérito eu não entro nem por decreto. O que mais chamou a minha atenção, observando com muito cuidado o comportamento das militâncias polarizadas ao longo desses meses todos, foi a relação meramente utilitarista que se desenvolveu com o julgamento.

De um lado, a esquerda que, à exceção do PCO, não tem coragem de – nesse contexto moralista e punitivista – se assumir contrária à Lei da Ficha Limpa e só quer que, independentemente do que decidir o colegiado, Lula seja candidato à presidência em outubro. De outro lado, o antipetismo que enxerga o julgamento de Lula como a oportunidade de barrá-lo nas eleições e de colocá-lo na cadeia.

No interior dessa dinâmica, absolutamente ninguém quer saber o que cada juiz vai dizer pra embasar sua decisão. Foi assim quando Moro julgou. Em instantes as 218 páginas da sentença já estavam rechaçadas de um lado e aplaudidas de outro.

É evidente que decisões judiciais não são absolutas (a própria existência de recursos prova isso) e que o debate em torno delas é saudável pra qualquer democracia. O problema é que o Brasil pós-2013 já não se vê reconhecido em quaisquer instituições. E o que é resolvido por elas serve apenas pra, de qualquer forma, validar uma posição já de antemão estabelecida na performance discursiva.

Se elas decidiram contra a minha causa, é porque estão comprometidas com os poderosos. “Se até elas” decidiram em favor da minha causa, é porque eu estou tão certo que nem elas são capazes de negar. Isso acontece o tempo todo com o Ministério Público, por exemplo. Dia desses ele era, para a esquerda, parte ativa do golpe reacionário que atropela garantias constitucionais mínimas. Depois a posição do MP serviu pra fundamentar a posição de progressistas contra o fechamento da exposição Queermuseu.

De novo, o trauma aqui não está na desconfiança nas instituições. É – insisto também nesse caso – saudável que elas tenham sido dessacralizadas. Acontece que no lugar delas não se colocou nada. E a principal função das instituições, que é a de mediar os sujeitos, desapareceu. Não se media nada num país polarizado como o nosso. Natural que em condições assim a sociedade responda com violência, sob a forma de mais justiçamentos e censura. Nesse cenário, o argumento de uma condenação ou de uma absolvição, sujeito à posição que se ocupa nesse front, não significa nada. Porque aqui o argumento também não significa nada. O total de brasileiros que vai mudar de opinião sobre Lula depois de quarta-feira é 0. Como foi em julho.

O cenário eleitoral de 2018 não é catastrófico apenas porque tem tudo pra ser uma versão caricatural de 1989, como muitos têm sugerido depois do anúncio da pré-candidatura de Collor. Mas porque até aqui ninguém, da classe política ou dos movimentos sociais, apresentou alguma alternativa suficientemente viável pra uma crise desse porte, muito maior do que a que é exibida pelos indicadores econômicos. E pior, a essa altura do campeonato é difícil achar alguém que não seja parte significativa dela.

Pode ser que melhore. Mas tudo indica que, antes de melhorar, ainda vai piorar bastante.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Sérgio Cabral e o canibal que come a própria carne

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A transferência do ex-governador Sérgio Cabral, algemado, com os tornozelos presos por correntes e exposto aos cliques dos fotógrafos, foi um espetáculo repugnante. E que fique claro: não se trata de defender o ex-governador (a sua culpa ou inocência é atribuição da Justiça), mas sim de abordar um episódio indigno e que, visto de fora, empurra o Brasil para o estatuto de uma republiqueta das bananas.

É preciso também lançar um olhar para a reação dos indivíduos. É inquietante ver pessoas que, movidas por um moralismo revanchista, até comemoraram essa exposição medieval do ex-governador. “É bandido e bandido tem que estar algemando mesmo”, escreveu nas redes sociais uma apoiadora de Aécio Neves. É como se a sociedade voltasse aos tempos em que se humilhava publicamente as pessoas com piche e penas.

O ressurgimento da palavra “medieval” não é obra do acaso. Afinal, houve tempos em que as execuções públicas funcionavam como entretenimento para as populações. O que mudou? Apenas o lugar. As praças, espaço público de outros tempos, apenas foram substituídas pelas redes sociais. Mas o tempo passou. E se antes um ser humano podia ser exibido com troféu, hoje isso é apenas barbárie. 

O contrassenso que salta aos olhos. Os que embarcam nessa febre punitivista são os mesmos que vivem a reclamar um país moderno. Cegos pelo moralismo e pelo desejo de vingança, nem percebem que é exatamente este tipo de atitude que empurra o Brasil para o terceiro mundo. Ou alguém duvida que esse episódio jamais seria possível numa democracia madura?

Há uma clara sede de vingança. E o argumento é o dente por dente. Como salientou Barthes, é uma questão de “iludir os valores qualitativos, em opor aos processos em transformação a estática das igualdades (olho por olho, efeito por causa, mercadoria por dinheiro, vintém por vintém, etc.)”. Quer dizer, se ele roubou ou desviou dinheiro da saúde, da educação ou do saneamento básico, então merece ser degradado desta maneira. 

Tornar a transferência de um preso num espetáculo para massas famintas de vingança é um perigo. Já disse alguém que se começamos a usar a lógica do olho por olho, o risco é que um dia acabem todos cegos. Mas infelizmente o aviso parece não convencer os conservadores (reacionários) brasileiros. É que eles são como o canibal que come a própria carne e acha que está a se alimentar.

É a dança da chuva.


PS1: Se o ex-governador pegar 342 anos de cadeia, para mim é igual ao litro. Se os crimes forem inequivocamente comprovados, nada mais justo que ele pague por isso.


PS2: Segundo a lei “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Bandidos daqui e de outros países. Será que somos melhores?

POR DOMINGOS MIRANDA
Em minha adolescência gostava de ler histórias sobre os maiores bandidos dos Estados Unidos, tais como Al Capone, Bonnie e Clyde, Butch Cassidy e Sundance Kid, entre outros. Confesso que ficava intrigado como Al Capone que, com a ajuda de bons advogados, conseguia escapar das acusações de assassinatos, contrabando e venda de bebidas durante a Lei Seca. Mas acabou sendo preso por causa da sonegação de imposto de renda. Meio século mais tarde a mesma estupefação me acompanha ao ver o presidente Michel Temer escapar de tantas acusações contra ele.

Nunca na história deste país, um presidente em exercício do poder esteve envolvido numa série de falcatruas, junto com toda a alta cúpula política de seu governo. São nove ministros e ex-ministros alvos de inquéritos ou que já estão presos. A Polícia Federal diz que Temer é o líder de uma organização criminosa chamada de “Quadrilhão” do PMDB. A Procuradoria Geral da República apresentou duas denúncias contra o presidente da República, que foram engavetadas depois de repasse de verbas para deputados ou anistia de dívidas para a bancada ruralista. Não faltam provas, desde vídeo com mala de dinheiro até conversas telefônicas.

Mas será que somos um caso único neste quesito de governo malfeitor? Não. Pesquisando, descobrimos que na Bolívia da década de 80 houve um caso de criminosos que tomaram o poder. Em 17 de julho de 1980, o general Luiz Garcia Meza deu um golpe de Estado para derrubar a presidenta Lídia Gueiller Tejada, que era sua prima. O objetivo maior desta ação foi impedir a posse do recém-eleito presidente Hernan Siles Suazo, de esquerda.

Com a ajuda da CIA, do departamento antidrogas americano (DEA), do empresariado e da mídia boliviana, o golpe foi tramado. Durante os 13 meses de governo do ditador, houve uma série de violências, inclusive o assassinato de líderes políticos de oposição e sindicalistas. Em 1995, Luiz Garcia Meza foi levado a julgamento e condenado a 30 anos de prisão. Também pegou 30 anos de cadeia o seu ex-ministro do Interior, o coronel Luiz Arce Gomez. Ambos foram acusados por desaparecimentos de pessoas, assalto a recursos público e tráfico de cocaína a partir da própria presidência.

Os Estados Unidos sabiam do envolvimento do general com o narcotráfico, mas mesmo assim seus governantes não tiveram pudores em ajudá-lo na derrubada de uma presidenta da República. Em seu livro “The Big White Lie”, o ex-agente da DEA e escritor americano Michael Levine, descreve como a DEA e a CIA trabalharam para levar Meza e os produtores de coca ao poder.

Nesta história comparativa, o que nos anima é saber que os dois maiores responsáveis pelo governo narcotraficante da Bolívia estão mofando na cadeia. Vamos esperar que aqui aconteça o mesmo, pois temos certeza que estes traidores de nossa pátria amanhã pagarão por todos os seus crimes. Para que isso aconteça basta que cada brasileiro cumpra o seu dever nas eleições de outubro. Como dizia a canção “Aroeira”, de Geraldo Vandré:  “É a volta do cipó de aroeira/no lombo de quem mandou dar”.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Os buracos de merda de Donald Trump

POR LEO VORTIS
Shithole. Você sabe o que significa? É literalmente “buraco de merda”. Lugar que, todos sabemos, é um cu. A palavra foi usada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, para dizer que desprezava os imigrantes de “shithole countries” como o Haiti, El Salvador e alguns países africanos. A expressão caiu mal, a notícia correu mundo e o presidente foi logo tachado de racista (dá para acreditar?).

O pessoal do staff da Casa Branca, como tem feito repetidamente ao longo do último ano, tentou reverter a situação. Mas às vezes a emenda sai pior que o soneto. E os tipos decidiram criar uma versão para lá de bizarra: Trump não teria dito “shithole countries”, mas sim “shithouse countries”. Ou seja, em vez de “buracos de merda” teria dito “casas de merda”. Ficou a merda. É ridículo, mas estamos a falar de um presidente que faz do ridículo o seu dia a dia.

Donald Trump reclamou daquilo que considera falta de qualidade dos imigrantes. E perguntou: por que não são os noruegueses a ir para os Estados Unidos? Ora, é só olhar para alguns dados acerca da Noruega para saber. O sistema público de saúde. A maior expectativa de vida. A maior prosperidade econômica. O sistema público de educação. A igualdade de gênero. A liberdade política e de imprensa. As 46 semanas para mulheres que dão à luz. O índice de felicidade.

Hoje em dia as ferramentas digitais permitem fazer coisas interessantes, por vezes até driblar o poder. E foi o que fez o artista Robin Bell que, munido com um projetor de luz, projetou a palavra “shithole” num lugar emblemático: a fachada da Trump Tower, em Manhattan. As imagens, transmitidas para todo o mundo pelas redes sociais, foram motivo de gáudio para aqueles que não aturam o atual inquilino da Casa Branca.


A projeção na Trump Tower

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Por onde andam os "heróis" do pré-golpe (vídeo)

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO


(pode ver o filme, em vez de ler, porque o conteúdo é o mesmo)
A fase do pré-golpe produziu cenas e figuras caricatas e muita gente ganhou fama nacional. Eram conhecidas de norte a sul do país. O motivo dessa gente era sempre o ódio de classe e o ódio ao Partido dos Trabalhadores. É certo que alguns até tentavam disfarçar. Diziam que era contra a corrupção, por causa do preço da gasolina e havia até os que diziam que bandeira do Brasil jamais seria vermelha.

Bem… passado um ano do golpe, todos sabemos o que aconteceu. Deu chabu. E essas pessoas, que eram protagonistas, simplesmente desapareceram. E hoje todo mundo pergunta: por onde andam?

Uma das figurinhas é Taís Helena Galon Borges. Todos lembramos dela. É aquela senhora que aparece a gritar num posto de gasolina a dizer para os motoristas não abastecerem os seus carros. Nessa época a gasolina custava R$ 2,80. E hoje, depois de tantos reajustes, com o preço a rondar os R$ 5 reais, cadê a mulher? Nem um grito, nem um protesto, tomou chá de sumiço.

Outra figura divertida é Rosangela Elisabeth Muller. O nome não diz nada? É aquela senhora que confundiu a bandeira do Japão com a futura bandeira comunista do Brasil. Vocês lembram, com certeza, desse episódio caricato. Aliás, se derem olhadinha no Facebook da senhora, vão ver que ela e outros do time batem continência para o nada. Todos adoram essa coisa do “militar”. E, claro, elogiam Jair Bolsonaro. Só que depois das notícias das últimas semanas, quando Bolsonaro foi apanhado em contrapé,  esse pessoal deve estar com uma tremenda dor de cabeça.

Mas entre todas essas criaturas estranhas que surgiram nos últimos tempos, os meus preferidos são aqueles que fizeram a micareta do “Fora Dilma, Fora Lula, Fora PT”. Se eu ainda estivesse no jornalismo diário, essa seria uma pauta obrigatória: tentar encontrar essas pessoas e tentar saber o que passava pela cabeça delas. Se bem que a resposta não deve ser difícil. Elas não têm nada na cabeça, portanto passa tudo. Entra por um lado sai por outro. Mas mesmo assim gostaria de saber quem são, quais as motivações e onde elas se escondem hoje em dia, porque ninguém sabe onde estão. Não é estranho.

Enfim, no frigir dos ovos parece que era mesmo apenas ódio contra um partido. Ou duvidam disso?

É a dança da chuva.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Fraude


O currículo escolar: que tal discutir o que as escolas ensinam?


POR JORDI CASTAN
Faltam ainda algumas semanas para o recomeço das aulas. Fiquei pensando, agora que os filhos já estão formados, sobre o que ensinam nas escolas. Nem quero entrar no tema da Escola sem Partido, sobre o qual a minha abordagem é muito mais prosaica. O que aprendi na escola? O que aprenderam os meus filhos? E o que poderemos esperar desta geração que está hoje em idade escolar.

Percebi que na escola não se aprende nem a ter consciência que se devem pagar impostos, nem como se calculam. Menos ainda o que são e quais são os impostos, taxas e contribuições que pagamos e como retornam a sociedade. Fiquei na duvida se teríamos professores para isso e que tipo de formação seria necessária para poder abordar o tema com conhecimento e isenção.

Tampouco lembrei de ter tido aula de como votar. O que são e como funcionam os partidos políticos. Achei que os alunos poderiam aproveitar muito uma boa aula sobre a matéria. Neste ano seria especialmente útil entender como os partidos escolhem os seus candidatos, porque os bons candidatos têm tão poucas chances de se eleger ou porque há tão pouca renovação entre os candidatos.

Me faltaram também aulas sobre como escrever ou preparar um resumo, uma carta ou qualquer coisa relacionada com pedir emprego. E estas coisas teriam sido mais úteis que conhecer a fórmula química do permanganato de potássio ou do nitrato de amônia.

Em matemática, não vi qualquer aula sobre como fazer e acompanhar um orçamento doméstico, sobre como calcular o preço real de uma geladeira paga em 12 meses "sem juros". Fui me dando conta de como teria sido importante que estes temas formassem parte do currículo escolar.

Acrescentaria ainda aulas sobre todos os temas relacionadas com o sistema bancário: pagamento de contas, cálculo de empréstimos e serviços oferecidos pelos bancos. E ainda uma introdução ao cálculo simples dos juros e dos custos embutidos nas operações básicas que, como cidadãos, estamos  obrigados a realizar, nesta relação quase obrigatória que todos os cidadãos temos ou teremos um dia com o sistema bancário.

Em lugar de ter aprendido o teorema de Pitágoras, que até agora nunca utilizei no meu quotidiano, teria preferido receber aulas sobre como sair de um carro em caso de acidente ou como fazer frente às emergências do dia a dia das pessoas normais. Até aprender como comprar um carro ou uma casa me parecem temas que deveriam formar parte do currículo escolar de todas as escolas do Brasil.

Olhando para a diferencia entre o que se ensina hoje nas escolas e o que deveria se ensinar, temo que vão seguir por mais algumas décadas penando por desenvolver o país, governados por uma trupe de ignaros que não terão o menor interesse em que o modelo atual mude.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Em Santa Catarina, índio bom é índio morto

POR DOMINGOS MIRANDA
Em sociedades civilizadas há uma preocupação em resguardar os interesses das pessoas marginalizadas e que sofrem abusos. Em Santa Catarina isto não vem ocorrendo há muito tempo. O caso mais recente destas agressões foi a morte de um professor universitário indígena na cidade de Penha, na madrugada de 1º de janeiro deste ano. Marcondes Namblá, da Terra Indígena Laklãnõ-Xokleng, caminhava calmamente quando foi agredido, pelas costas, com várias pauladas desferidas por Gilmar César, que continua solto.

Marcondes, casado e pai de cinco filhos, estava na cidade litorânea para vender picolé e reforçar sua renda. Ele lecionava e divulgava a cultura Xokleng e também era juiz indígena na aldeia Barragem, na cidade de José Boiteux, onde vivia.  Dois anos antes, em 30 de dezembro de 2015, o menino Vítor Pinto, de dois anos, da etnia Kaingang, foi morto no colo de sua mãe, debaixo de uma árvore, ao redor da rodoviária de Imbituba, no Sul do Estado.  Mateus Ávila Silveira, 24 anos, se aproximou da mãe, passou a mão no rosto do bebê e em seguida cortou o pescoço de Vítor com um estilete, provocando sua morte instantaneamente.

Estes dois casos demonstram um grande preconceito e um ódio latente contra os indígenas. A repercussão destas mortes na imprensa sempre é menor do que quando as vítimas são pessoas brancas, como a do assassinato do surfista Ricardo dos Santos, em janeiro de 2015. O delegado Douglas Teixeira Barroco, que investiga a morte de Marcondes, deu uma explicação um tanto estranha para a razão do crime. Ele disse que o índio teria mexido com o cachorro do agressor, mas as imagens da câmera não mostram isso. No entanto, a imprensa aceitou esta versão sem maiores indagações.

A violência contra os indígenas é um fato constante desde a chegada dos colonizadores brancos. Em Santa Catarina, o conflito entre brancos e índios se acirrou a partir do final do século 19, quando os imigrantes ocuparam as terras dos Xokleng e Kaingang.  O etnólogo tcheco Alberto Vojtech Fric, que esteve no Estado em 1906, a convite do governo, para verificar as condições dos índios, voltou à Europa e fez um relato dramático. Perante  o XVI Congresso Internacional de Americanistas, que aconteceu em Viena, em 1908, afirmou que “a colonização se processava sobre os cadáveres de centenas de índios, mortos sem compaixão pelos ‘bugreiros’, atendendo os interesses de companhias de colonização, de comerciantes de terras e do governo”.

Diante da repercussão internacional, o governo federal decidiu criar o Serviço de Proteção aos Índios (SPI),  cujo primeiro coordenador foi o Marechal Rondon. Houve alguns avanços em Santa Catarina, principalmente com a criação da primeira reserva indígena, em Ibirama, na década de 20. Hoje, existem 25 Terras e Reservas Indígenas em todo o Estado, mas muitas delas ainda dependem de demarcação, paradas por determinação judicial.

Um exemplo da precariedade da situação dos indígenas é a aldeia Piraí, em Araquari, onde estão apinhadas 150 pessoas da etnia Guarani numa área de dois hectares. O cacique Ronaldo Costa conta que o preconceito contra o índio está muito arraigado entre a população. Muitos afirmam que o índio é preguiçoso, mas não entendem que a sua mentalidade não é capitalista, onde só tem valor quem tem dinheiro. Eles viviam da caça e da pesca, mas como o branco alterou o meio ambiente, muitos vão para a cidade vender artesanato. “O desmatamento prejudica. Sem mato a gente não vive”, lamenta.

Os índios vão sobrevivendo no meio de uma sociedade que não os quer. De vez em quando surgem crimes escabrosos que chamam a atenção para a sua triste realidade. Mas, em um momento em que campeia o ódio para todos os lados, muitos continuam achando que índio bom é índio morto. Cabe aos defensores de uma sociedade justa lutar para evitar que isto se concretize. Aqui vale citar a frase de Rondon: “Morrer se preciso for, matar nunca”.


Marcondes Namblá foi morto em Penha