quinta-feira, 11 de maio de 2017

Lula, Moro e Lava Jato: o perigo mora ao lado

CHARLES HENRIQUE VOOS
Após o circo midiático ocorrido em Curitiba no dia de ontem (9/5), podemos contar as migalhas que restaram. Lula não foi preso, como os eufóricos paneleiros ansiavam, e ele não conseguiu dar uma "lição de democracia" no juiz, como petistas aguardavam. Foi um embate de pesos pesados - de um lado um capital político poderoso e, de outro, um personagem criado como super herói pela grande mídia e redes sociais - que culminou em um perigoso futuro, pois pode dar margem para terceiros se aproveitarem alimentados pelas indefinições ad infinitum que tríplex, delações, empreiteiros e prisões de "operadores estruturais" causam no cenário político.

Nesse jogo histórico de realinhamentos de posturas de nossa democracia, não existem rupturas. O Brasil vai sendo como pode ser, ou aos "trancos e barrancos", como já diria Darcy Ribeiro e traz consigo convergências de perigosas posturas. A independência, a formação da república, o estado novo, as diretas já e os impeachments são provas fieis disto. A "Lava Jato" pode ser a força motriz que novos grupos conservadores precisam para lançar nomes e propostas conservadoras para o país.

Enquanto as esquerdas divergem, e boa parte delas apela para o saudosismo de Lula como solução (Lula nunca conseguiu romper como prometido), a proposta que vai surgindo e ganhando a boca dos principais arquitetos dos realinhamentos é interessante, especialmente para os mais ingênuos e órfãos de novos heróis. Como os petistas "destruíram" o país, os políticos opositores a eles estão tão sujos quanto e a justiça pouco consegue fazer na terra dos milhões de Cunhas, nada melhor que lançar nomes "de bem", de empresários famosos a apresentadores de TV ricos e sucedidos. Pois eles são pessoas que "fazem o Brasil prosperar" e ajudam os mais pobres com empregos, visão e caridade.

Dória nem imaginava o quanto seu nome estaria cotado neste pré-2018 quando foi lançado candidato a prefeito, há alguns anos. Muito menos que conseguiria dar uma arrancada monstruosa que o levasse à vitória na capital paulista. O efeito Trump e o enfadonho Moro contribuíram para que o tucano fosse apresentado como solução. Até Roberto Justus e Luciano Huck surfaram na onda, com maior ênfase para o global. Ele gostou de brincar de eleições, e sabe como poucos que democracia é um quadro cheio de segundas intenções, nos moldes da "tiazinha" e "feiticeira" dos tempos de TV Bandeirantes.

É por isso que o perigo mora ao lado. Não está nos "petralhas" e nem na "república de Curitiba". Está naqueles que sempre encontraram falsas soluções mágicas e fantásticas para o país, sobretudo em momentos de crise e nebulosidade. Enquanto o país se divide por uma fantasia de democracia, os ratos vão tomando os porões dos espaços de decisão do poder, local onde está sentado o seu rei-mor, pronto a se sacrificar pelo bem da ninhada que há séculos domina e impede as autodestrutivas rupturas para sempre se aproveitar do poder.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Aos 199 anos, o velho barbudo continua vivo


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Na semana passada, se fosse “imorrível” (porque imortal ele é), Karl Marx teria completado 199 anos de idade. Isso significa que no ano que vem vai ter festa das grandes. O fato é que o velho barbudo, tão anatemizado pelos que nunca o leram (e pelos que não entenderam), é um dos maiores pensadores da história. E não sou eu a dizer. É quase um consenso nos meios acadêmicos. E não só...

Um exemplo. Faz alguns anos, a respeitável BBC Radio 4, lá das terras de Sua Majestade, realizou uma votação para escolher o maior pensador de todos os tempos. Quem ganhou? Karl Marx, claro. E com uma goleada sobre o segundo colocado, o filósofo e historiador escocês David Hume (27,93% contra 12,67%). Mais atrás ficaram Wittgenstein, Nietzsche, Platão, Kant, São Tomás de Aquino, Sócrates, Aristóteles e sir Karl Popper (vá de retro).

A coisa até podia passar despercebida se não fosse a Inglaterra o país do liberalismo e da tal terceira via. Não vamos esquecer que o Reino Unido nos deu uma Margareth Thatcher e toda a herança nefasta do neoliberalismo. Portanto, não deixa de ser estranha a escolha de um pensador cujo nome ainda provoca ranger de dentes.

O mito (no sentido barthesiano) está instalado. Para desqualificar um interlocutor, é só dizer que ele é marxista. Porque é sinônimo de atraso, anacronia e fracasso. Quem publica sabe que é preciso medir as palavras ao citar Marx: quando se fala ao homem comum, quando se escreve um artigo de jornal ou mesmo quando se defende uma tese académica. Qualquer discurso que cheire ao tal marxismo é logo amaldiçoado pelos conservadores.

Depois da queda do Muro de Berlim, o neoliberalismo impôs-se como modelo sem alternativa. Modelo único, pensamento único. Todas as teses que estejam em discordância com o liberalismo econômico acabaram banidas do sistema de circulação de ideias. Qualquer pensamento dissonante é considerado datado, inoportuno. É tese sem antítese. Não há comunicação.

Mas o método de análise do velho filósofo ainda tem muita força. É preciso ler a sua obra. O problema é que os sicofantas do establishment não gostam de livros, preferem o conforto das verdades prontas. Marx falou em boa sociedade, mas nunca construiu uma cartilha para ensinar como chegar lá. Aliás, a força do seu pensamento vem justamente de ter empreendido um competente análise do capitalismo. Que ainda hoje serve como referência.

Não curto as auto-referências, mas para terminar o texto de hoje tomo a liberdade de reproduzir um excerto de um texto meu publicado aqui no caderno Anexo, do jornal A Notícia, num distante dia 18 de abril de 1993. Faz muito tempo. Nessa época já muita gente não gostava, mas as pessoas não tinham o hábito de escrever cartas anônimas para os jornais (não era tão fácil quanto escrever barbaridades nas caixas de comentários dos blogs).

Então, lá vai: “Nos tempos de euforia liberal, Marx se transformou em sinônimo de atraso e a simples citação do seu nome podia colocar o indivíduo do lado menos recomendável do muro. Tornou-se impossível falar acerca do pensamento do velho filósofo sem que se esbarrasse em argumentos apriorísticos cuja irracionalidade impedia qualquer discussão. Prevaleceu a histeria burra que dividia o mundo em mocinhos e bandidos (estes os que nutrissem simpatia pelo pensador alemão). Fruto de irrefreável compulsão ao reducionismo, aqui no patropi estigmatiza-se o que se julga entender por marxismo e, frase feita, joga-se tudo na lata de lixo da história. Só que qualquer pessoa com um mínimo contato com esse campo teórico sabe que Marx não se presta às simplificações pretendidas pelo senso comum”.

O pensamento do velho barbudo continua vivo. E válido. E no ano que vem, pelos 200 anos, vai ter festa da boa.

É a dança da chuva.



terça-feira, 9 de maio de 2017

Bairro Costa e Silva é nosso maior monumento à ditadura



POR IZAIAS FREIRE*

Uma hipótese que desenvolvi em recente pesquisa sobre Joinville durante o regime civil-militar instaurado em 1964 foi a de que o momento em que mais se fez sentir a repressão na cidade foi durante o governo Geisel, ao contrário dos grandes centros urbanos do país. E, no entanto, Geisel praticamente caiu no esquecimento. A memória coletiva na cidade tem em Costa e Silva a principal referência acerca das marcas do regime de 1964 em nosso passado recente. Isso talvez aconteça pelo fato de o general-ditador constituir-se no mais visível monumento à ditadura no cotidiano da cidade, afinal, não se trata de um logradouro qualquer, Costa e Silva dá nome a um de seus principais bairros.

Observe os demais monumentos à ditadura em Joinville. Poucos sabem que na galeria dos títulos honoríficos concedidos pelo legislativo da cidade figura o de cidadão honorário de Joinville dado a Médici em 1971. Quais transeuntes já se deram conta da Praça Marechal Castelo Branco no centro da cidade? Estabelecimentos de ensino como as escolas E.E.B. Presidente Médici e E.M. Presidente Castelo Branco continuam como monumentos ao regime de 1964, embora sejam estes mais transitórios: escolas são fechadas o tempo todo e junto com elas vão-se os vestígios desse passado. Quem se lembra do retrato de Geisel no Conselheiro Mafra? Quem ainda se lembra da Escola de 1° Grau 31 de Março no Iririú? São monumentos contingenciais, com o tempo deixam de existir, aos poucos tendem a desaparecer da memória coletiva. Quando a referência é um bairro, por outro lado, o monumento tende a perpetuar-se.

O monumento a Costa e Silva constitui-se, na acepção do pensador alemão Walter Benjamim, um documento à barbárie, cujo processo de transmissão tem passado de um vencedor a outro, configurando-se assim como um poder material e simbólico que tem atuado no reconhecimento público desse vencedor.

O que está em jogo na mudança de nome do bairro Costa e Silva é a identificação ou não com esse monumento. Ou seja, passados os anos, as pessoas na cidade sentem-se representadas pelo ditador que instaurou o AI-5? A população precisa decidir, a despeito de todos os inconvenientes que implicam na mudança de nome de um bairro, se quer continuar a conviver com a referência a um regime que exilava, prendia, torturava e matava seus oponentes. Se aceita manter um monumento ao autoritarismo na constelação de seu patrimônio histórico em tempos de democracia.

É fato que o legado de Costa e Silva deixou marcas para cidadãos joinvilenses: pessoas foram presas, torturadas, censuradas, investigadas, alvos dos temidos serviços de informações como o SNI e o DOPS, outras perderam emprego, entraram para “listas negras” de personas não gratas nas fábricas locais.

Embora a nossa tradição histórica tenha sido a da conciliação, está mais que na hora de abrir esse debate que só cabe a uma cultura política democrática. E não estamos a tratar de algo incomum. Essa tem sido a tendência do movimento da história nas últimas décadas. Quando os regimes autoritários caíram na Europa, seus monumentos tiveram a mesma sorte. Assim foram destruídos os monumentos nazistas, stalinistas e fascistas de um modo geral. O monumento histórico só é legítimo quando não nega as lutas e contradições que o envolveu, quando não visa naturalizar a história do vencedor sobre os vencidos.

*Izaias Freire é Mestre em História, pesquisador da ditadura civil-militar em Joinville e membro do Movimento pra mudar o nome do bairro Costa e Silva.

Um primeiro encontro...

POR ET BARTHES

Porque há casos em que é sempre um primeiro encontro.



segunda-feira, 8 de maio de 2017

A maior cidade do estado também tem os maiores problemas

POR JORDI CASTAN
Joinville vive dividida entre o seu sonho de ser grande e sua necessidade de ser melhor. Fez a pior escolha e renunciou a ser melhor, para seguir crescendo com a mesma lógica que utilizam as células cancerígenas. O resultado é o título de maior cidade do Estado. Ora, Santa Catarina é o único estado em que a capital não tem a maior população.

Ser a maior só garante que os problemas que Joinville sejam também os maiores. Os indicadores são perversos e mostram o quanto a cidade é penalizada por essa ânsia de crescer. Um crescimento sem planejamento e sem recursos. Podemos acrescentar ainda: sem ideias, sem visão e sem outro modelo que não seja o de continuar crescendo. Há, no imaginário dos dirigentes locais, a ideia consolidada que é possível seguir crescendo indefinidamente.

É um conceito que já tem sido abandonado pela maioria de cidades modernas e avançadas, que entendem que não é possível crescer sem que se estabeleçam parâmetros e indicadores de qualidade para a população. O modelo das cidades grandes é o que se baseia ainda no princípio de economia linear, aquela que precisa de recursos infinitos num mundo finito.
As cidades inteligentes estão orientadas no modelo da economia circular. Cidades pensadas para ser sustentáveis. Para ser mais econômicas e eficientes. Para oferecer mais qualidade de vida aos seus habitantes.

Os pedestres ganham mais espaço e o espaço público é planejado para permitir que haja uma menor necessidade de deslocamentos de um extremo ao outro da cidade. O transporte individual é desestimulado e é cada vez maior o número de cidades que fecham as áreas centrais aos veículos individuais. Nos próximos 10 anos, já haverá cidades que não permitirão o acesso aos carros.


Ainda há tempo para reagir, mas a mudança exigiria um esforço enorme do poder público, que parece aceitar bovinamente a sua incapacidade para fazer e fazer bem feito. Se isso não fosse suficientemente grave, ainda por cima o joinvilense tem desistido de acreditar que outra Joinville é possível. E aceita a inépcia como modelo de gestão e o tamanho como modelo de cidade.

Joinville cresce muito e continua crescendo mal. As obras públicas são mal planejadas e pior executadas. A quantidade de imóveis públicos abandonados ou em péssimo estado de manutenção é a melhor prova do descaso com que é tratada a coisa pública.