quarta-feira, 2 de novembro de 2016

De costas para a Lagoa












POR RAQUEL MIGLIORINI

Na semana que passou, assistimos à destruição de muitas praias do litoral catarinense, provocada pela maré alta e por ondas de mais de 4 metros de altura. A água entrou em casas, prédios, invadiu ruas e encheu as avenidas beira-mar de areia.

Joinville entrou para a lista de cidades atingidas por se situar no nível do mar e o Rio Cachoeira, que tem sua foz na Baía da Babitonga, cortar a cidade. Entre a Baía e o rio, temos a Lagoa do Saguaçu, um dos mais ricos ecossistemas catarinenses. Esse ambiente sofre, há anos, um processo de degradação que os joinvilenses assistem passivos, virando as costas para o problema.

A degradação da Lagoa do Saguaçu e da Baía da Babitonga teve início na década de 30 com o fechamento do Canal do Linguado, para passagem de uma estrada de ferro. Essa construção impediu o fluxo de maré e o processo de assoreamento começou. Seria cômodo pararmos aqui, mas os anos seguintes foram mais cruéis. Na década de 50, a grande empresa de fundição se instalou às margens da Lagoa e continuou o processo de assoreamento, depositando ali a areia usada no processo de fabricação das peças de ferro. Parte dessa areia também aterrou manguezais nos arredores do bairro e, pelo movimento das marés, acabou na Lagoa também.

Esses dois eventos seriam suficientes para explicar o processo de degradação ambiental e a dificuldade de navegação e pesca nessa área. Mas, o crescimento populacional em Joinville, no início deste século, trouxe um componente a mais para a tão sofrida Lagoa: excesso de matéria orgânica jogada no Rio Cachoeira na forma de esgoto doméstico. A quantidade de esgoto era tão absurda que o Ministério Público Estadual ajuizou uma ação contra a prefeitura porque, em 2006, apenas 10% da bacia hidrográfica do Rio Cachoeira tinha seu esgoto tratado.

Os prazos foram prorrogados algumas vezes e em 2010 começou a ampliação da rede coletora de esgoto pela Companhia Águas de Joinville. Problema solucionado? Não. Duas das empresas contratadas para a execução do serviço fizeram um trabalho tão porco que o resto da areia utilizada para refazer as calçadas abertas eram deixadas  nas ruas e, claro, levadas pelo sistema de drenagem até o Rio Cachoeira e,  consequentemente,  para a Lagoa do Saguaçu.

O mesmo Ministério Público abriu uma ação contra a fundição para reparar os danos ambientais causados na região. O dinheiro (R$ 800 mil à época) foi utilizado num Termo de Ajustamento de Conduta com a Prefeitura de Joinville para fazer o Parque Municipal das Caieiras, visando a proteção ambiental e arqueológica de uma área no Bairro Adhemar Garcia. 

A empresa construiu  a Unidade de Conservação e o ônus do cuidado e manutenção ficou para a Prefeitura. A maioria dos moradores sequer sabe  onde fica esse Parque. Os que sabem, não freqüentam porque o local é mal cuidado, com o Mirante interditado e passarelas quebradas. Não existe Plano de Manejo, não tem banheiros na parte de trás (que é bem distante da entrada), não se pode comer nada lá dentro, os fornos das caieiras estão desmoronando e não há vigilância na parte de trás do Parque  que dá acesso para a Lagoa do Saguaçu. Em suma, temos um termo de conduta bem difícil de ser digerido.

As pessoas acham maravilhoso ir para o interior da França e sentar às margens do Reno, ou em Paris navegar no Sena. Em Londres, ver o pôr-do-sol no Tâmisa e tirar belas fotos. Em Joinville, podemos ver a linda Lagoa do Saguaçu do alto do Morro do Finder, do Mirante no Morro do Boa Vista e no Parque Caieiras. Mas a população vira às costas para esse espetáculo da Natureza há mais de 70 anos.



terça-feira, 1 de novembro de 2016

O que esperar de Joinville com Udo de novo?

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

JOINVILLE GOSTA E REELEGER PREFEITOS - Nos últimos 20 anos, somente Carlito Merss (PT) não conseguiu tal feito. A reeleição de Udo Dohler (PMDB), consumada no último domingo, revela a força do partido na cidade, bem como uma poderosa resposta ao projeto de sucessão do governador Raimundo Colombo (PSD), derrotado aqui, em Blumenau e em Florianópolis (numa desvirada maluca de Gean Loureiro, também do PMDB).

Após uma campanha que, confesso, me despertou uma indiferença como há tempos não via, precisamos contar os pontos do resultado. O continuismo de Udo pode ser um alento para quem defendia "deixar o homem trabalhar", como se quatro anos não fossem suficientes, embora tenha traços de pioras em vários segmentos da gestão pública.


"Queremos transformar a cidade de Joinville: mais justa e segura"

Essa frase de Udo para o jornal ND minutos após ser confirmado o vencedor do segundo turno preocupa. Tudo porque seu vice, Coelho, é inimigo declarado dos movimentos sociais da cidade (sobretudo o MPL), e tem um histórico de preconceito, repressão às minorias e tudo aquilo que não combina com a justiça social. Aos duvidosos, convido a leitura de seu Twitter e Facebook.

- "Vice não manda!", diriam alguns. Ocorre que o militar foi escolhido "a dedo" para a vaga, trazendo consigo a imagem de que o novo governo tornará a cidade mais "segura". Já está mais do que provado: segurança pública não se resolve com mais policiamento (a campanha prometeu triplicar o número de agentes da guarda municipal), mas com uma cidade menos desigual.

SE FOR MANTIDA A ESTRATÉGIA DO PRIMEIRO MANDATO -  Nesse caso, a redução das desigualdades será uma coisa para fantasia e confetes, apenas. Este é o mesmo prefeito que não investiu um centavo sequer em políticas de direitos humanos, juventude e afins, por exemplo (lembram do feriado da Consciência Negra?). É o mesmo articulador da LOT entre ACIJ, executivo e legislativo (creio que seja desnecessário, mas lembro de todas as coisas ruins e ultrapassadas presentes na nova lei de ordenamento territorial e que foram amplamente descritas aqui no Chuva) muito antes de se eleger. Sem esquecer dos escândalos da saúde (adulteração das filas para consultas), dezenas de intervenções do Ministério Público em seu governo, as promessas não cumpridas (300km de asfalto, ponte do Adhemar...) e a política de educação fajuta (tablets "para todos os alunos", reformas a la Luiz Henrique da Silveira, e o "aumento de vagas" com o corte do turno integral das creches).


"Vamos fazer três pontes"

Para piorar, o rodoviarismo estampado na capa da página online do jornal AN. Ainda que o Plano Diretor e o Plano de Mobilidade dissessem para investir prioritariamente em transporte público, Udo vai repetir a promessa de pontes, obras caras e que não trazem tanto efeito assim, em comparação com o mesmo investimento em outras políticas urbanas, por exemplo. Para quem não lembra, o primeiro mandato não fez a licitação do transporte coletivo porque foi omisso e não comprou uma briga judicial contra as empresas de ônibus da cidade, apesar de Dohler não nutrir amores pelos Bogo. Como resultado, o contrato foi renovado temporariamente, sem qualquer tipo de transparência e até hoje estamos sem saber o que, de fato, vai acontecer.

UDO NÃO TOLERARÁ CRÍTICAS, COMO SEMPRE - Marca de seu primeiro mandato, uma equipe totalmente articulada com as redes sociais sempre monitorou os passos e os discursos contrários à gestão. Considero que esse foi o setor mais atuante dos últimos quatro anos. Afastou funcionários sem motivo aparente (Lia Abreu que o diga...) e sempre botou a culpa nos outros. Não há nenhuma perspectiva diferente nesse sentido, infelizmente. 

"Temos de contar com todos os joinvilenses"

Outra frase estampada no AN, construída por puro marketing e que só faz sentido para aqueles que pensam igual ao empresário. Tanto que um de seus slogans na reta final foi "ao invés de reclamar, trabalhar", mostrando como se sente intocável e não receptivo às ideias contrárias, parte importante da construção social e do bom debate democrático. Pelo contrário: Udo foi um grande reclamão, chamando movimentos articulados de "arruaceiros", "gente que quer o atraso", e essas coisas todas que só servem para desqualificar quem pensa diferente, uma pedra fundamental para se dar bem em Joinville. Seu primeiro mandato não foi muito democrático, e tampouco o segundo será. É só juntar os discursos proferidos com a sutileza das suas ações nos bastidores para comprovar tal afirmação. 

APESAR DA REELEIÇÃO - Udo não tem cacifes para se alçar ao governo do Estado, como esbravejam alguns por aí. Os movimentos são mais complexos e o partido possui outros caciques ansiosos na fila, como Mauro Mariani e Pinho Moreira. O certo é que em âmbito local será extremamente dominante, ordenando uma maioria absoluta na Câmara de Vereadores e absorvendo dissidentes de Darci (o cara que quer ser "a voz dos que não têm voz", começando por si próprio) com cargos e novas alianças políticas, o que é bem normal considerando o nível dos 19 eleitos em Joinville. 

Com a ACIJ nas mãos há quase uma década, reeleito e administrador de grande maioria no legislativo, não haverá desculpas que se sustentarão na imprensa (amplamente favorável ao seu primeiro mandato, diga-se de passagem) ou nos livros de história. Udo tem uma condição rara em suas mãos e que não existia nessa cidade desde a década de 1960. Quem dera se usasse isso em favor da maioria, pobre, segregada e amplamente marginalizada, né?

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Udo Dohler é seu empregado. Exija que faça melhor...















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O eleitor escolheu Udo Dohler. O voto é soberano, nada a dizer. É natural que os vencedores comemorem o resultado. Que os comissionados enviem recados para os desafetos. Que puxa-sacos espontâneos suspirem por cargos. Que integrantes da coligação queiram cobrar o preço do apoio. Faz parte do jogo. Mas é hora de olhar para a frente. Quando acabarem as comemorações, é bom o pessoal voltar ao trabalho com muito empenho, porque é preciso fazer mais e melhor.

Udo Dohler não é bobo. E sabe que a cidade de primeiro mundo apresentada na campanha é apenas falastronismo marqueteiro. Os eleitores também não são bobos. E sabem que os quatro anos da atual administração tiveram mais buracos do que queijo suíço (no sentido figurado e na realidade). Aliás, os 136 mil votos contra e alguns sustos durante a campanha são a evidência de que Joinville não é uma Shangri-la. O resultado das eleições constitui um aviso de que é preciso mudar a forma de governar.

Será que muda? É difícil. Udo Dohler traz como marca pessoal o fato de ser um autocrata pouco dado a frufrus democráticos. Além disso, o transcurso do primeiro mandato fez com que o prefeito fosse abalroado pela realpolitik, o que provocou uma mudança na rota original: a figura do gestor foi posta de lado e Udo Dohler tornou-se mais um político. E como tal passou a ter o olhar nas urnas. O oposto do que defendia em 2012. É o tipo de perfil que impede de fazer projetos para além de quatro anos.

O estilo autocrático de Udo Dohler contagiou outras instâncias de “poder” na administração pública. O autismo político levou à arrogância e ao distanciamento do povo. Fica a ideia de que os eleitores são meros figurantes no puzzle político. A sensação é a de que os ocupantes do prédio na Hermann Lepper imaginam ser donos de Joinville. Não são. De fato, são apenas empregados do cidadão. Udo Dohler é empregado dos joinvilenses. Os comissionados são empregados dos joinvilenses.

Nenhum empregador (o cidadão, repito) quer ser ignorado pelo seu empregado. É hora de exigir mais resultados e menos publicidade. Há muito por fazer. Tapar buracos, cuidar da saúde ou planear a cidade. E não é favor. É obrigaga﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽mples baba-ovos suspir Citora.e inteligente e humana iem recados para os seus desafeitos. Que simples baba-ovos suspirção. Não é hora apenas de deixar o Udo trabalhar, como ele pedia na campanha. É hora de exigir que ele trabalhe... e defenda o interesse comum. Ou seja, que defenda os interesses dos seus patrões, que são os mais de 300 mil eleitores que votam nas eleições.


É a dança da chuva.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O racismo é ambidestro



POR FELIPE CARDOSO

Na polarização entre direita e esquerda, impeachment ou golpe, azul ou vermelho, o racismo permanece intacto. Mesmo com tanto tempo de debates e acirramentos entre esses dois polos de pensamentos, raramente vimos episódios de inclusão e verdadeira preocupação para resolver os reais problemas dos negros e indígenas.

Se do lado direito não encontramos, na maioria das vezes, o reconhecimento da existência do racismo em nossa sociedade, do lado esquerdo, encontramos tal reconhecimento acompanhado do racismo velado, que torna-se perceptível apenas com análises de algumas posturas e ações daqueles e daquelas a quem costumamos chamar de camaradas.

Engana-se quem pensa que a luta antirracista esbarra somente na onda conservadora e reacionária da direita que insiste em produzir e martelar constantemente a ideia de “vitimismo”, “meritocracia” e “racismo reverso”.

Ela também fica presa ao discurso vazio e com a falta de prática real da esquerda para o combate efetivo ao racismo estrutural e institucional presente na nossa sociedade. Quando não é silenciada por aqueles militantes brancos que se apropriam do discurso de que o problema existente é o “de classe”. Como se não tivessem acesso a História mundial (que tanto cobram da direita) sobre a colonização e escravidão. Deixando de lado as nossas pautas, tornando-as secundárias, tornando invisível a nossa luta.

A luta antirracista esbarra também na visão de alguns militantes de esquerda que insistem em colocar celebridades negras, que detém algum poder aquisitivo, como vilãs ou como objeto do capitalismo, esquecendo-se realmente da cor predominante que controla o sistema. Parece que alguns militantes de esquerda sofrem ao ver um negro com poder aquisitivo ou exercendo alguma representação de poder, mesmo sentimento que muitos que têm o pensamento voltado aos ideais da direita transparecem. E isso é somente mais um reflexo do nosso passado escravagista que não permitiu a sociedade a se acostumar a ver o negro em posições de poder político, econômico e cultural.

Justamente por isso, os negros e negras ficam reféns da representação na mídia oligárquica que trabalha a estereotipagem negra sempre de maneira negativa, pejorativa, desde as novelas e jornais até a publicidade. E isso também se repete em alguns poucos veículos midiáticos e de imprensa progressistas e de esquerda existentes no país.

Um exemplo disso é a capa recente de uma edição do jornal Le Monde Diplomatique, em que mostra um negro, nu, desdentado e alienado com as novas medidas adotadas pelo atual governo de Michel Temer. A imagem pode ter várias leituras de sua representação, mas analisando de acordo com o nosso contexto e histórico é notório o racismo. A animalização do corpo negro, a representação do negro como um ser politicamente alienado, ignorante, alheio aos acontecimentos, pobre e desvalido do senso crítico e político. Tal representação fica descaradamente racista ao lembrarmos que os veículos de imprensa da esquerda, durante a onda de protestos contra a ex-presidente Dilma, destacaram a presença maciça de pessoas brancas e de classe média presentes em tais atos. Isso prova como é descabido e racista tal capa, induzindo a interpretação dos leitores do jornal a culparem os negros pobres do país pela guinada à direita.

Tal representação relembra os anúncios publicitários e imagens jornalísticas do período colonial e pós-escravista em que utilizavam os mesmos recursos para ridicularizar e culpar os negros pelo atraso do país.

Isso se deve ao fator histórico a que fomos condicionados. Desde a colonização dos países africanos por países europeus, o mundo conheceu, interpretou e enxergou o continente africano, seus habitantes e descendentes em diáspora sob a ótica eurocêntrica, ou seja, com a visão branca, europeia, colonizadora. Então, tanto os brancos de direita, quanto os de esquerda, construíram e constroem suas visões de acordo com essa visão racista, com esse olhar do colonizador.

Tudo isso gera na cabeça de nós, negros e negras, a falta de perspectivas e nos faz acreditar e aceitar o racismo como algo que está posto e que devemos aceitar, sobrevivendo com tais injustiças. Faz-nos crer que o racismo é um fator natural que sempre existiu e sempre existirá, tornando-nos impotentes, não sabendo para onde ir, em que caminho trilhar ou seguir.

E é aí que realmente mora o problema: a naturalização do racismo. Stuart Hall* (2016, p. 171) afirma que:

“A lógica por trás da naturalização é simples. Se as diferenças entre negros e brancos são “culturais”, então elas podem ser modificadas e alteradas. No entanto, se elas são “naturais” – como acreditavam os proprietários de escravos –, estão além da história, são fixas e permanentes. A “naturalização” é, portanto, uma estratégia representacional que visa fixar a “diferença” e, assim, ancorá-la para sempre. É uma tentativa de deter o inevitável deslizar do significado para assegurar o “fechamento” discursivo ou ideológico”.

E mais adiante, ao definir hegemonia, Hall (p. 193) diz que:

"A hegemonia é uma forma de poder baseada na liderança de um grupo em muitos campos de atividade de uma só vez, para que sua ascendência obrigue o consentimento generalizado e pareça natural e inevitável".

Isso nos faz refletir sobre a hegemonia branca, que está presente e na liderança de vários segmentos da sociedade (mídia, moda, política, economia), inclusive em organizações, entidades e movimentos de esquerda, que podem contribuir com a naturalização do racismo.

Então, cabe a nós, negros e negras, insistir e investir no entendimento do racismo como algo cultural e histórico, construído, estruturado e ramificado na sociedade. Pois somente assim conseguiremos alterar e modificar tal cultura. E fiquemos atentos e atentas, pois a tentativa de naturalização e fixação do racismo está tanto na esquerda, quanto na direita. E nós, nós continuamos negros.

*HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC Rio: Apicuri, 2016.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Alunos sem partido
















POR FILIPE FERRARI

O projeto da “Escola sem Partido” continua com suas safadezas. Apesar de meio sumido da mídia, sabemos que as discussões ainda estão nos espaços públicos, e nas redes sociais há diversos incautos que continuam a defender o mesmo. A maioria desses, provavelmente nunca entrou numa sala de aula.

O projeto apresenta uma série de furos e bobagens. Há professores que fazem propaganda partidária? Sim. Há professores que tendem à esquerda? Sim. Entretanto, há professores que defendem a Ditadura Militar? Sim. Há professores que se comportam de maneira homofóbica, sexista, misógina e machista? Tem também! A sala de aula talvez hoje seja um dos ambientes mais plurais da sociedade, onde perfilam todos os tipos de ideologias. A questão principal é: quais discursos a “Escola sem Partido” cerceará?

Entretanto, não é do professor que quero falar, mas dos alunos. Os proponentes do projeto devem enxergar os alunos como meros receptáculos vazios, como se o professor fosse capaz de moldar os estudantes com as suas ideias e eles as aceitassem sem nenhum tipo de crítica. Bom, saibam que não é assim. O mais gratificante da vida de um professor é conseguir também aprender com os alunos. Certamente o professor molda, mas também é moldado. O que falta compreender nesse “projeto”, é que a educação é um processo dialético, onde há a troca de saberes em diferentes graduações.

Existem sim professores que entram em sala, despejam seu conteúdo e não ouvem os alunos (e são professores assim que a “Escola sem Partido” quer), mas esses são professores mortos, que entendem o educar como um fardo. Não vou ser romântico e dizer que ser professor é um mar de rosas. É cansativo, é pesado (especialmente pelas condições de trabalho e reconhecimento), mas em algum lugar reside a “cachacinha da educação”, que uma vez provada, vicia. 

Tenho um exemplo prático disso. Durante toda minha adolescência e parte da vida adulta, execrei o Rap. Carregava comigo esse preconceito cultural e musical. Agora, fazem algumas semanas, tenho ouvido, por influência e insistência de alguns alunos, e hoje percebo o quanto tempo perdi ao não conhecer as rimas pesadas e poderosas de Brown, Criolo e Emicida. Estou me aventurando pelos latinos, e em breve quero chegar no Sabotage. 

Parece bobagem, mas é um exemplo de como a transformação tem duas vias. Como querer professores “neutros”, se os alunos, graças a Deus, não o são? Que cada um tenha os seus partidos (e quem acha que eu estou falando de partido político, que vá procurar um dicionário), e que as transformações diárias estejam em todos os lugares.