terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Joinville bateu o recorde de homicídios, e não foi por acaso

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O Jornal A Notícia acabou de divulgar a triste notícia que Joinville bateu seu próprio recorde de homicídios na cidade: 87 mortes somente em 2014 (o máximo havia sido 86 mortes em 2009). Infelizmente esta é uma situação esperada, visto que o modelo de cidade no qual consiste a nossa é marcado pela segregação socioespacial, espraiamento urbano, falta de oportunidade e de espaços iguais.

A mesma matéria do jornal mostra que os homicídios estão concentrados em uma parte da cidade, ou seja, na zona sul de Joinville. O que não é uma novidade, pois historicamente isto acontece nesta região da cidade. Só no Paranaguamirim foram 18 mortes e, não por acaso, este é um dos bairros mais longínquos da "cidade oficial", aquela cidade que oferece tudo nas regiões mais centrais (aparelhos culturais, áreas de lazer, shoppings centers, transporte público de qualidade um pouco maior, etc.). São pessoas exiladas pela suas próprias condições de habitação periférica. Como nós do Chuva Ácida escrevemos várias vezes sobre estes temas, pretendo seguir por outro caminho, trazendo o exemplo de uma cidade catarinense muito diferente de Joinville e que combateu o crime e os homicídios com ações sociais, ao invés de mais efetivos policiais armados e equipados, como querem algumas entidades empresariais e políticas da cidade.

Camboriú, pequena cidade situada no Vale do Itajaí, vive na sombra de Balneário Camboriú, sua vizinha do outro lado da BR-101. Os políticos locais não entendiam como Balneário Camboriú tinha o 4o. melhor IDH do Brasil enquanto que a sua cidade era a 1136a. no ranking. Uma desigualdade enorme separada por uma rodovia. E lá, ao contrário daqui, a Prefeitura criou um programa preventivo forte, em parceria com vários órgãos (inclusive os tradicionalmente repreensivos como a Polícia Militar), no combate aos índices sociais que levavam a cidade rumo à vulnerabilidade social: evasão escolar, baixa renda, não comparecimento às ações de saúde pública, baixa participação comunitária e assim por diante.

Em dois anos de programa, a cidade reduziu drasticamente o número de homicídios: de 59,9 para cada mil habitantes a 29,9 para cada mil habitantes. Não precisou aumentar o efetivo policial, nem a repreensão, ou criar uma guarda municipal armada (tudo o que Joinville quis fazer). A segregação socioespacial e a desigualdade existem por lá também (são fenômenos de todas as cidades), mas o tratamento que os gestores dão a eles resultam em diferentes tipos de cidades. Creio que a nossa está indo na contra-mão, novamente.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Um tsunami de lama

POR JORDI CASTAN

As declarações do ministro José Eduardo Cardozo, afirmando que somos um país de corruptos, são vergonhosas,  impróprias de um ministro e, menos ainda, da Justiça. Mais vergonhosa ainda a atitude da sociedade que não se insurge e não pede a sua demissão. Ou será que quem cala consente?

A verdade é que entre os maiores logros deste governo contabilizamos a extinção nacional da ética em todos os níveis. A redefinição do conceito de impunidade. E ainda, o mérito de ter promovido a mais obscena corrupção, a patamares até ontem desconhecidos. E em nome da justiça e da igualdade converter o país num território sem lei, entregue a grupos criminosos de todos os tipos e tendências.

Esta cada vez mais difícil discernir o que é certo e o que é errado. Quem não tenha tido a sorte de receber em casa valores morais rígidos e claros, enfrentará dificuldades em se manter limpo neste lodaçal em que tem se convertido nosso país. A nível nacional o "Mensalão" que condenou a destacadas figuras do Partido dos Trabalhadores, foi convenientemente esquecido e substituído pelo "Petrolão", um escândalo maior e mais podre, que mostra que quando se trata de corrupção este é um governo ecumênico que reúne numa mesma pocilga a políticos de todos os partidos, desde que não tenham princípios éticos ou morais, ou se os tem que sejam suficientemente elásticos. Sem fazer distinção entre eles, tendo em comum a certeza da impunidade e a cobiça desmedida.

O Governo Federal, já totalmente desprovido de qualquer resquício de pudor, ainda inova instituindo oficialmente o "convencimento" de deputados e estabelece o preço de mercado. Por exemplo, para votar pela aprovação da mudança da meta fiscal. Com a aprovação, o governo fica desobrigado de cumprir a meta de superávit primário antes estipulada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um superávit que o governo não tem como atingir por gastar mais da conta. Para poder aprovar o projeto se fixou o custo por parlamentar em R$ 740.000 ou seria mais correto falar do preço de cada voto?

EM JOINVILLE - No âmbito local, finalmente vê a luz, o cartel dos combustíveis, o que era um segredo a vozes, com preços iguais ate nos centésimos. Depois de meses de investigação levada a cabo pelo MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) e graças à denúncia de um empresário, a trama de corrupção é denunciada e há provas suficientes para identificar os culpados.

O Cartel dos Combustíveis é em principio um tema que envolve unicamente empresas privadas, mas são citados e surgem os nomes de diversos políticos locais, tanto deputados federais, como um vereador. A ingerência política nos órgãos públicos, para afrouxar, liberar, permitir ou não impedir é mais comum do que o bom senso recomenda, e nada impede supor que a mesma intercessão em favor de uns seja usada também em desfavor de outros.

Surge ainda a figura do "incorruptível", oportunamente explorada tanto pela própria assessoria, como pela imprensa. E assim chegamos ao extremo de considerar digno de destaque, banda de música e foguetório o que deveria ser requisito de qualquer ocupante de cargo público.

Tanto no caso das infelizes declarações do ministro, como no foguetório para celebrar que um empresário acusado de formação de cartel diga que alguém é incorruptível, seria mais prudente cuidar um pouco mais. No caso do ministro, o velho refrão que diz "piensa el ladron que todos son de su condición" parece especialmente apropriado. No caso do prefeito, pode ser o momento de dizer: "Menos, menos...". Tem quem ache que não há homem honesto, só há que chegar ao seu preço.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Em busca da real beleza

POR GABRIELA QUEIROZ*

O cabelo das pessoas negras sempre foi considerado um problema. Em qualquer parte do mundo, nós nunca tivemos o direito de assumir nossos cabelos sem enfrentar resistência.

Manter o crespo à vista da sociedade é um ultraje! Mas a solução do problema é simples: para os homens, a máquina. Já para as mulheres, inventaram vários remédios para esconder o pixaim, desde perucas, que se tornaram parte da cultura das mulheres negras norte americanas; os turbantes, especificamente desenvolvidos para não deixar os crespos à mostra; os famosos pentes quentes, verdadeiros instrumentos de tortura medieval que deveriam ser levados ao fogo (!) a fim de atingir temperatura alta o suficiente para queimar os fios crespos, fazendo com que assim, perdessem seu volume; passando pelos compostos químicos para fins de alisamentos, relaxamentos e permanentes com as mais variadas bases, como hidróxido de sódio, tioglicolato de amônia, guanidina e conservador de cadáveres, digo, formol; secadores e chapinhas com íons negativos (os antigos pentes quentes).

Tudo com um fim muito específico: fazer com os negros se sentissem bonitos, bem aceitos e pensassem que faziam parte da cultura branca.


Venderam-nos, porém, uma grande mentira. Todos esses artifícios serviram apenas para destruir a nossa identidade e autoestima.

Essa padronização fez de mim mais uma vítima. Eu não tinha mais forças para lutar por algo que nunca seria de fato meu. Perder longas nove horas numa cadeira de salão a cada três meses para retocar a progressiva e fazer a manutenção daquele alongamento longo e liso definitivamente não fazia parte daquilo que me deixava feliz. Eu estava mentindo para mim mesma e para os outros, que quase acreditaram que “meu” cabelo liso era um milagre da genética.

Após muitas frustrações com relação a tentar me resolver com meu cabelo, finalmente aceitei o que era inegável – o meu cabelo era mesmo crespo e eu não iria ter cachos como aqueles que aparecem em comerciais de shampoo. Mas não me importei. Empoderei-me e, ao pôr os pés para fora de casa pela primeira vez com aquela aparência, tive de enfrentar o preconceito mais doloroso: da minha própria mãe que, tristemente, perpetuou o único ciclo que conhecia, o da não aceitação.

E foi aí que eu mudei. De fora para dentro, porque essa estética me trouxe pontos de vista que eu nunca enxergara; me fez perceber que eu não me aceitava enquanto mulher negra porque, além de ter me escondido orgulhosamente atrás dos alisamentos e dos finos traços do meu rosto, eu rejeitei relacionamentos com homens negros porque eu não queria que minhas filhas sofressem o que eu sofri.

Ter a compreensão destas questões ampliou meus pensamentos e me incomodou a tal ponto de mover a direção da minha vida.

Então aquele antigo sonho de deixar a área do direito e abrir um salão de beleza tornou-se realidade. Passar adiante a mensagem da aceitação e valorização da etnia negra em todos os seus aspectos me fez ir em busca de novos caminhos profissionais e me abriu as portas para a vida de tantas mulheres, antes oprimidas e insatisfeitas, assim como eu era.

O Real Beleza foi pensado para acolher e empoderar a mulher que decidiu romper com as barreiras do típico comportamento social, aquele politicamente correto, que esfrega na cara o padrão estético tirano e inalcançável. Propositalmente, fiz a escolha da não utilização de processos químicos de transformação da estrutura capilar, para que a saúde física e emocional das minhas clientes seja preservada.

Atualmente, em parceria com o ateliê Miss Meyres, coordeno o grupo de apoio Amigas Cacheadas Joinville e promovo encontros semestrais intitulados I Love My Hair, onde a estética negra é abordada e discutida por mulheres que resolveram aceitar sua identidade.

Junte-se a mim nessa descoberta!

* Gabriela Queiroz, 27 anos, sobrevivente.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Aécio “Hiroo Onoda” Neves

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O leitor e a leitora já ouviram falar de Hiroo Onoda? Foi um soldado japonês que permaneceu em luta por 29 anos, nas Filipinas, sem saber que a guerra tinha acabado. O homem foi avisado sobre o fim do conflito, mas estava tão tomado pelo delírio guerreiro que não acreditou em ninguém. Só depois de três décadas o governo nipônico teve conhecimento do caso e foi resgatar o seu soldado. Por que relembrar essa história?

É que Aécio Neves faz lembrar Hiroo Onoda. Todo mundo sabe que as eleições para a presidência da República já são coisa do passado, mas o ex-candidato (que, aparentemente, não se considera “ex”) continua na disputa. E com uma marca de marketing muito interessante, resumida pela frase: “a derrota subiu à cabeça”. Dia sim e dia também o homem aparece nos meios de comunicação como se ainda estivesse em campanha.

Nos raros momentos que recupera a lucidez, Aécio Neves admite a derrota. Mas com uma “vibe” estranha. Dia desses atirou-se aos adversários, chamando-os de “organização criminosa”. O senador não está a ver bem: ele foi derrotado por 54.501.118 brasileiros. E duvido que sejam todos petistas. Aliás, é temerário dizer que todas essas pessoas pertencem a uma organização criminosa. Você, que votou em Dilma Rousseff, se considera um bandido?

É provável que a coisa acabe em águas de bacalhau, mas segundo notícias divulgadas pela imprensa, a direção do Partido dos Trabalhadores vai processar o “ex”-candidato por causa dessa declaração pouco inteligente. Aliás, essa ação abre portas até para o cidadão comum que votou em Dilma Rousseff e agora está a ser chamado criminoso. O pior é que há atoleimados nas redes sociais - os de sempre - a adotar esse discurso de criminalização dos opositores.

Qual é problema mais sério? É que Aécio Neves, sob o argumento de representar a voz dos indignados, parece ter caído nos braços da extrema direita chazista (uma espécie de Tea Party tupiniquim). É mau. Essa gente aposta tudo na estratégia de dividir o Brasil em 54 milhões de bandidos e 51 milhões de gente do bem, na tentativa de criar um clima hostil, quase de guerra civil.

Embalado pelos sons dessa direita furiosa, que aposta tudo numa política de terra queimada, Aécio Neves cambaleia pela história como um Hiroo Onoda da política. Vive num labirinto temporal. E quando os líderes políticos padecem de enfermidades cognitivas, só resta torcer para que o povo seja sereno.


É como diz o velho deitado: “chato é um cara que não muda de ideia, mas também não muda de assunto”.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Salvem o centro de Joinville

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O centro de uma cidade, pelo menos na teoria, é aquele espaço dentro de um território que concentra toda a expressão de uma sociedade. É a área que converge as melhores e piores coisas, e tem a capacidade de manter e criare os maiores laços interativos da comunidade. É no centro que a potencialização da vida se faz mais evidente. E, segundo os preceitos mais modernos de urbanismo, o centro das cidades do século XXI deve ser a artéria condutora da cidade (em seu sentido absoluto) para todos os bairros, todas as ruas, todas as casas, todos os cidadãos. Ou seja, o centro é o espaço mais democrático, que reúne vazio e plenitude, concomitantemente. Em Joinville a essência do centro se perdeu, por alguns motivos que nos cabe elencar.

Por mais que o centro de Joinville tenha mudado sua forma, sempre representou um papel importante na história da cidade, desde quando a sua atual área foi escolhida para os primeiros lotes dos imigrantes advindos da barca Colon. Seja ele um pouco mais voltado para o Rio Cachoeira (como aconteceu até 1910) ou em direção à antiga Estação Ferroviária (até meados de 1970), nunca presenciamos um esfacelamento da representação coletiva como a que o centro possui atualmente. A especulação imobiliária provocada pelo boom industrial das ultimas décadas, aliada à sonegação dos políticos locais, levou o centro ao atual estado de abandono, tristeza e sem alma.

O espraiamento urbano que abrigou os loteamentos de baixa qualidade da cidade após a rápida industrialização da cidade consiste no início do problema. Ao invés de criar uma periferia conectada com o que de melhor já existia (e criar novas situações a partir de tal perfil urbano), o processo determinou o que o brilhante geógrafo Milton Santos chamou de "exílio": pessoas vivendo em periferias isoladas da realidade dinâmica da cidade, desprovidas das melhores infraestruturas e longínquas do centro da cidade com a menor oferta possível do transporte coletivo. Os anos se passaram, os bairros se multiplicaram e cada vez menos as pessoas vão ao centro e convivem entre si nos seus espaços segregados, ou, quando acessam ao centro, utilizam seus piores espaços.

Sob outro prisma, os políticos locais, que não conseguiram controlar o crescimento da cidade para as áreas periféricas (por "n" motivos que frequentemente escrevemos aqui no blog), viram seus orçamentos irem ralo abaixo para criar e manter as infraestruturas das novas áreas, ou investir de forma muito consistente nas áreas da vetorização da especulação imobiliária  para moradias de alto padrão (as quais seguiram a mesma lógica e se distanciaram do centro da cidade). Ao invés de promoverem uma cidade compacta e densa, gestores locais criaram um monstro que detonou aquilo que era bom e conteve as potencialidades perante os desafios da urbanização acelerada de décadas atrás.

O resultado é o mais desastroso possível. A falta de cuidado e zelo pelas principais áreas da cidade torna o centro um palco das vulnerabilidades sociais e espaços públicos deteriorados, seja pela falta de manutenção (como a Praça da Bandeira, a Praça Dario Salles, Praça Nereu Ramos) pelo desprezo (as flores sumiram das ruas centrais) ou pelo erro nas ações (como o fracassado projeto de revitalização da Rua das Palmeiras). E aí, no fim das contas, resta ao pobre usar estes espaços residuais, os quais são marcados pelo baixo nível de serviço e interatividade social e, aos mais ricos, os espaços gourmets, chiques, cool e autosegregados.

Cada um usa o espaço urbano da forma que lhe é possível. O nosso centro, de democrático e acessível para todos, se tornou um espaço que repele o melhor de uma cidade, ao mandar para as periferias as propriedades intrínsecas da desigualdade e concentrar para perto de si aqueles que podem pagar por um uso diferenciado do que lhe é comum. Precisamos salvar o centro e torná-lo um espaço igual para todos. O bonde está passando e não podemos perdê-lo e nem esperar o próximo, pois este tem como destino final a gentrificação.