segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A nova ponte do Imperador

POR JORDI CASTAN


O imperador convocou a todos os ministros para uma reunião importante, na primeira hora da manhã. A maioria já tinha se acostumado a estas reuniões matutinas e sabia que tinham que chegar cedo. A rotina era sempre a mesma. O Imperador falava durante horas a fio, todos os presentes assentiam em silêncio - ninguém ousaria discordar - e depois cada um voltaria aos seus afazeres. E nada mudaria.

Desta vez, porém, havia algo estranho no ar. Era perceptível que o olhar do imperador tinha algo diferente. Parecia cansado, abatido, desiludido. Os ministros, acompanhados do astrólogo imperial e do arquiteto mestre das obras imperiais, entreolhavam-se, intrigados.

O imperador abriu a reunião informando que a grande ponte, que seria a maior obra do seu reinado, não seria construída. Um silêncio impressionante caiu como uma pesada laje sobre todos e ocupou todo o ambiente, preenchendo cada um dos espaços disponíveis. Sem que ninguém se atrevesse a fazer qualquer comentário, o silencio se fez mais pesado. Os olhares se voltaram para o astrólogo imperial e para o arquiteto mestre, que se entreolhavam atônitos. Finalmente, o astrólogo, armado de valor e chamando para si a representação do grupo, perguntou: “com certeza essa foi uma decisão sábia e longamente amadurecida, mas esta ponte é a maior obra do seu mandato. Se não for construída, qual será o legado para as futuras gerações?” Todos assentiram em silêncio, balançando as cabeças. 

O imperador, pouco acostumado a ser questionado, respirou fundo e respondeu: “Nenhuma das grandes obras que os técnicos projetaram para engrandecer o império avançam, os gastos só aumentam, algumas obras já dobraram de preço, em relação ao orçamento original. A duplicação da imperial estrada que une o litoral ao planalto e permitirá que uma maior agilidade a o transporte de cargas, não avança. A cada dia recebo novas excusas para justificar tanto os atrasos nos prazos, como os aumentos de custos. A situação da autopista que unirá a capital do reino dos manguezais com o aeroporto internacional, não esta em melhor situação.”

Parou, respirou profundamente e lançou uma mirada fulminante para o arquiteto mestre das obras imperiais. O astrólogo voltou à carga. Sabia todos os interesses que envolviam a ponte. Alguns ministros tinham preferências bem definidas na escolha da empresa que faria o projeto. Outros tinham laços próximos com a empresa que forneceria o aço. Várias empresas tinham mostrado extrema generosidade nos tradicionais presentes natalinos. Não fazer a ponte seria um desastre político. “Senhor, esta é uma obra para a posteridade. O reino não vê uma obra de tal envergadura desde que seu tataravó, o imperador Luiz, construiu a ponte que liga o leste ao oeste do reino. Uma obra ousada para a época que exigiu o melhor conhecimento técnico disponível e que ainda hoje é uma referência da moderna engenharia local.”


O imperador não se deixava convencer facilmente. E uma vez que tinha tomado uma decisão, era muito arriscado insistir ou tentar convencê-lo do contrário. O seu olhar mudou. Dos seus olhos até poucos minutos antes, fatigados surgiu uma faísca. Utilizando o tom ríspido que os ministros tão bem conheciam e tanto temiam, respondeu: “Não acredito que se a obra fosse licitada, ela pudesse ser concluída no prazo, e não quero passar mais vexame. Não quero perder ainda mais o respeito que o povo ainda tem. A imagem do imperador não pode ser ameaçada pela incompetência dos meus ministros. Poderia demitir todos vocês de uma canetada, mais isso não vai fazer que as obras públicas avançassem mais rápido. Assim que demitirei só o astrólogo imperial, que até agora tem errado mais que acertado nas suas previsões. E também vou demitir o Arquiteto Mestre das obras imperiais, porque não há um único projeto que não contenha erros graves, erros que fazem que as obras custem mais, levem mais tempo e o governo tenha se convertido em motivo de chacota de todo o império. Algumas inaugurações têm sido postergadas mais de três vezes. A gráfica imperial por várias vezes teve que jogar fora convites impressos porque a data não tinha sido cumprida. O protocolo do palácio já teve que desfazer convites feitos a importantes figuras do reino e dos reinos vizinhos, porque as obras não estavam prontas.” 

O silêncio neste ponto era ensurdecedor. O imperador respirou fundo e anunciou que neste momento criava o cargo de Adivinhador Imperial e de Enjambrador das Obras e dos Cronogramas Imperiais e que acreditava que, com uma melhor definição dos cargos e das responsabilidades que cada cargo levava, seria mais fácil que as obras públicas avançassem e pudessem ser concluídas no prazo. Mas que a obra da nova ponte estava definitivamente cancelada.



sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O Restelo em Joinville

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O leitor familiarizado com a obra de Luís de Camões deve lembrar do velho do Restelo, que aparece no Canto IV de “Os Lusíadas”. A figura do venerando senhor entrou para a história como símbolo de velhice, conservadorismo e reacionarismo. E um pouco de rabugice. Quer dizer, enquanto os outros se lançam aos mares para descobrir novos mundos, ele limita-se a ficar imobilizado e a zurzir amuos.

A expressão “velhos do Restelo” traz uma referência geográfica. A praia do Restelo, na antiga aldeia com o mesmo nome, ficava perto do Mosteiro dos Jerónimos e do local onde hoje funciona a fábrica dos famosos pastéis de Belém, em Lisboa. Muitos navios partiram daí para as descobertas. É uma referência geográfica que acabou por se tornar uma referência da língua portuguesa. O que nos permite dizer que Joinville também tem os seus velhos do Restelo.

Quem são eles? Ora, são pessoas cujas vidas estão limitadas a norte por Garuva e a sul por Barra Velha, porque não têm talento para viver fora dessas fronteiras. O que fazem? Ficam raízes em Joinville, onde julgam ser poderosos (os coitados não sabem a diferença entre ser poderoso e ter poder) e passam a declamar a cartilha dos velhos do Restelo: qualquer pessoa que ouse ir além da mediocridade mundana que os aprisiona é logo anatemizada.

Se você mora em Joinville é fácil identificar os velhos do Restelo. Se antes eles tinham poucos meios de expressão, hoje estão espalhados como baratas. É só assistir televisão (aquela que é uma espécie de rádio com imagem), ver o próprio rádio (aquele que mantém a mesma cara de 20 anos atrás) ou ler aquelas coisas aparentadas com jornais, mas que de jornais nada têm. Ah... e não vamos esquecer alguns dos comentaristas recorrentes aqui neste blog.

Aliás, ser velho nem é o drama maior desse pessoal. O pior é a consciência de passar toda a vida de joelhos – a servir os seus chefetes – e saber que não há futuro. Até porque o público dessa gente tende a desaparecer – literalmente pela idade ou porque a evolução das espécies determina uma evolução mental. Um retrato desse público? É gente que passa os dias vestindo pijama, calça pantufas e tem no zapping do controle remoto os momentos mais emocionantes do dia.

Esses pobres infelizes vivem um dilema filosófico, ligado ao tempo e ao espaço. O tempo não avança e eles mantêm ideias de um passado longíquo. O espaço, a provinciana Joinville, serve como prisão de onde nem imaginar fugir.


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Pode esperar...


Precisamos de uma verdadeira família?

POR CLÓVIS GRUNER

Durante séculos a noção de família, tal como a conhecemos hoje, inexistiu. No medievo, por exemplo, o indivíduo vivia “enquadrado em solidariedades coletivas, feudais e comunitárias”, segundo o historiador francês Philippe Ariès. Um mundo que não era nem inteiramente privado e familiar, mas também não completamente público, pois ambos se confundem no cenário que antecede e que prepara a época moderna. O quadro não é muito diferente nos séculos subsequentes. As mudanças mais significativas acontecerão apenas a partir dos séculos XVII e, principalmente, do XVIII. O “século das Luzes” vê consolidar-se uma família que vai, cada vez mais, concentrar boa parte das manifestações da vida privada, independente, inclusive, das classes sociais. Num primeiro momento, ela substitui a comunidade, mas a tendência é que se transforme, notadamente a partir do XIX, em um lugar de refúgio, de afetividade e atenção - e não mais apenas uma unidade econômica, responsável pela sobrevivência material e física do indivíduo, como nos séculos anteriores. E é esta, grosso modo, a família que alcança os séculos XX e o atual, a que chamamos na falta de melhor definição, de “nuclear”.

Esta breve introdução tem um propósito quase didático: a família coeva não existe desde sempre, mas é uma criação relativamente recente na história ocidental. Se este arranjo que nos é familiar (com o perdão do trocadilho) não é natural, mas historicamente construído e constituído, é apenas por ignorância ou má fé – ou ignorância e má fé – que a bancada evangélica no Congresso Nacional pretende aprovar o PL 6583/13, que cria o Estatuto da Família. No corpo do projeto, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), ela é entendida como o “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Ou seja, o Estatuto nega a qualquer arranjo afetivo e comunitário que não o exclusivamente heterossexual, a condição de família, com todos os prejuízos no que tange à garantia de igualdade civil – dever do Estado – que isso acarreta.

O caráter excludente e retrógrado da proposta ganhou novas e ainda mais preocupantes dimensões com o parecer do deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF): além de favorável à redação do texto, Fonseca – que é pastor evangélico da Assembleia de Deus – sugere a inclusão de um artigo que proíbe a adoção de crianças por casais homoparentais. A alegação abjeta é de que tal inclusão “busca dar luz ao tenebroso momento em que vivemos de definição do conceito de família”. É impossível reproduzir todo o documento, um calhamaço de 35 páginas, raso do ponto de vista argumentativo, equivocado ao recorrer à história, infeliz ao naturalizar a família e ridículo em sua pretensão de estabelecer uma distinção simbólica e jurídica entre “família” e o que o relator define por “relações de mero afeto”. A distinção, que sustenta e legitima o tratamento desigual entre casais hetero e homossexuais, se baseia na reprodução biológica: com base nesse critério, o deputado Fonseca pretende que o Estatuto garanta às “famílias” a proteção do Estado, mas não estende esse mesmo direito às “relações de mero afeto”. Entre esses direitos, está o da adoção filial.  

CRIANÇAS? DANEM-SE AS CRIANÇAS – A intenção expressa no parecer revela, uma vez mais, o que já deveria ser do conhecimento comum: para os conservadores religiosos, muito bem representados nesta e na próxima legislatura, não é o bem estar da criança o que está em jogo. O discurso é claro e o texto não deixa margem de dúvidas: eles preferem que crianças vivam precariamente em orfanatos a serem bem cuidadas e amadas por famílias homoparentais. Estudos mostram, para quem tiver o interesse e a clareza de acompanhar seus resultados, que não há prejuízo algum no desenvolvimento emocional de uma criança que tenha sido criada por um casal gay. Por outro lado, não são poucos os casos de filhos e filhas de pais heteros afetados emocional e fisicamente por viverem em um lar que lhes priva de tudo, menos da violência. Mas nada, absolutamente nada disso, interessa à bancada religiosa, disposta a levar sua cruzada contra gays até as últimas consequências, mesmo que ao custo do bem estar e da felicidade de muitos, órfãos inclusive. A ação coordenada dos dois deputados, neste sentido, é apenas mais um tijolo no imenso edifício de ignorância, intolerância e ódio que se está a construir no Brasil em nome de deus e dos valores cristãos. 

No começo do século XX a Alemanha era uma das poucas sociedades ocidentais a manter, em relação aos homossexuais, uma postura de franca e aberta tolerância. Um bom exemplo disso era a obsolescência do parágrafo 174 do seu Código Penal, que criminalizava a homossexualidade, na mesma época em que a Inglaterra condenava à prisão com trabalhos forçados Oscar Wilde, culpado do crime de “sodomia”. A atitude alemã, liberal, sobreviveria até os anos de 1930, quando o nazismo ascende à condição de regime de governo, fruto de um avanço conservador que foi, entre outras coisas, reação a uma sociedade considerada por alguns como “degenerada”. O resultado foi uma perseguição desenfreada aos homossexuais, condenados muitos deles a amargar anos de sofrimento, humilhação e morte nos campos de concentração, onde eram identificados e à sua condição por um triângulo rosa costurado em seus uniformes.

No Brasil, e isto não é fenômeno recente, assistimos a escalada de uma política sombria, que atenta contra os direitos mais elementares, pregando o retrocesso onde deveríamos, justamente, fazer avançar nossa democracia. E ao torná-la mais frágil, arriscamos também nossa própria civilidade, nossa capacidade de convivermos com os muitos “outros” que habitam a ágora, transitam pelo espaço público, se reconhecem e interagem nele e com ele. Há quem goste de recorrer ao Irã e à sua teocracia com o intuito de chamar nossa atenção para os riscos de uma “orientalização do Ocidente”, que nos condenaria a um retrocesso civilizacional, ao ocaso de uma democracia conquistada e construída ao longo de séculos de combates. Mas não é necessário recorrer ao regime dos aiatolás e a iminência do fim da civilização ocidental: o pior risco é o que habita em nós e a barbárie, já deveríamos saber, faz tempo é um espectro que ronda o Ocidente.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O prefeito indeciso

POR FELIPE SILVEIRA

Eu não me incomodo com o fato de Udo Döhler investir na Arena (na verdade, me incomodo, mas entendo isso dentro de um contexto de administração municipal). O que me incomoda é o oportunismo do prefeito. Assim que o JEC subiu para a série A, ele disse que não iria investir dinheiro do município na reforma e ampliação.


Só que uma semana depois mudou de ideia e já anunciou o investimento.



O prefeito não dá ponto sem nó. Assim agrada a todos. Ganhou elogios pelo discurso anterior, agradando aqueles que cobram dinheiro para saúde e educação, e agora, com a obra, agrada aqueles que a desejam. Segundo o prefeito, a contrapartida municipal é necessária. Ele não sabia disso antes?

Sobre as contradições do prefeito, eu ainda não consigo deixar de lembrar de Udo Döhler na reta final da campanha, pisando no barro, com um discurso completamente voltado à periferia. É claro, eram os votos que ele não tinha. Vocês lembram?

Hoje Udo presta contas na Acij... 


Ferguson

Talvez tenha muita gente aqui na província que não sabe, mas em Ferguson, uma cidade do estado americano Missouri, a questão racial/policial está pegando fogo. A cotidiana repressão policial à comunidade negra desencadeou uma revolta popular após o assassinato do adolescente Mike Brown.

Ontem, 25 de novembro, o policial que efetuou o disparo – e cometeu o assassinato –, Darren Wilson, se livrou da acusação, o que fez os protestos voltarem com toda a força nas ruas de Ferguson e em várias cidades dos EUA. Milhares de pessoas se reuniram em Nova Iorque para protestar, por exemplo.

Dias antes, em Cleveland, um policial matou um menino de 12 anos que brincava com uma arma de brinquedo em um parque. O autor da denúncia afirmou que não sabia se a arma era de verdade, mas sugeriu que a polícia fosse conferir. A polícia chegou atirando. A vítima, Tamir Rice, era negro.

Enquanto isso, no Brasil, o Estado segue a matar jovens negros e pobres nas periferias, sem medo de punição. E em Joinville também.