quinta-feira, 13 de março de 2014

Mãos de Copperfield acabam com a ilusão das "mãos limpas" de Udo


POR CHARLES HENRIQUE VOOS


A gestão Udo Dohler pode ter mãos limpas, como poucos pregam, mas está claro que tem mãos de Copperfield, em alusão ao famoso ilusionista norte-americano (foto).

Esta afirmação foi feita pelo juiz Roberto Lepper ao agora ex-secretário da saúde, Armando Dias Pereira Jr., por este último tirar pessoas da lista de espera de consultas médicas sem justificativa prévia, caracterizando possível improbidade administrativa. 

Como um belo show de mágica, as pessoas necessitadas de um médico ficaram sem entender nada, em três atos de grande audácia, típicos dos grandes espetáculos da Broadway: descumprimentos de determinação para regularizar o atendimento de consultas em ortopedia e outra para regularizar as filas de endocrinologia, sem contar a prestação de informações falsas, "maquiadas" para tentar enganar a justiça, no intuito de esconder descumprimentos judiciais anteriores à desta semana. Armando foi exonerado do cargo e agora vai responder processo.

Por mais que eu confie na capacidade técnica de várias pessoas que atuam dentro da Prefeitura (em cargos de comissão ou não), é muito triste acompanharmos a secretaria de saúde envolvida, mais uma vez, com escândalos e irregularidades. Já foi assim na gestão Tebaldi e Norival Silva. E é revoltante saber sobre uma das pastas mais importantes para a população sofrer com péssimas gestões, justamente o que o prefeito Udo Dohler mais diz entender, segundo sua trajetória empresarial.

Enfim, a mágica das "mãos limpas" não seduz mais. Parece aquele truque repetido, o qual convence alguns mas não empolga ninguém. A cidade que tem uma manifestação a cada cinco dias dá sinais de algo não estar bem. LOT, problemas com enchentes, obras recém-inauguradas com péssima qualidade ou com acabamentos faltantes, secretário com problemas na justiça, reforma administrativa que não reforma nada e transporte coletivo sem licitação são apenas alguns dos problemas. 

As "mãos limpas" do "não há segredo; há trabalho", agora são "mãos de Copperfield", do "trabalho com segredo". 

quarta-feira, 12 de março de 2014

Um final surpreendente. Ou não?

POR ET BARTHES

Um filme feito para falar no dia da mulher (um dia comum). Parece uma coisa, mas termina de forma surpreendente. Ou talvez não.


O ódio conservador


POR CLÓVIS GRUNER

Alex tinha oito anos, gostava de lavar louças, não gostava de cortar o cabelo e era um pouco desobediente – provavelmente não mais nem menos que os garotos de sua idade. Desde o dia 17 de fevereiro ele não lava mais louça, não desobedece e nunca mais precisará cortar o cabelo. Foi espancado pelo pai, Alex André Moraes Soeiro, com quem vivia desde o ano passado, que o achava afeminado e queria que ele aprendesse a “andar como um homem”. Morreu com inúmeros hematomas pelo corpo e o fígado perfurado.

Renato Duarte Horácio, de 16 anos, queria levar de Gastão Vidigal algumas boas lembranças depois de passar e passear pela cidade nos três dias de carnaval, acompanhado da mãe e do irmão mais velho. Fotografou lugares, fotografou a folia, fotografou pessoas. Confundido com um pedófilo e levado à delegacia, terminou seu feriado espancado até a morte por um “justiceiro”, Fabrício Avelino de Almeida, que o encurralou em frente ao prédio da Delegacia de Polícia e o agrediu com seguidos e violentos socos na cabeça.

As mortes precoces, trágicas e violentas de Alex e Renato são a expressão de um estado de coisas que cada vez mais escapa ao controle e nos ameaça a todos. Estamos envolvidos por um ambiente de ódio crescente. Alimentado diuturnamente, o ódio que viceja hoje país afora já não se conforma em permanecer nos ambientes virtuais, onde não faltam anônimos (e alguns não anônimos) dispostos a trocar a inteligência e o bom senso pelo simples ranger de dentes. Ele se impõe, cada vez mais e mais perigosamente, nos espaços do mundo dito “real”, estimulando e chancelando ações como as de Alex, o pai, e Fabrício. Alex, o filho, e Renato, não foram as primeiras vítimas dessa escalada de ódio e violência e, temo, não serão as últimas.

CULTIVAR O FASCISMO – O fenômeno não é inteiramente novo, embora esteja a ganhar contornos mais sombrios. A atravessá-lo e sustentá-lo, uma moral e uma conduta conservadoras (porque não se pode falar, no Brasil, de um “pensamento conservador”) que não apenas empobrecem o debate e o ambiente políticos, mas disseminam a truculência e legitimam a intolerância.

Como disse, isso tudo não é inteiramente novo. Em 2010, principalmente durante as eleições presidenciais, já era possível perceber que havia algo ruim no ar que respirávamos. Naquele ano praticamente todo o debate eleitoral do segundo turno foi pautado pela agenda conservadora e assistimos a candidatura de José Serra e o PSDB aderirem aos grupos fundamentalistas, ao passo que Dilma Rousseff e o PT se mostravam incapazes de oferecer uma alternativa verdadeiramente progressista. Temerosos de confrontar os grupos religiosos, a candidatura petista sinalizava o rumo que o governo tomaria depois da candidata eleita, culminando com o vexame da eleição de Marco Feliciano para a presidência da CDHM em 2013.

Recentemente escrevi no Chuva sobre uma certa monotonia conservadora. No artigo apontava, entre outros, dois traços fundamentais do que Murilo Cleto chamou, em texto lapidar, de “a onda”: a tendência crescente entre os grupos e indivíduos reacionários a ver no outro não um adversário a ser confrontado, mas um inimigo a ser eliminado; e a dificuldade de conviver em um ambiente democrático e de livre circulação de ideias. Na ocasião, me referia principalmente ao debate travado nos ambientes midiáticos – ou talvez seja mais correto afirmar a falta de debate –, pontuado por uma ausência de ideias e de pluralidade que beiram à monotonia e caracterizado pela mixórdia argumentativa – a lei de Coqsics, na definição de José António Baço.

Mas ainda mais preocupante e nada monótono é que o conservadorismo e os sentimentos de ódio que cultiva e dissemina estão agora a orientar não apenas o blá-blá-blá ressentido teclado no conforto covarde do anonimato. Eles estão matando gente inocente: quando um pai espanca o filho de oito anos até a morte porque ele era afeminado”, e um justiceiro mata um adolescente de dezesseis anos porque suspeitava que ele fosse pedófilo, os assassinos podem se chamar Alex e Fabrício. Mas por detrás de seu gesto paira a sombra de um Jair Bolsonaro e de uma Rachel Sheherazade, que tem motivos para estarem felizes e orgulhosos, junto com os milhares que se reconhecem neles e se identificam com sua postura e discursos protofascistas. Não é todo mundo que goza do privilégio de matar sem nem sujar as mãos. E ainda receber aplausos por isso.

terça-feira, 11 de março de 2014

Águas de março.


Ucrânia: não simplificar o que é complexo

Site do "The Telegraph" discute a questão da Crimeia

POR JOSE ANTÓNIO BAÇO

Tem muita gente a reagir de forma pavloviana à questão ucraniana e à situação na Crimeia. Há uma certa tendência de tentar simplificar o que é complexo. E todos os dias nos deparamos com posições rudimentares que ignoram qualquer complexidade. Entende-se. É um tema que traz ecos da Guerra Fria, uma época em que havia apenas dois lados e apenas uma ameaça (as armas atômicas). Nesse tempo era fácil escolher.

Mas essa lógica caiu de madura faz décadas. Hoje há muitas variáveis a considerar. A primeira evidência é que União Europeia, Estados Unidos e Rússia estão a defender os seus próprios interesses e com isso a passar por cima dos interesses da população ucraniana. No entanto, parece óbvio que a questão não será resolvida pelas armas (alguém acha que a UE e os EUA querem entrar em confronto com a Rússia e vice-versa?). Falam mais alto os argumentos econômicos.

Ninguém tem dúvidas de que a arma desta nova Guerra Fria é o gás natural. O corredor ucraniano é essencial para abastecer a Europa, por onde passa mais de 20% do gás que abastece o continente, em especial os países mais a Leste, onde podemos destacar a Alemanha (que está a abrir mão da energia nuclear). Não por acaso os preços do gás natural têm subido nos últimos dias. 

Os interesses econômicos vão falar mais alto (mas não devemos desconsiderar os interesses da indústria bélica). Mas isso não resume a questão. Há uma divisão: o atual governo da Ucrânia quer entrar para a União Europeia. O povo ucraniano, cansado da pobreza e da corrupção dos seus governantes, acredita ser esse o caminho para a instalação de um verdadeiro estado de direito. Mas há aqui uma questão de credibilidade.

Um problema sério é que o atual - e interino - governo ucraniano, formado há poucas semanas, abriga elementos de extrema direita (neofascistas mesmo), em pontos essenciais como a ordem pública, defesa ou justiça. Se continuarem a ganhar posições, podem vir a representar um perigo para a frágil democracia ucraniana e para próprias democracias europeias. É mais um complicador.

Também é importante não esquecer que os ucranianos têm um rancor histórico em relação aos russos, por causa do autêntico holocausto ocorrido durante o estalinismo: há quem fale em sete milhões de ucranianos mortos sob o regime sanguinário de Joseph Stalin, na época da União Soviética. Portanto, há uma dívida de sangue que os ucranianos não esquecem. Mais uma complicação.

Mas a grande pedra no sapato é a estratégica Crimeia, uma região com dois milhões de habitantes, dos quais 60% são russos e querem a anexação à Rússia. Os ucranianos representam apenas 26% da população, seguidos dos tártaros, que perfazem cerca de 12%. Estes dois últimos grupos tendem para a defesa da adesão à União Europeia, mas como todos sabemos, os russos já hastearam a bandeira no território.

Portanto, o que temos são enormes indefinições. E quem, no Brasil, tomou uma posição com base em ideias simples (do tipo “não gosto do Tio Sam, então sou a favor de Putin” ou vice-versa) está a se precipitar. A coisa é muito mais complicada. Infelizmente, esse é um filme onde os protagonistas parecem ser todos bandidos. E o povo ucraniano, que parece andar à mercê dos humores dessa gente, é que está a pagar a conta.

Em tempo. Alguém já imaginou que o Brasil pode sair beneficiado dessa confusão toda? A coisa é bastante linear: a dependência dos combustíveis russos é um pesadelo para a Europa, que há tempos pensa em alternativas. Uma delas pode ser o oceano Atlântico, que permite ligar a países democráticos, ricos em recursos energéticos e integrados no comércio mundial. É onde está o Brasil.