terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Os "ginis" nossos de cada dia

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Os grandes problemas de nossa sociedade não são a pobreza, a fome, a violência ou a corrupção, situações que costumeiramente aparecem na mídia ou nas conversas por aí. O grande problema da sociedade, a matriz de todos os outros problemas que conhecemos, é a desigualdade. O fato de uns terem mais e outros terem menos é que provoca os distúrbios que nos atormentam diariamente, seja em Joinville ou qualquer outra cidade brasileira.

Para medir matematicamente como essa desigualdade se comporta, foi criado o coeficiente de Gini (ou índice de Gini), desenvolvido pelo estatístico italiano Corrado Gini, em 1912. O índice apresenta dados entre o número 0 e o número 1, onde zero corresponde a uma completa igualdade na renda (onde todos detêm a mesma renda per capta) e um que corresponde a uma completa desigualdade entre as rendas (onde um indivíduo, ou uma pequena parcela de uma população, detêm toda a renda e os demais nada têm).

Geralmente olhamos para a sociedade pelo viés da pobreza. Do favelado, do jovem negro que faz "rolezinho". Do jovem de 17 anos que vê no tráfico a única realidade para sua vida. Da falta de qualidade de vida, ou ainda, para ser mais local, das invasões no Juquiá e das ocorrências policias no Trentino I e II. Estamos fartos de tantas notícias, fatos e opiniões sobre isso, seja com opiniões críticas ou conservadoras, tudo recai sobre esta parte da ampulheta.

Entretanto, o que de fato gera a desigualdade é a soma de grandes riquezas, adquiridas muitas vezes através de atitudes ilícitas, tráficos de influências ou relações sociais imorais. Riqueza adquirida da expropriação do trabalho de pessoas sem qualificação, pagando-lhes baixos salários em prol de um "mercado dinâmico". Riqueza adquirida, para ser mais local, das benfeitorias do prefeito amigo perto de seu terreno baldio, ou da canetada do Vereador para mudar o zoneamento de sua área especulativa, que valorizará 50 vezes no dia seguinte.

O Estado, articulador de nosso bem-estar, é um escamoteador das vontades daqueles que o financia e o ocupa. Lembrando de Chico Barque, é uma roda viva.

É muito fácil analisar o viés do miserável, daquele que não teve condições iguais àquelas que possuem os mais afortunados da sociedade. Nem é uma questão de esquerda versus direita, ou de "defender os fracos e oprimidos", mas sim uma causa humanitária. Duvido que algum leitor, tendo a oportunidade de pagar uma escola particular, vai colocar seu filho em uma escola pública. Ele quer dar ao seu filho melhores oportunidades, que, supostamente, virão mais facilmente através do ensino privado, considerando a realidade brasileira. Ou estou enganado? Todas as pessoas acreditam na educação pública como sendo a melhor para seus filhos?

Pois é. Nem todos conseguem pagar para estudar. Nem todos têm as mesmas oportunidades. Exceto pelos raros casos de superação, o pobre continuará pobre, favelado, excluído, segregado e um coitado. O rico continuará rico, com relações sociais cada vez mais segregadoras, adquirindo renda de forma cada vez mais duvidosa, e requerendo do Estado as suas vontades, visto que é ele o financiador do esquema todo. Filhos dos ricos entrarão em belos colégios, tendo ótimos empregos, relacionando-se com outros ricos e mantendo toda a desigualdade que assola o país.

Olhar o pobre como coitado é fácil. Olhar para o rico como injusto é quase um pecado.

PS: eu voltei, de forma quinzenal, após a breve parada. Um dos desafios é trabalhar em novidades (de mídias e de conteúdos) para o Chuva Ácida. Quem sabe elas logo aparecerão.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Começou 2014. Acabou a lua de mel?

POR JORDI CASTAN


E há mudanças no ar. Para quem esperava que a lua de mel fosse eterna, o mais provável é que seja eterna só enquanto dure.
Os buracos nas ruas são notícia destacada na imprensa local, com direito a página dupla. As manifestações contra um novo aumento da passagem de ônibus, de novo acima da inflação, tomam as ruas centrais e as imagens de pneus queimando, até a pouco vistas só em bairros da periferia longínqua, agora estão na capa do maior jornal de Joinville. Os primeiros dados apresentados, depois de 365 dias de gestão, não são para orgulhar a nenhum administrador.

Emblemáticos os números do asfalto, para quem prometeu, na campanha, asfaltar 300 km em quatro anos de gestão, o primeiro ano, que corresponde a um quarto, só executou 5,3 km, menos de 10% dos 75 km anuais projetados para poder cumprir as promessas. Não faltarão comentários de comissionados e simpatizantes a dizer que ainda é cedo, que a herança maldita do governo anterior, que blablablá. Que nos próximos anos serão executados os quilômetros que não o foram este ano. A chuva, o sol, o frio, qualquer escusa é boa. Já se sabe que quem não faz sempre acha escusas.

Se o prefeito acreditava que seria facil, é provável que já tenha mudado de opinião. A melhor prova que não é só a população quem esta começando a perder a paciência. É que antes mesmo das ferias o prefeito já anunciou que fará ajustes na sua equipe. A notícia reforça a velha máxima de que em time que esta ganhando não se mexe. Se mexe é porque não esta satisfeito com o resultado.

É bom que a sociedade esteja atenta, fique mais crítica e não se deixe iludir pelo discurso fácil. E em ano de eleições para governador e para presidente é bom saber identificar o que é possível fazer e o que é só discurso de candidato, quem sabe se aos poucos o eleitor começa a ficar esperto e deixa de ser iludido.

Em tempo, alguém pode explicar a historia dos funcionários das subprefeituras que o prefeito flagrou trabalhando "pouco". A notícia foi que o prefeito visitou as subprefeituras, sem avisar, quer dizer sem banda, batedores e dezenas de assessores, para verificar como andam as coisas por lá. Já sabemos que o prefeito tampouco anda muito satisfeito com o desempenho das ditas subprefeituras e quis ver "in loco."

Encontrou gente esperando bater o sinal para ir embora, algo que pode não ser tão frequente na iniciativa privada, mas que tambén existe por lá. Alguém teve a ideia genial de dar um "prêmio" ou um "incentivo" a estes funcionários para que façam o que deveriam fazer: trabalhar e cumprir o horário estabelecido. Tem mas línguas insinuando que a ideia partiu do próprio prefeito. Algo impensável para quem o conhece, dar prêmio para fazer o que é obrigação, não parece muito do seu estilo. Mas seguro que eu não devo ter entendido e por isso peço que alguém possa explicar melhor.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Aumenta a repressão e a violência policial na cidade da ordem

Policial ostentando com o "brinquedo novo" durante a
manifestação popular. Foto cedida por Jéssica Michels
POR FELIPE SILVEIRA

Recentemente soube de um caso em que a polícia entrou na casa de um homem na base da porrada. Sem mandado, com um motivo torpe, dando porrada e fazendo ameaças que fizeram calar a vítima, um trabalhador comum, marcado pela condição social.

Eu poderia ter inventado esse caso para falar do que acontece todo dia em todo o Brasil, mas esse exemplo é real, recente, e aconteceu com uma pessoa bastante próxima. Eu sei que isso acontece todos os dias, quase que exclusivamente nas periferias, e mesmo assim eu fiquei chocado quando soube desse caso.

É importante dizer que isso acontece quase que exclusivamente nas periferias. Até pouco tempo eu morava em um bairro de classe média com alguns amigos e o mesmo motivo torpe levou a polícia até a casa. Lá, no bairro rico, não rolou violência. Evidentemente, pois a possibilidade de haver filhos de advogados, juízes e empresários na casa era grande.

Na periferia não tem conversa...


A repressão e a violência policial também me chocaram na quarta-feira (8), durante a manifestação contra o aumento da tarifa de transporte coletivo. Fazia tempo que eu não via tanto “sangue no zoio”. Longe de querer dizer que não havia antes, pois havia, sempre houve, notei que algo mudou de uns tempos pra cá. Não estão escondendo mais a vontade de esganar os manifestantes.

O troço é tão absurdo que os policiais cercaram um ônibus onde estavam os manifestantes e outros cidadãos e ameaçaram prender todo mundo que tava nele. O pm disse pra tocar pra delegacia porque ia prender todo mundo.

Isso é concebível? Eu estou louco? Sinceramente, não sei o que argumentar em relação a isso. Não consigo compreender como alguém tem coragem de defender a pm depois de saber dessas coisas.

Um policial ameaçou prender um manifestante no próximo protesto. Alguém me explica como isso é possível? Outro policial falou que teria que “conversar melhor” com outro manifestante. Imaginem o tom da conversa. Foram inúmeros relatos de ameaças na manifestação de quarta, sem contar a ostentação com armas letais (escopetas) e “não-letais” (aquela parada que dá choque).

Entramos em que ano? 68?


Obs.: Eu cheguei bem tarde na manifestação. Esse texto é resultado de coisas que vi e ouvi na quarta.

O horror, o horror


POR CLÓVIS GRUNER

Provocaram um misto de indignação, repulsa e náuseas as cenas de barbárie que circularam nos últimos dias pela internet, mostrando um grupo de presos do complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, decapitando três outros detentos de facções rivais. E escancaram uma realidade que é conhecida por muitos, embora muitos a neguem: o sistema penitenciário brasileiro, desde há alguns anos, entrou em colapso; e não sairemos dele sem medidas radicais que não apenas o reformem, pontual e provisoriamente, mas o reinventem de alto a baixo.

O caso do Maranhão não é único, mas nem por isso menos emblemático. Pedrinhas se tornou a síntese do horror porque há muito tempo é uma terra de ninguém. Além da infraestrutura aquém de precária e a superlotação, presos de facções inimigas dividem o mesmo espaço, potencializando ainda mais a violência já comum em ambientes prisionais. Desde dezembro, principalmente, acompanhamos as notícias de uma violência crescente – decapitações, esfolamentos, estupros de mulheres das famílias de presos e a queima de coletivos nas ruas de São Luis –, o principal meio de que se valem as facções criminosas para demonstrar sua força e assegurar sua superioridade sobre os grupos rivais. O saldo, ao longo do último ano, é de 62 presos mortos, além de uma menina de seis anos, Ana Clara Santos Sousa, queimada em um dos atentados a um ônibus na capital.

A justificativa do governo é, como de hábito, hipócrita. Segundo as autoridades maranhenses, trata-se de uma reação às políticas de segurança no estado, uma flagrante mentira: a violência prisional é, antes, o desdobramento da incapacidade dos poderes públicos de oferecem respostas viáveis aos problemas de segurança pública. No caso do Maranhão, particularmente, esta incapacidade é generalizada e pode ser percebida também fora dos muros das prisões. Governado há décadas pela família Sarney – cujo patriarca, o senador José Sarney, foi aliado de todos os governos desde os militares, o que inclui obviamente os últimos, FHC, Lula e agora Dilma –, o estado apresenta alguns dos piores índices de qualidade de vida do país: entre outras coisas, possui a menor expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil. Confrontados os indicadores sociais e a violência prisional, não é difícil concluir que uma coisa e outra estão ligadas e que a segunda é, em grande medida, desdobramento e resultado dos primeiros. Mas isso não é tudo.

A FALÊNCIA DO MODELO PRISIONAL – Colocada sob uma perspectiva histórica, a violência que hoje grassa nas prisões vem sendo gestada pelo menos desde as décadas de 1970 e 80. São esses os anos do aparecimento e rápida consolidação do crime organizado e das facções criminosas, que se articulam primeiro dentro das prisões (articulação que se fez, em parte, pelo contato dos criminosos comuns com os prisioneiros políticos). Nos anos subsequentes, elas deslocam sua ação e influência para as periferias das grandes cidades, lugares onde a ausência do Estado e o total descaso dos poderes públicos os tornaram mais vulneráveis à ação organizada do crime.

Distribuindo privilégios e promovendo a identidade e a fidelidade entre seus integrantes, estes grupos tem conseguido aumentar sua força não apenas dentro das instituições prisionais, desempenhando um papel de mediador entre a vida intramuros e o cotidiano fora deles. Mediação delicada e conflituosa, entre outras coisas, porque faz deslizar para o espaço público os códigos e valores que organizam e normatizam a vida prisional, além de ocuparem o espaço deixado vago pelo Estado e pelos governos, justamente as instituições que, em tese, são as responsáveis por garantir a ordem e a segurança dentro dos presídios.

Nas últimas décadas portanto, aos antigos problemas – superlotação, condições físicas precárias, deficiência dos programas de reinserção –, somaram-se outros, que só fizeram agravar uma situação em si já insustentável. Entre eles o aumento da violência institucional: como já disse em outra ocasião, no Brasil, as prisões (e de maneira geral, o aparato policial) convivem com os resquícios dos tempos de exceção e a resistência à políticas de democratização no interior de seus sólidos muros. É uma regra onde não há exceção: as prisões e as corporações policiais são hoje, das instituições estatais, aquelas onde de maneira mais expressiva ainda encontramos o que resta da ditadura.

Além disso, há o fracasso das políticas públicas voltadas à segurança, em todos os níveis. Ele se manifesta desde a insistência dos governos na enganosa solução de ampliar o número de vagas nas instituições carcerárias; na manutenção de gestões penitenciárias clientelistas; nos investimentos pífios no melhoramento das condições prisionais; até a dificuldade de inserir e consolidar diretrizes básicas das políticas de Direitos Humanos, com a permanência de relações pautadas, não raro, na violência pura e simples. O fato de que o aumento das taxas de encarceramento não corresponde ao melhoramento nas políticas de reinserção do criminoso à vida extramuros, facilita a ascensão e atuação de grupos criminosos e confirma o diagnóstico de que as prisões brasileiras são inviáveis. E isso afeta a todos, não apenas os encarcerados. Não nos iludamos: o Maranhão é aqui.