segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Mais concorrência é melhor?

POR JORDI CASTAN

Há uma contradição evidente quando as leis do mercado encontram a maquina pública. Elas deixam de funcionar ou são deformadas ao extremo. E quem perde sempre é o contribuinte.

Em Joinville durante décadas houve uma única empresa que prestava serviços funerários, a Ravache. Uma cidade moderna com quase 400.000 habitantes na época precisava de um novo serviço, mais moderno e, principalmente, que permitisse ao usuário escolher. Com quatro empresas haveria concorrência e acabaria o monopólio. A teoria é uma coisa e a pratica é outra bem diferente.

Na época, as capelas mortuárias da Rua Borba Gato envergonhavam a qualquer joinvilense. Hoje a realidade não é diferente. O seu estado de abandono, precariedade e sujeira continuam envergonhando-nos. As atuais capelas foram construídas pelo município, sim, você já entendeu, foi você quem pagou a conta. E apesar de que há quatro empresas prestando serviços e que estas empresas deveriam ter construído novas capelas e deveriam mantê-las em perfeitas condições. Não é isso o que se vê. Essa parte do contrato ficou pendente e ninguém "lembrou" de cobrar o seu cumprimento.

As empresas são culpadas? Em parte são. Mas o maior culpado é o serviço público, que deveria fiscalizar, defender os interesses dos cidadãos e fazer cumprir o que esta nos contratos. Agora se fala de abrir uma nova licitação e permitir que o número de empresas passe das atuais quatro para seis. Porque Joinville precisa e merece. Vocês acham que alguém está preocupado com o joinvilense? Que oferecer um serviço de qualidade a preços moderados será um dos objetivos da nova licitação? Com certeza que não. Nunca foi e continuará não sendo. O contribuinte que continue pagando a conta.

Falando de contas, a conta de energia publica, a COSIP,  permite que todos os anos sobrem uns bons trocados e as administrações municipais se promovam com o dinheiro do contribuinte. Poderíamos instalar lâmpadas de leds, sinaleiros poderiam usar também esta tecnologia e o consumo de luz seria menor. Inclusive placas fotovoltaicas permitiriam zerar o custo de boa parte da iluminação pública. A quem interessa? Ao administrador publico não parece que este tema o preocupe, não é ele quem paga a conta. Somos todos. Não há nenhum movimento para reduzir o consumo, nenhuma iniciativa para baixar a conta da COSIP e mais dinheiro que sai do bolso do cidadão para engrossar o sempre guloso desperdício público.


Agora a moda é falar de necessidade de prever mais empresas de ônibus, imaginando estultamente que mais empresas quer dizer melhor serviço ou tarifas mais baixas, como se de uma padaria ou de uma lanchonete se tratasse. Imagino o sofrido usuário do transporte coletivo de Joinville esperando um ônibus no horário de pico e em lugar de pegar o primeiro que passasse pelo ponto, ficasse esperando o seguinte, acreditando que o próximo teria ar condicionado, assentos livres e maior conforto. Poderia esperar durante horas. Se ainda esperasse aquele que tivesse a menor tarifa as variáveis aumentariam e contribuiriam para o caos. Como funcionaria a integração entre companhias que praticassem preços diferenciados? 

A experiência já deveria ter mostrado, ao joinvilense, que nunca o serviço público e os prestadores de serviços priorizam o atendimento ao usuário, o seu conforto ou preços menores. A inesgotável capacidade dos nossos “Cândidos” locais para acreditar no inacreditável leva gente, supostamente inteligente, a defender estultices com entusiasmo adolescente. Mais empresas participando da licitação só quer dizer que a pizza do transporte publico será dividida em mais fatias, mas o preço das passagens será o mesmo. É verdade que os lucros das empresas mais competitivas será maior e que haverá um risco real de cartelização, como é comum neste tipo de situações. Mas acreditar que mais empresas são garantia de melhor serviço, tarifas mais baixas e vantagens para o usuário é a mesma coisa que acreditar em fadas, duendes e em jantares de graça. O surpreendente é que haja ainda tanta gente que acredite nessas coisas.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Desprezível...

POR ET BARTHES
Esta semana, o José António Baço manda um filme de Portugal. Se você não entender o "sotaque", pelo menos entende o que é desprezível.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

No fundo, nós somos os ambientalistas! Rá!

Queima, Senhor! Queima a catraca da
opressão! - Foto de Felipe Cardoso
POR FELIPE SILVEIRA

Nessa quarta-feira (15) houve mais uma manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público em Joinville. O ato foi organizado e puxado pelo Movimento Passe Livre (MPL) de Joinville e eu estava lá, junto com umas 150 pessoas, que marcharam, cantaram, pularam, botaram fogo em pneus e pararam o trânsito. A repressão policial não foi tão violenta – pelo menos na minha opinião – quanto na semana passada, quando os pms tavam com “sangue no zoio” pra pegar os manifestantes. Escrevi sobre isso na semana passada, aqui.

A coisa que mais me chamou a atenção dessa vez foi o argumento de gênio usado por alguns internautas leitores do jornal A Notícia para criticar a manifestação. Depois de ver a foto dos pneus queimando e soltando fumaça preta, baixou o santo ambientalista na galera. Diziam eles que a ação era prejudicial ao meio-ambiente, e, portanto, ruim. “Poluir a cidade não dá, né, gente?”

Mas, peraí, não são os carros os maiores poluidores do mundo? Sim, sai FUMAÇA do seu carro! Não dá pra ver direito, mas sai. Funciona mais ou menos assim: você põe gasolina no tanque e liga o carro, aí o seu carro QUEIMA a gasolina e solta FUMAÇA. Sim, vocês são todos uns putos que queimam tanques de gasolina semanalmente!

Poluir a nossa cidade não dá, né, gente?

E as empresas locais, a sétima maravilha do mundo, não poluem nada, né? Não poluem o ar, não poluem o solo, não poluem o rio... Tudo uma bença! Tem uma cujo resíduo é uma areia que provoca câncer!

Gráfico produzido pelo MPL Joinville que mostra o aumento
da tarifa comparado com a inflação, que foi bem menor!
Agora, se a luta pela Tarifa Zero visa universalizar o acesso de todos ao transporte coletivo e consequentemente à cidade (lazer, trabalho, estudo...), logo é uma luta que vai resultar na diminuição do uso do carro, reconhecido como a coisa mais nociva ao meio-ambiente, certo? Logo, somos nós os ambientalistas.

Então, se você não se importa com as pessoas, com a direito delas de ter acesso à saúde, lazer e educação, pelo menos se importe com o meio-ambiente e venha para a luta. Na próxima quarta-feira (22) tem mais, às 18 horas, na Praça da Bandeira.

Lembrando que este é o segundo aumento dado pelo prefeito Udo Döhler. Um deles foi travestido de queda, mas foi aumento, lá no comecinho do mandato. Lembrando que o prefeito recorreu a uma tática sacana para evitar a reação popular, que é dar o aumento no último dia do ano. Lembrando que cobrar três reais e três e quarenta é um absurdo, uma desumanidade.


Comentários causam câncer?

Falando em desumanidade, vamos falar de comentários na internet, lugar no qual as pessoas perderam completamente os escrúpulos, a noção etc. O tema já é batido e uma das novas regras para viver bem é não ler os comentários, principalmente nos sites de notícias. A brincadeira na internet é que a prática causa câncer.

No entanto, como não fumo, substituí esse vício pelo de ler comentários. E aí fui parar na ótima matéria do jornal Notícias do Dia sobre os rolezinhos (você pode ter uma aula sobre o assunto aqui) em Joinville. Foi um festival de atrocidades. Tinha um cara lá bem louco, defendendo que se matassem todos. Sim, há um homem em Joinville que quer que centenas de adolescentes dessa cidade sejam assassinados. Sabe esses crimes que nos chocam no Cidade Alerta? Ele quer que seja cometido centenas desse, de uma vez só. Seus irmãos, filhos e netos.

Fora o monte de gente que defendia que a polícia deveria “deçe a borracha” na molecada, outros que diziam que a guriada deveria trabalhar, fazer serviço social e ler livros. Gostaria de perguntar quando foi a última vez que esse povo fez isso. Um amigo que sempre comenta por aqui, o Luiz Eduardo, fez isso com vários e não teve muitas respostas concretas. Da minha parte, comentei com alguns que a polícia não podia descer o cacete, pois isso seria agressão e agressão é crime. Não sei se entenderam. Parece que uma boa parte da população e uma boa parte da polícia não entende isso.

De fato, ler os comentários não faz bem. Às vezes, no entanto, é preciso ir para o embate. Muitos de nós ou nossos amigos e parentes, por não pensar, pensa idiotices como essas. Talvez seja importante que a gente fale isso pra eles. Talvez seja importante enfrentar esse câncer.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O rolezinho e a ostentação do preconceito

POR CLÓVIS GRUNER

Filhas da crença que o século XIX nutriu pelo progresso, as cidades contemporâneas nascem sob o signo da utopia. Lugar ao mesmo tempo de desnaturalização e fabricação da vida, nelas e por meio delas pretendeu-se realizar uma das promessas da cultura moderna: a de um espaço racionalizado, capaz de conjugar, pelo recurso ao saber científico e aplicação da técnica, o que a modernidade produziu de melhor, sem se deixar contaminar pelos seus excessos e desvios.

Os urbanistas viram desaparecer rapidamente seus sonhos de uma cidade planejada e sem males: as utopias não cabem na realidade porque ela contém sempre algo de improvável e incontrolável. O futuro, afinal, é indisciplinado. O shopping center surgiu na paisagem urbana do século XX para tentar cumprir aquilo que gerações de planejadores urbanos não puderam. Em um nível ideal, ele deveria reproduzir a experiência de estar na cidade: nele, podemos realizar praticamente todas as atividades concernentes ao espaço urbano – comer, beber, descansar, consumir, entreter-se, etc...

Mas ao mesmo tempo, o shopping estabelece um corte em relação à cidade, que permanece lá fora, com suas mazelas e contradições, suas periferias e a poluição. No seu interior, tudo é asséptico: a luz e a temperatura, sempre amenas; o ar permanentemente renovado; os corredores amplos, por onde se circula sem atropelos, não raro sem contato; a vigilância constante, a neutralizar eventuais contratempos. “A cidade não existe para o shopping”, diz a ensaísta argentina Beatriz Sarlo, “que foi construído para substituí-la”.

Substituição não apenas territorial, mas simbólica e política. A cidade é o lugar do desacordo, do confronto e do conflito. O shopping é onde toda dissensão se anula, principalmente porque geralmente vai-se a ele com um mesmo e único objetivo: consumir. E se o acesso ao mercado e ao consumo são hoje condições primas para o exercício da cidadania, eles estão na vanguarda de uma inédita forma de civismo. O shopping center tornou-se a nova ágora.

CULTURA DA OSTENTAÇÃO – Nas últimas semanas, no entanto, assistimos a um deslocamento. De ágora a Casa Grande, os shopping centers mostraram o que qualquer um com um mínimo de bom senso já sabia: o mercado não substitui a polis porque lhe falta algo fundamental ao funcionamento daquela, a democracia. Frequentá-los não é um direito assegurado a todos, como ficou claro nos episódios de proibição judicial e repressão policial aos chamados rolezinhos. O fenômeno não é inteiramente novo. Aqui em Curitiba, há uns dois ou três anos seguranças de dois shoppings tentaram impedir grupos de jovens de entrar nos estabelecimentos, porque eles tentavam fazer o que todo mundo faz, passear no shopping, mas tinham a cor de pele errada, usavam a roupa errada e moravam nos bairros errados. Soube de eventos similares em outras cidades.

Os acontecimentos em São Paulo repercutiram em parte e mais uma vez, graças à dinâmica das redes sociais. Mas a reação revela algo mais além do preconceito. Falo da dificuldade de setores das classes médias de aceitar que dois dos seus principais signos de distinção social – o consumo e a ostentação – já não são mais um privilégio exclusivo, acionados agora por jovens da periferia que se reconhecem neles, ao ponto de fazerem de ambos sua trilha sonora, o “funk da ostentação”. E não se pode culpá-los: passamos muitos anos acreditando e multiplicando uma cultura do consumo e da ostentação que tinha nos shoppings seu lócus privilegiado. E por que continuar habitando a periferia, das cidades e do mercado, se basta marcar dia e hora para ir até onde é possível experimentar, mesmo provisoriamente, o gosto que tem os excessos e a liberdade tão propalados?

Nos últimos dias imagens de jovens “vandalizando” os corredores dos shoppings paulistanos forneceram ainda mais argumentos aqueles que insistem em criminalizar os rolês. Um senador tucano, Aloysio Nunes, chamou-os de um “bando de cavalões”, e traduziu exemplarmente o sentimento de nossa elite em relação à periferia. Nenhum deles percebeu o que a meu ver é elementar: a garotada da periferia desejava fazer justamente aquilo que cada um de nós faz quando vai a um shopping: ver, principalmente; consumir, se possível. Desejo que é em grande medida fruto de uma inclusão social algo torpe e torta: a expansão das possibilidades de consumo por meio da ascensão social e econômica, nem sempre foi acompanhada pelo fortalecimento dos outros mecanismos que são – ou deveriam ser – inerentes à cidadania.

Não fosse a insensibilidade dos administradores dos shoppings e das autoridades públicas, estendida na violência física e simbólica, os rolês provavelmente continuariam a cumprir o percurso a que se destinavam. Ou, quem sabe, pudessem se tornar uma oportunidade de negócios. Mas para isso faz-se necessária uma certa dose de inteligência. E nosso capitalismo é, além de predatório, preconceituoso e violento, burro.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Igreja Universal do Reino da Meritocracia


POR JOSE ANTÓNIO BAÇO


Houve um comentário ao meu texto da semana passada que chamou a atenção. Um dos leitores anônimos (tinha que ser), na sua fúria pessoal contra tudo que cheire a ideias de esquerda, soltou esta pérola: “os esquerdistas (derrotados profissionalmente, intelectualmente e culturalmente) nunca aceitarão a meritocracia”. É um fiel da Igreja Universal do Reino da Meritocracia.

O fato é que eu, um dos tais derrotados, tenho a ilusão de que o tema merece uma discussão. Primeiro porque o tal leitor apenas se limita a repetir um clichezão, sem apresentar argumentos sobre o tema. Afinal, o que é a meritocracia (essa nova religião)? Para o tal leitor deve ser uma espécie de “merecimento” que diferencia os derrotados dos vencedores. Os que são e os que não são.


Há pessoas para quem  mérito é trabalhar para ganhar dinheiro e, sobretudo, inscrever o seu nome o mais alto possível na escala social. Infelizmente para essa gente é um ideário que prevaleceu até aos anos 70 ou 80 do século passado. A lógica que estruturava as existências sobre os objetos (casa, carro etc) começa a perder vigor. As economias são culturais e a cultura já mudou muito, pelo menos no tal Primeiro Mundo.

O que é o mérito?  Há muitas variáveis a ter em consideração. Um torturador nos tempos da ditadura militar poderia ascender a posições de destaque na burocracia governamental com base no número de pessoas que levou ao pau de arara? Você seria capaz de rezar para esse santo? Ou, nas empresas, quem de nós não conhece algum “yes man” que subiu sendo apenas capacho dos superiores.

Os seguidores da meritocracia são crentes inamovíveis, portanto incapazes de ver que o mérito é algo relativo. Aposto que o tal leitor vê mérito na astrologia-filosófica dos textos de um Olavo de Carvalho mas nunca ouviu falar – e nem quer ouvir – de um Michel Lowy, um dos maiores intelectuais brasileiros, diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, na França. Lembremos que Lowy é de esquerda, onde não há mérito.

Sou capaz de apostar todas as minhas fichas na ideia de que o tal leitor vê mérito no jovem burguês bem alimentado e educado em escolas particulares que consegue vaga numa universidade federal. Mas é contra as cotas porque não vê mérito num jovem negro, pobre e que estudou numa escola com ensino precário. Ora, se fosse uma corrida de Fórmula 1, o primeiro estaria a largar com muitas voltas de avanço sobre o segundo. Qual é o mérito?

A meritocracia é um método – como tantos outros – que pode ser usado pelas empresas ou pelos governos nas suas hierarquias. Mas não é uma fórmula rígida, nem matemática, capaz de ser uma bíblia da gestão. Se a meritocracia tem alguma vantagem para o sistema produtivo é despertar a ambição (qualidade que em tempos foi defeito) e a competição entre os trabalhadores. Mas isso interessa mais aos donos do capital do que aos trabalhadores.

E deixo para o fim deste texto o exemplo de alguém que certamente acreditava no poder da meritocracia. A redatora de publicidade Mita Diran, da Y&R da Indonésia, que morreu após uma jornada de três dias seguidos a trabalhar. Antes de morrer, cheia de orgulho ela escreveu no Twitter: “trabalhando há 30 horas e ainda firme e forte”. O mérito foi todo dela.

P.S.: Que fique claro. Não rejeito a noção de mérito, mas quem faz dele uma religião e uma arma a favor de um certo apartheid social: os derrotados e os vencedores. Porque isso não é meritocracia. É arrivismo. Favor não confundir.