sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Juiz espanca a filha, mas não é processado

POR ET BARTHES

Se o homem é juiz e faz esse tipo de coisas com a própria filha, o que esperar dele num julgamento? No Estados Unidos, o juiz William Adams espancou violentamente a filha (na altura com 16 anos) com um cinto. As imagens, gravadas em 2004, só agora foram reveladas pela filha, Hillary Adams, hoje com 22 anos. Ela diz que a intenção é apenas demonstrar que o pai precisa de cuidados psiquiátricos. O pai diz que é uma vingança de Hillary porque ele teria ameaçado lhe cortar a mesada. O problema nisso tudo é que o juzi não vai ser acusado, porque depois de tanto tempo o crime prescreveu. Mas tem gente que quer ver o homem fora dos tribunais.

AOS LEITORES




O Chuva Ácida defendeu, desde o primeiro momento, a publicação de todos os comentários dos leitores. E até este momento nenhum comentário, nem mesmo anônimo, deixou de ser publicado. A regra sempre foi clara. A publicação seria livre - com a moderação dos integrantes do blog - desde que respeitadas as regras da democracia, da pertinência e da urbanidade.
Mas tem havido casos de abuso e excessos de pessoas que, escondidas sob proteção do anonimato, desrespeitam o mais elementar princípio da urbanidade. E isso obriga a mudar esse procedimento a partir de agora.
Os integrantes do blog reafirmam: o espaço está aberto aos joinvilenses - e não só - com o objetivo de fomentar o necessário e útil debate. Todas as ideias são bem-vindas. Mas se houver leitores – em especial sob o anonimato – que ultrapassem a linha da razoabilidade, as suas intervenções serão desconsideradas.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Feministas protestam contra DSK

POR ET BARTHES

Há coisas difíceis de entender, mas que acontecem. A associação das feministas ucranianas FEMEN, cujas integrantes usam a nudez como forma de protesto, está a realizar uma turnê pela Europa. Com roupas exíguas e a usar um aventalzinho, elas foram até à frente da casa de Dominique Strauss-Kahn, em Paris, para uma manifestação. O motivo é, segundo elas, a situação das mulheres no planeta, em especial na Ucrânia, onde a prostituição não para de crescer. Segundo o roteiro, o próximo a “sofrer” com uma manifestação é Berlusconi, na Itália.


A gaiola dos macacos


POR JORDI CASTAN

Henry Mencken, jornalista americano definiu de forma precisa a Democracia, como sendo a arte de gerir o circo desde a gaiola dos macacos.

É conhecida a experiência desenvolvida a partir de um estudo cientifico sobre o comportamento de um grupo de macacos colocados numa gaiola. No centro da gaiola e a certa altura se colocou um cacho de banana. E se disponibilizaram algumas caixas, que se empilhadas permitiriam a um macaco ou a um grupo deles alcançar as bananas.

Um dos macacos tomou a iniciativa de empilhando as caixas alcançar o cacho. Quando conseguiu, um potente jato de água foi lançado sobre todo o grupo.
E sucessivamente foi repetida experiência, até que os próprios macacos desestimulavam, inclusive com violência, os que insistiam em tentar alcançar o cacho.

Quando finalmente não houve novas iniciativas, um dos macacos da gaiola foi substituído por um novo macaco, que sem conhecer a experiência, tomou a iniciativa de tentar alcançar o cacho, sendo desestimulado a fazê-lo pelos demais macacos. A experiência foi repetida até que todos os macacos que compunham o grupo inicial foram substituídos por um novo grupo de macacos que nunca tinha vivido a experiência de receber o jato de água. Porem que de modo condicionado e estimulados pelos outros, desistiram de tentar alcançar o apetitoso cacho de bananas maduras.

Temos aqui na nossa paróquia, as nossas próprias gaiolas de macacos, em muitos casos a troca, total ou parcial, dos macacos se realiza de quatro em quatro anos, em outras com menor freqüência. Também aqui são os macacos mais experientes os que assumem o papel de instruir os novos sagüis, que entram na gaiola, sobre o que pode e o que não pode, sobre o que deve e o que não deve ser feito. O curioso é que a cada nova troca, os sagüis recém chegados superam rapidamente a técnica, criatividade e habilidades dos macacos mais experientes. As macaquices dos novos sagüis superam em muito o imaginado pelos antigos lideres do bando que cedem o seu espaço a novas hordas de sagüis ensandecidos, ávidos por cachos de banana e por fazer macaquices inimagináveis pouco tempo atrás.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Tommy's verdadeiras, europeus de araque

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Faz alguns dias, aqui mesmo no Chuva Ácida, rolou uma discussão mais divertida que útil: uma repetição insistente de marcas ligadas ao mundo da moda. E, do que me lembro, as mais mencionadas foram Tommy e Nike. Não é precisa muita ginástica mental para perceber que, no caso de muita gente, o uso dessas marcas produz a sensação de sofisticação. Na boa.

Não quero jogar mais achas nessa fogueira de vaidades. Mas acho legal discutir o valor aspiracional que as marcas representam para as pessoas, em especial a classe média mediana. Ops... classe o quê? Simples. É classe média em termos econômicos e mediana em termos culturais. O fato é que qualquer estudioso do marketing sabe que a marca, em especial na moda, é um escudo e uma forma de defesa para certas inseguranças sociais.

A tal classe média mediana é formada por gente com o saldo bancário confortável. Mas, como já disse alguém, é um tipo de gente tão pobre que tem apenas dinheiro. Falta cultura. Falta charme. Falta mundo. Então, o que o cara faz? Se esconde atrás de símbolos (a marca é um deles), que funcionam como próteses da personalidade. Ou seja, se eu nada tenho a dizer, a marca fala por mim.

LENDA URBANA - Achei divertido ver tantas citações à marca Tommy. E lembrei de uma lenda urbana. Há um bom tempo, a imagem da marca sofreu um forte baque com uma notícia que se espalhou: Tommy Hilfiger teria dito, no programa da Oprah Winfrey, que não teria criado produtos tão bons se soubesse que seriam usados por negros, judeus, asiáticos ou latinos.

É um hoax que circula há quase uma década. Hilfiger só esteve no programa uma vez: para um desmentido. Só que o boato custou uma boa fatia de mercado à marca. Porque muita gente com grana deixou de usar os seus produtos. Não porque o dono da empresa teria sido racista, mas porque não queriam estar no mesmo grupo de negros, asiáticos ou latinos. Consumidor é um bicho estranho, meu povo.

QUE EUROPEUS? - É o que traz uma insidiosa ironia. Afinal, as pessoas que se manifestaram sobre as marcas aqui no Chuva Ácida são latinas. Ok... tem uns caras que, por terem muitas consoantes no sobrenome, não se consideram latinos e juram que são europeus. Tem gente que até ostenta passaportes de países da Europa onde nunca pôs os pés.

Detesto ser eu a trazer péssimas notícias, meus amigos, mas vocês não são europeus. Ter olhos azuis, cabelos loiros e um nome difícil de escrever não basta. A questão é geográfica: europeu é quem nasce na Europa ou viveu lá o tempo suficiente para adquirir a nacionalidade (nunca a naturalidade). E a machadada final vem com este raciocínio lógico: os latinos estão entre os que dão má fama à marca... então, ao usarem as suas vistosas camisas, os latino-americanos de Joinville também estão a dar força para o estereótipo. Será que percebem?

É chato ser discriminado, não é?

Saradões falam sobre câncer de mama

POR ET BARTHES

Tem todos os clichês que as feministas considerariam machismo explícito. Mas vem da Rethink Breast Cancer, uma instituição canadense de combate ao câncer de mama, criada há cerca de uma década. Uma das características da Rethink é ter uma comunicação arrojada, como no caso da promoção do filme promocional desta aplicação de smartphone. Estudos do marketing identificaram um fato interessante: as mulheres prestam mais atenção aos filmes onde aparecem homens sarados e a mostrar os músculos. Todo o texto fala do exame do toque e a ideia é fazer com que o público feminino preste mais atenção ao filme.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

E as cidades litorâneas da região?


POR CHARLES HENRIQUE

Todo ano esse tema entra em pauta, eu sei. Mas precisamos discutir sobre as cidades litorâneas da região norte/nordeste de Santa Catarina. Nosso litoral é “invadido” por turistas de diversas regiões do mundo, e nós, joinvilenses, também gostamos de ficar na praia no verão. O problema é que o incômodo, e o estresse tomam o lugar do lazer devido à falta de organização e estrutura destes municípios.

São problemas em todos os níveis, desde os mais primários (como falta de água e energia elétrica) até os mais complexos (como a inexistência de uma política de desenvolvimento urbano). Enquanto o turista for visto apenas como um consumidor, que despende grandes quantidades, ao invés de ser um humano, que busca uma qualidade de vida melhor que os grandes centros urbanos, teremos as mesmas reclamações toda vez que formos para alguma praia da região.

A impressão é que muitos municípios estão beirando entre o despreparo e o desconhecimento, pois é inadmissível que após tantos anos sobrevivendo do turismo estas cidades não conseguiram ter como prioridade a infra-estrutura necessária para bem atender o turista e catapultar o maior valor delas: a imagem. Se a praia é bela e a cidade não, o turismo não vinga. Está cheio de casos em que a praia em si é péssima, mas a cidade é ótima.

Em São Francisco e Barra do Sul temos problemas com o acesso pela BR-280. Barra Velha tem problemas básicos de infraestrutura e na gestão da Prefeitura (ô cidade para ter um escândalo envolvendo o Prefeito). Piçarras sofre com a falta de dragagem da orla (as seguidas ressacas “comeram” toda a faixa de areia) e com a mobilidade urbana (o crescimento desordenado fez surgir grandes engarrafamentos nas ruas). Penha ganhou um grande impulso com o parque Beto Carrero, mas ainda tem uma estrutura muito semelhante à década de 90. Itapoá tem um acesso complicado e está começando a atrair os turistas em larga escala...

Quantos problemas, não? A solução seria a união destes municípios em prol de uma agenda única, evidenciando assim a importância para a economia. Deste modo, o Governo de SC e a União não olhariam para a região de outra maneira? Se esse clima de competição por turistas continuar (“a minha cidade traz mais gente que a sua”) vai acabar matando toda a pouca imagem positiva que resta. Costa do Encanto é coisa de publicitário do LHS. Aqui é a Costa do Improviso.

Obs: a foto mostra um pouco como a cidade de Penha trata o trânsito.

domingo, 30 de outubro de 2011

Uma reflexão sobre PICHAÇÃO


POR FELIPE SILVEIRA

Aguardado com expectativa pela população joinvilense, o Parque da Cidade, semana passada, foi notícia nos jornais por ter a pista de skate pichada. Os comentários nas redes sociais, especialmente no twitter, e o título da matéria no jornal A Notícia (“Parque da Cidade sofre vandalismo antes mesmo de inauguração em Joinville”) me chamaram a atenção.

Fiquei um pouco incomodado com a ideia sobre pichação e comecei a questionar se o ato era mesmo um ato de vandalismo. Sem querer discutir o conceito jurídico, quero lançar novos olhares sobre o fenômeno social que é a pichação. Adianto que não sei quase nada sobre o assunto, mas que me senti incomodado com o olhar tão superficial sobre a questão e desejo fazer, junto com vocês, uma reflexão sobre o assunto.

Outra ressalva importante, antes de continuar: eu sei que grafite e pichação são coisas diferentes e que um já é (nem sempre foi) tratado como arte e o outro é considerado vandalismo. Apesar de eu achar que isso simplifica demais a questão e ter minhas desconfianças, gostaria de pedir que não reduzissem o debate a isso.

A pichação, no meu entendimento, é uma resposta dada por excluídos a uma realidade de desigualdades sociais. Pelo que sei, a pichação consiste na assinatura do pichador ou do grupo ao qual pertence. Ou seja, é uma disputa social. Isso ficou mais claro quando vi um trecho do documentário “Luz, câmera, pichação”, de Gustavo Coelho, Marcelo Guerra e Bruno Caetano. Veja o trailer:


Ao ver o vídeo, a gente começa a entender o que significa, para essas pessoas, a cultura da pichação. Ou melhor, começa a entender que é uma cultura (no sentido mais amplo da palavra, que é um conceito que muita gente tem dificuldade pra entender).

Mas clareza mesmo sobre a razão que motiva os pichadores, algo que eu já tinha a impressão, eu tive ao ler uma resenha sobre o documentário com o seguinte trecho: “quando se está confinado à margem, dentro de qualquer coisa que chamamos de classes menos favorecidas, pobres, miseráveis ou favelados, ser um autor pode ser tudo o que se tem. As assinaturas das pichações, que nos últimos 20 anos foram se tornando cada vez mais estilizadas e aprimoradas a ponto de se tornarem ilegíveis ou incompreensíveis para quem não é do meio, ou melhor, da família, são uma forma de registro histórico, de identidade, e auto-estima.”

Para mim, antes de chamar de vândalo, vagabundo, é importante entender o que motiva a pichação. Para algumas pessoas, isso nem faz diferença. Uma conhecida minha, integrante do Coletivo Chá, explicou mais ou menos assim: se alguma coisa está na rua, ela vai sofrer intervenção da rua. Meu amigo Ivan Rocha, ligado ao movimento hip hop, também disse algo parecido no twitter: “Os caras fazem uma pista de skate e não querem que tenha arte urbana? muro unicolor não combina com esportes radicais”. Ou outro, ele diz: “De modo geral eu não curto pichação pq é só divulgação do próprio nome mas numa pista de skate não da pra reclamar”.

Na minha opinião, a pichação torna a cidade mais feia. Eu não gosto, mas me incomodo com o olhar conservador que é o mais comum. Eu percebo que ela é muito mais comum onde a desigualdade é maior, onde a falta de oportunidade é maior, onde falta educação, cultura, esporte e lazer. Esse é um exercício legal para as pessoas que viajam bastante: fazer essa relação entre desigualdade social e quantidade de pichação.

Uma última ressalva: sei que tem muito playboy que gosta de pichar. Para mim, isso não faz diferença. Assim como o hip hop, muitas culturas que nascem nas periferias são incorporadas pela classe média. Às vezes, elas são “estupradas”, outras não. De qualquer forma, esse é o movimento da cultura.

Para finalizar, um momento jabá, mas que também serve ao debate. No primeiro semestre, eu e o amigo Bruno Isidoro, com orientação do professor Léo Diniz, fizemos o documentário “Coletivo Chá: um olhar sobre a arte urbana em Joinville”. Não tem a ver exatamente com pichação, mas já que estamos falando de arte urbana, aí vai mais um olhar.

A saúde de Lula é alvo de oportunismos


MARIA ELISA MÁXIMO

Tem coisas que precisam ser comentadas no ato, como esta campanha absurda que estão levantando em torno da saúde do ex-presidente Lula. Por isso, vou tentar juntar aqui um pouco do tenho tenho lido e escrito nas redes digitais, em especial no Facebook, como uma tentativa de fomentar e aprofundar o debate.

Ontem, logo após ter me supreendido com a notícia do câncer de Lula, não poderia imaginar que a surpresa maior ainda estava por vir. Horas depois, vários amigos, familiares e conhecidos multiplicavam uma campanha estampada com a imagem do ex-presidente: Lula, faça o tratamento pelo SUS! Eram muitas postagens, inúmeras, e aumentavam a cada atualização de página. A pergunta que não calava era: mas porque diabos o Lula deveria fazer seu tratamento pelo SUS? Pra "sentir na pele" a precariedade do atendimento? Mas, afinal, se há problemas no SUS, estes são de responsabilidade do Lula? Seja o que for, a campanha é uma ironia? Inacreditável, simplesmente. Mas, pra além do teor lamentável da tal campanha, mais indignante ainda era a superficialidade das pessoas que a compartilhavam: apenas repassavam, sem nenhum traço de reflexão, sem a mínima discussão, sem argumento. Meus questionamentos não cessavam: quantos desses que dissipam este tipo de campanha são realmente usuários do SUS? Pela minha intuição, imagino serem poucos. Mas então, com que fundamento criticam? Quanto mais eu me questionava, mais eu concluia que tratava-se de uma crítica gratuita, rasa, parasita, que, de tão perversa, aproveitava-se de um momento difícil na vida do ex-presidente para vociferar insultos contra ele e seu governo (consideremos, ainda, que criticar o Lula, nas mentes rasas, é o mesmo que criticar o governo Dilma).

Expressei minha reação e, ufa!, foram muitos os comentários de apoio. Junto comigo, começaram a surgir, pouco a pouco, outras postagens críticas à campanha, o que transformou minha timeline num verdadeiro front de batalha. Sim, opiniões fundamentadas em argumentos demoram mais a aparecerem, porque exigem tempo de maturação e prudência para serem formuladas. Já a crítica pela crítica pode se alastrar instantaneamente, não precisa de tempo. De qualquer modo, poucos se abriram ao debate. De todos os meus conhecidos que compartilharam a campanha, apenas um deles, me chamou para o debate e expôs seus argumentos. Os demais, mantiveram-se reclusos aos seus ressentimentos, vendidos ao discurso da mídia oficial que não conta tempo para exibir reportagens sensacionalistas, que exploram as pessoas nas filas, nas emergências, aguardando leitos ou atendimento. O que é bom, nunca é mostrado.

Ninguém ousa lembrar ou parar pra pensar que, hoje, o SUS realiza tratamento para portadores do HIV (e que grande parte dos pacientes soro positivo levam uma vida normal graças à distribuição gratuita do coquetel), realiza cirurgia bariátrica (redução de estômago) em casos comprovados de obesidade mórbida, fora os tratamentos contra vários tipos de câncer, dentre tantos outros. Se o Lula tivesse que ser atendido pelo SUS, certamente não seria mal atendido. O fato é que ele não precisa e, aliás, é bem provável que grande hospitais particulares disputem por realizar gratutiamente o tratamento de um ex-presidente com a popularidade de Lula, pois é publicidade para eles.

Em meio a este debate, eis que hoje de manhã nos deparamos, na MegaPix, com a exibição do documentário Sicko, do genial Michael Moore. Ele adentra as profundezas do sistema de saúde estadunidense e mostra a podridão que permeia as políticas de saúde do país geralmente apontado como referência de modernidade e avanços. Corrupção, descaso, maus tratos... No contraponto, busca entender de dentro a realidade de sistemas universais como o do Canadá, da Grã Bretanha, da França, de Cuba, onde todos (inclusive estrangeiros, imigrantes) têm acesso gratuito a todo, todo tipo de tratamento: das pequenas suturas às grandes e complexas cirurgias. Fazendo as devidas ressalvas relativas às especificidades da realidade brasileira, marcada por profundas diferenças sociais e por uma extensão territorial e densidade populacional incomparáveis às dos outros países, estamos, com o SUS, muito "bem na foto".

Talvez, o que mais esteja faltando para melhorar é, mais do que qualquer coisa, a crença da população brasileira no SUS. O SUS, garantido pela Constituição de 1988, é uma conquista dos movimentos populares e sociais no Brasil pautada pelos princípios da universalidade, equidade e defesa de um Estado laico e verdadeiramente democrático. Antes de criticar o SUS, sem nem ao menos ser seu cliente, precisamos defender o SUS e, aí sim, reivindicar as melhorias necessárias participando mais efetivamente dos centros decisórios. Ficar em casa, apenas clicando no "curtir" ou "compartilhar" destas campanhas toscas não ajuda em nada a melhorarmos esse sistema. Espero que, um dia, as pessoas saibam aproveitar melhor o potencial multiplicador e a esfera de ação das redes sociais para dissipar o bom debate, crítico sempre, mas pautado por argumentos e pela troca inteligente de idéias.

sábado, 29 de outubro de 2011

A droga da criminalização

MARIA ELISA MÁXIMO

Em 2008, orientei um TCC em Jornalismo sobre os Mutantes. Sim, aquele grupo musical dos anos 60/70, que teve Rita Lee como uma das suas integrantes e que misturava ao rock e ao som estridente das guitarras uma série de outras referencias musicais, sob forte influência do Tropicalismo. Como todos sabem, os Mutantes faziam um som psicodélico, "inspirados", talvez, pelo consumo significativo de LSD.

A orientação deste trabalho perfaz uma das lembranças mais marcantes da minha carreira docente, pois lembro do quanto "briguei" com a visão conservadora do aluno a respeito das drogas e do seu uso. Para analisar o consumo de LSD pelos Mutantes, o aluno recorria a discursos oficiais da polícia, por exemplo, para chegar à conclusão de que teriam sido as drogas as responsáveis pelo fim do grupo. Do outro lado, eu insistia na possibilidade de pensarmos o uso de drogas, em especial do LSD, como o motor criativo do grupo e, mais do que isso, como uma forma de resistência. Afinal, estávamos falando de um dos períodos políticos mais complexos que o país vivia. Os Mutantes integravam, nesse sentido, a contracultura brasileira, e o uso de drogas, pra mim, não deixava de ser um caminho de se colocar na contra-mão do sistema conservador que minava, principalmente, a liberdade de expressão e de ação das pessoas.

A despeito de minha insistência em promover uma visão mais crítica do aluno, ele manteve seu ponto de vista. O trabalho foi entregue e encaminhado à banca e, como eu já esperava, foi fortemente contestado. Entre outros aspectos frágeis do texto e da análise, um dos pontos bastante criticado foi a maneira como o aluno pensava o papel das drogas na produção artística do grupo. Mas, mesmo diante das críticas, o aluno não apenas se manteve em sua posição, como a reforçou. Foi reprovado em banca, pelo conjunto de problemas que o trabalho apresentava.

Trago este fato à tona porque creio que ele seja ilustrativo do senso-comum que existe sobre o uso de drogas atualmente, inclusive nas gerações mais jovens, universitárias, que são frequentemente expostas a pontos de vista mais diversificados e alternativos a respeito de assuntos polêmicos. Em geral, as pessoas fincam raízes no caminho mais fácil: droga é uma droga, e ponto. Esta semana recebi a visita de um rapaz que pedia ajuda a uma casa de recuperação de dependentes químicos aqui de Joinville. Ele pedia R$10 por um kit com saco de lixo, esponja, grampos de roupa e um adesivo da entidade. No adesivo, o slogan: Diga não às drogas! Crime nem pensar. Verdadeiramente não compensa! Mais uma vez me surpreendeu o fato de que até mesmo aqueles que são vítimas do sistema punitivo, usam o discurso desse sistema para passar sua mensagem: usando drogas, você será um criminoso e isso "verdadeiramente não compensa". Estranho, não?

Vale pensarmos um pouco sobre a serventia desse sistema punitivo, que tudo criminaliza (o que retoma, em parte, nosso debate sobre o aborto, iniciado aqui no Chuva Ácida). Um texto interessante do Ilanud (Instituto latino americano das nações unidas para a prevenção do delito e tratamento do delinquente), publicado no Promenino, levanta algumas questões sobre o impacto da criminalização das drogas sobre os índices de delinquência juvenil. E, dentre outras coisas, o texto procura mostrar como os mecanismos de controle e de repressão são seletivos, servindo à manutenção das desigualdades sociais: enquanto jovens das classes sociais mais favorecidas, flagrados como consumidores de drogas, dificilmente chegam às portas da justiça, jovens pobres são facilmente criminalizados pela via do tráfico de entorpecentes, como traficantes ou auxiliares do tráfico, e raramente como apenas consumidores. Esta diferença no tratamento de jovens "ricos" e "pobres" ou, mais especificamente, entre brancos e negros, no âmbito do consumo de drogas, é exaustivamente discutida por Vera Malaguti Batista, no livro Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no RJ (Editora Revan, 2003). A obra é recomendadíssima para quem deseja aprofundar-se na reflexão crítica sobre o tema.

À criminalização somam-se outras medidas radicais, que implicam em reclusão, como a internação compulsória, em prática no Rio de Janeiro desde maio deste ano como parte das políticas de "combate ao crack". Sobre esse assunto, a revista Caros Amigos deste mês trouxe uma entrevista com o psiquiátra Dartiu Xavier, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad). Nesta entrevista, Xavier nos presenteia com um contraponto não apenas à criminalização, mas também ao próprio uso, sugerindo outras maneiras de ser ver a droga e seu uso, sobretudo ao falar da perspectiva da "redução de danos". Criticando severamente a prática da internação compulsória, Xavier alerta para a perversidade deste tipo de política, que recorre ao modelo carcerário, dos grandes hospícios, e acaba sendo ineficaz em termos terapêuticos. No final das contas, acaba servindo a propósitos higienistas, de "limpeza" urbana. Segundo ele,
existe uma lógica muito perversa da internação compulsória que atribui a situação de miséria e de rua à droga, quando, na realidade, a droga não é causa daquilo, ela é consequência. Acredito que o trabalho feito nas ruas, nas cracolândias e com crianças de rua deveria ser no sentido de resgate de cidadania, moradia, educação, saúde (XAVIER, 2011, p. 16).

Xavier relativiza a relação entre o consumo de drogas e a dependência química, afirmando que, para o alcool e a maconha, por exemplo, menos de 10% dos usuários se tornam dependentes, enquanto que para o crack a porcentagem de dependência é de 20% a 25% dentre os consumidores. Os demais permanecem no padrão do consumo "recracional"; são pessoas que trabalham, são produtivas, têm família. E, nesse sentido, ele tenta desconstruir a associação entre uso de drogas e perda da noção de realidade (associação esta que, muitas vezes, justifica a internação forçada). Enfim, não se trata de querer minimizar o problema das drogas, mas de vê-lo sob outros ângulos que não o do senso-comum, do caminho mais fácil e, principalmente, da criminalização e da repressão. Até mesmo porque não se pode excluir os próprios consumidores como informantes privilegiados na elaboração de políticas públicas relativas à prevenção, ao tratamento, desintoxicação, ressocialização, etc. Eu não tenho dúvidas de que a criminalização não é o caminho e acho importantes os movimentos que emergem, atualmente, contra isso. É claro que a descriminalização do uso deverá, num futuro ideal, vir acompanhada de políticas sócioeducativas e de formas de controle da comercialização, mas este é ponto pra outro debate.