POR CLÓVIS GRUNER
Em 1999, na gestão FHC, eles eram “o milagre que veio
de Cuba”. Em 2013, no governo Dilma, conheceram bem de perto do que é possível
a cordialidade brasileira. Apesar do preconceito, médicos cubanos seguiram
atuando no Brasil nos últimos cinco anos, especialmente nas periferias urbanas
ou em regiões do interior, cuidando especialmente do que se chama “medicina
primária”, uma das nossas principais carências.
Na quarta (14), o governo cubano anunciou que deixará
o “Mais Médicos” depois das declarações e das condições anunciadas pelo
presidente eleito Jair Bolsonaro. O resultado dessa “medicina sem partido”
preconizada pelo fascista serão cerca de nove mil médicos a menos, justamente
naqueles lugares onde sua presença é fundamental.
Para se ter uma ideia
do impacto da decisão, são 2.885 municípios no país atendidos pelo programa, a
maioria em áreas vulneráveis: no Norte e no semiárido nordestino, cidades com
baixo IDH, reservas indígenas e periferias dos grandes centros urbanos. Desse
total, pelo menos 1.575 municípios só possuem médicos cubanos do Programa.
Os inúmeros
especialistas em Cuba e no “Programa Mais Médicos” que surgiram nas redes
sociais desde a quarta, defendem Bolsonaro argumentando que os cubanos
trabalhavam sob um regime escravo e que o presidente eleito não fez mais que
confrontar Cuba, exigindo do regime que respeitasse os profissionais que atuam
aqui.
A imaginação é o limite - Sabemos que não é o caso, mas vamos admitir como
verdade por um minuto (pra deixar fluir a conversa), que Bolsonaro estivesse
mesmo preocupado com a situação talvez precária dos médicos cubanos no Brasil.
Vamos fazer de conta que o presidente que prometeu eliminar opositores na Ponta
da Praia e tem como referência um estuprador, torturador e assassino, de
repente se preocupou com os Direitos Humanos, que sempre desprezou.
Vamos supor ainda que o presidente disposto a retirar
direitos de trabalhadores brasileiros queira, algo contraditoriamente, garantir
os mesmos direitos a trabalhadores de outro país. E enfim, vamos imaginar que
Bolsonaro, depois de prometer em uma canetada mandar 14 mil "médicos"
(as aspas são dele) para Guantánamo cuidar dos petistas (os que não morrerem na
Ponta da Praia), reconhece a importância dos de nove mil (não 14) cubanos que
atuam no Brasil.
Combinados? Então, como presidente eleito, o que ele
deveria ter feito era chamar os representantes do governo cubano para uma
rodada de negociações oficiais, expor suas preocupações e tentar construir um
novo acordo, algo mais próximo do que considerasse razoável. E o que ela fez?
Tripudia e desqualifica os profissionais, e ameaça um país, independente do que
se pense dele, soberano. E tudo, basicamente, pelo Twitter. Esse é o presidente
que elegemos e nosso pesadelo pelos próximos quatro anos.
Um começo seria ele entender que, agora, qualquer
declaração sua não repercute mais apenas entre seus eleitores. Não estamos mais
falando de kit gay e mamadeira com bico de piroca, mas de políticas de governo.
Alguém precisa explicar a Bolsonaro a diferença. Mas não contem pra isso com
seu futuro Ministro das Relações Exteriores.