quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Ficamos mais inteligentes ou mais burros? O que diz a filosofia...

POR LEO VORTIS
A tecnologia impõe um contrassenso: ela tanto pode ser amiga quanto inimiga. É só pegar no exemplo das plataformas digitais para comprovar essa tese. Sempre que precisamos de uma informação, mesmo que seja uma simples memória, ela está na ponta dos dedos. O sujeito vai à internet e pronto. Esse é o lado bom. O lado mau é que as pessoas deixam de exercitar o cérebro e acabam por perder qualidades intelectuais.

O mais interessante é que o tema não vem de hoje. As pessoas familiarizadas com a filosofia sabem que Platão era um crítico da escrita. Para ele, a memória era mais importante. Ou seja, a escrita parecia um benefício, quando de fato era um venefício. Não é preciso fazer uma arqueologia para encontrar uma referência. A resposta está no texto “Fedro”, no qual Platão narra uma história sobre Tamuz, o rei de uma grande cidade do alto Egito. Eis...

“Pois bem: ouvi uma vez contar que, na região de Náucratis, no Egito, houve um velho deus deste país, deus a quem é consagrada a ave que chamam íbis, e a quem chamavam Thoth. Dizem que foi ele quem inventou os números e o cálculo, a geometria e a astronomia, bem como o jogo das damas e dos dados, e, finalmente, fica sabendo, os carateres gráficos (escrita).

Nesse tempo, todo o Egito era governado por Tamuz, que residia no sul do país, numa grande cidade que os gregos designam por Tebas do Egito, onde aquele deus era conhecido pelo nome de Ámon. Thoth encontrou-se com o monarca, a quem mostrou as suas artes, dizendo que era necessário dá-las a conhecer a todos os egípcios. Mas o monarca quis saber a utilidade de cada uma das artes e, enquanto o inventor as explicava, o monarca elogiava ou censurava, consoante as artes lhe pareciam boas ou más.

Foram muitas, diz a lenda, as considerações que sobre cada arte Tamuz fez a Thoth, quer condenando, quer elogiando, e seria prolixo enumerar todas aquelas considerações. Mas, quando chegou a vez da invenção da escrita, exclamou Thoth:
– “Eis, oh Rei, uma arte que tornará os egípcios mais sábios e os ajudará a fortalecer a memória, pois com a escrita descobri o remédio para a memória.
 – “Oh, Thoth, mestre incomparável, uma coisa é inventar uma arte, outra julgar os benefícios ou prejuízos que dela advirão para os outros! Tu, neste momento e como inventor da escrita, esperas dela, e com entusiasmo, todo o contrário do que ela pode vir a fazer!

Ela tornará os homens mais esquecidos pois que, sabendo escrever, deixarão de exercitar a memória, confiando apenas nas escrituras e só se lembrarão de um assunto por força de motivos exteriores, por meio de sinais, e não dos assuntos em si mesmos. Por isso, não inventaste um remédio para a memória, mas sim para a rememoração.

Quanto à transmissão do ensino, transmites aos teus alunos não a sabedoria, pois passarão a receber uma grande soma de informações sem a respectiva educação! Hão-de parecer homens de saber, embora não passem de ignorantes em muitas matérias e tornar-se-ão, por consequência, sábios imaginários, em vez de sábios verdadeiros!”.

Que tal trazer a questão para os nossos dias? Esta narrativa propõe muitas reflexões sobre a relação das pessoas com a tecnologia. Afinal, é certo que não estamos a ficar mais inteligentes. Como podemos ver nos comentários que surgem aqui no blog, por exemplo, a doxa vale mais que a episteme.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Aguinaldo Silva e o burro carregado de livros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O maior problema do Brasil é aquilo que podemos chamar “apartheid social”. O quê? É o fosso que foi sendo escavado entre os ricos e os pobres, ao longo da história. Em termos culturais, o resultado é a negação do outro pelas elites. O rico é, o pobre não é. O condomínio é, a favela não é. A escola privada é, o ensino público não é. O carrão é, o ônibus não é. O diplomado é, o sem diploma não é.

Este preâmbulo é apenas para introduzir um episódio que, um dia destes, fez sentir uma certa vergonha alheia. O dramaturgo Aguinaldo Silva, autor de novelas da Rede Globo decidiu, do nada, mostrar ao país o lustro da sua “superioridade” intelectual. Como? Ora, voltando ao velho e surrado tema do Lula analfabeto. O empregado dos Marinho publicou um tuíte acintoso, onde nem tentou disfarçar o seu ódio de classe. Eis...

“Hoje é o Dia do Leitor. E eu quero aproveitar para perguntar ao favorito nas pesquisas para futuro Presidente do Brasil: que livro o Lula está lendo neste momento? Qual foi o último livro que ele leu e quando foi? Ou para ser mais preciso: alguma vez na vida ele leu algum livro?”, regurgita o autor noveleiro. Haveria muito a dizer, mas fico por dois temas: o pedantismo típico das elites e o culto do livro num país pouco dado à leitura. 

Aguinaldo Silva está a ser preconceituoso, arrogante e presunçoso. Uma atitude que nada tem a ver com as luzes, com o esclarecimento ou com a condição do intelectual. Apenas tem um papel deplorável. Aliás, neste plano específico Lula parece ser muito mais culto que Aguinaldo Silva. Não adianta ler livros se não se aprende a ler o mundo. E na arte de ler o mundo parece que o analfabeto é o autor da Globo.

E também temos o culto ao livro. No Brasil, ler livros ainda é um fator de distinção social. Eu leio, por isso sou melhor. Deveria ser um não-assunto, mas infelizmente não é. Mas os verdadeiros analfabetos são os que sabem ler e não aprendem com isso. Porque as pessoas são o resultado das suas leituras (ou não). Aliás, o meu pai, que só faz a escola primária, repetia uma frase exagerada, mas com algum sentido: um doutor é apenas um burro carregado de livros.

Aguinaldo Silva sente-se à vontade para ser pedante e apontar o dedo cheio de preconceito ao ex-presidente Lula. E isso é sinal de que não sabe ler ou de que tem lido as coisas erradas. E se o episódio passa batido no Brasil, isso nunca aconteceria num país desenvolvido. Enfim, como sempre digo, o terceiro mundo não é um lugar, mas um estado da mente.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O que esperar de 2018? Que em 2019 tudo se resolva...


POR JORDI CASTAN
Janeiro é sempre tempo de fazer promessas, criar expectativas e de até mesmo previsões para o ano que inicia. E 2018 tem tudo para ser um ano emocionante. O mês começou com a nomeação de uma ministra do Trabalho que não cumpre a legislação. E ainda trará o julgamento, no dia 24 de janeiro, do ex-presidente Lula, em Porto Alegre. Lula pode sair de lá para a cadeia ou para o Planalto.

Fevereiro é tempo de carnaval, de festa, de alegria e de esquecer tudo. Como todos os anos, o Brasil será o pais de faz de conta, o País de Alice. Depois seria o tempo de começar a trabalhar. Mas essa é outra historia.

Março e tempo de celebração em Joinville. Talvez celebrar que ainda temos pela frente mais três anos de inépcia e incompetência. Ninguém deve esperar novidades por estes lados. O que não aconteceu até agora, continuará sem acontecer.  

Abril traz novos feriados. E nada melhor para um ano eleitoral que começar a conhecer os candidatos que estarão no páreo. Começa o período de desincompatibilizações. E  seguiremos com os mesmos nomes de sempre. Quem viver verá. Pouca chance de mudanças.

Maio já é tempo de começar a falar de futebol. A Copa do Mundo esta aí e nada melhor para o Brasil do que uma abundância de pão e circo. Aliás, cada vez mais circo e menos pão.

Junho é tempo de deixar a bola rolar. O planeta vai parar para ver o maior espetáculo da terra. A CBF deverá ter um novo presidente e é curioso imaginar quem poderá ser o candidato eleito. Como dizia um velho conhecedor do mundo da bola: "não há virgens na zona".

Em Julho, acabada a Copa, é tempo de falar de política. A campanha já estará a pleno vapor, mesmo que tecnicamente não tenha começado. De fato, há candidato que está em campanha faz mais de dois anos. Em Joinville, não devemos ter nenhuma mudança significativa e tudo deve seguir como até hoje.

Agosto é o mês do cachorro louco e tempo de alianças improváveis, de ver inimigos de ontem se abraçarem e compartilharem cama e mesa.

Setembro é tempo de festas e nada melhor para dar uma relaxada depois de tanta tensão e emoção. A campanha seguirá e a promiscuidade aumentará um ou dois degraus.

Outubro será o ápice de momento político. O clímax, o suprassumo do onanismo. Ainda que para os melhor classificados reste ainda uma segunda rodada em novembro.

Novembro, enquanto Joinville prepara a Festa das Flores, o Brasil vive um momento histórico. O grande dia chegou e o resultado das urnas garante que nada vai mudar. A máquina política funcionou, a perfeição o pais segue com passo firme em direção a um futuro incerto. Porque seja qual for o resultado das urnas, a única certeza é que nada vai mudar e que seguiremos escutando os mesmos discursos, as mesmas falácias e as mesmas mentiras.

Dezembro é hora de pensar em 2019, tempo de fazer novas promessas e acreditar que as coisas mudarão, sem entender que o Brasil, Santa Catarina e Joinville não vão mudar nunca se a mudança não começa por nós mesmos. 

E que venha 2019

Nem sempre as coisas são o que parecem

POR ET BARTHES
Na vida, como ensinam os filósofos, é preciso tomar cuidado com as verdades... porque elas podem ser apenas uma questão de perspectiva.



sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

30 anos sem Henfil: o humor ajudou a derrubar a ditadura


POR DOMINGOS MIRANDA
Há momentos em que o humor é a única arma contra a opressão. O mineiro Henrique Souza Filho, o Henfil, foi quem encarnou isto de forma mais apurada. Numa época de controle absoluto da imprensa, durante a ditadura militar, ele conseguiu driblar a censura e passar para os leitores, através de seus personagens, aquilo que estava engasgado na boca dos brasileiros. Os fradinhos Cumprido e Baixinho, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranóico, são alguns dos seus personagens mais marcantes. Infelizmente, no dia 4 de janeiro de 1988, Henfil morreu, aos 43 anos de idade.

Até na morte ele contribuiu para denunciar o descaso do governo para com a saúde. Henfil e seus dois irmãos, o sociólogo Betinho e o músico Francisco Mário, eram hemofílicos. Nas transfusões de sangue, os três foram contaminados pela Aids, numa época em que não havia tratamento para a doença. A vontade de viver era enorme, mas a doença foi implacável com os irmãos. Chico Mário morreu em 14 de março de 1988 e Betinho em 9 de agosto de 1997.  Diante da repercussão destes casos, a coleta de sangue passou a ser mais rigorosa.

Henfil era cartunista, jornalista e escritor. Trabalhou nos principais veículos de comunicação do país, mas se sobressaiu no jornal alternativo O Pasquim. Numa entrevista com o senador Teotônio Vilela ele perguntou: “E as eleições diretas, quando?” A resposta “diretas já” transformou-se no nome da maior campanha popular da história do Brasil e título de um de seus livros. O cartunista sempre usava uma crítica ácida para denunciar os abusos das autoridades, a fome, a hipocrisia e a falta de liberdade.

Como escritor também angariou fervorosos leitores, principalmente com a coluna “Cartas da mãe”. Ao escrever para a tradicional matriarca mineira sofredora, que tinha um filho no exílio e o outro correndo o risco de ser preso por causa de suas diabruras na imprensa, falava de assuntos que continuavam na penumbra. Foi através destes escritos que a maior parte da população tomou conhecimento que 10 mil brasileiros estavam exilados e proibidos de retornar ao país. Com a anistia, lá estava toda a família para receber Betinho, que iria criar a Ação da Cidadania contra a Fome, Miséria e pela Vida, sendo indicado para o prêmio Nobel da Paz.

Um gênio da literatura, Guimarães Rosa, que entendeu como ninguém a alma humana, disse: “O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Henfil nos trouxe alegria misturada com denúncia e conscientização. Ficou pouco tempo entre nós, mas nos ajudou a ter esperança em um dos momentos mais trágicos da vida política nacional. Por causa deste seu belo trabalho ele continua presente na nossa mente, não morreu. Mas, faz uma enorme falta para todos aqueles que amam a liberdade e a justiça.