POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Viver em Portugal. É um dos temas cada vez mais recorrentes nas redes sociais. Parece que o país está de novo na moda. Todos os dias chegam mais e mais imigrantes brasileiros aterrissam na terra de Camões. A história se repete e faz lembrar os tempos dos governos FHC, quando a crise interminável provocou uma debandada rumo a Portugal. Hoje é praticamente impossível passar um dia sem ouvir um sotaque brasileiro.
É uma espécie de refluxo. Quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência, as coisas melhoraram e o Brasil voltou a ser opção para viver. Nessa época, muitos imigrantes brasileiros decidiram voltar para casa. Aliás, a imagem do Brasil era tão boa e as perspectivas tão animadoras que o país tornou-se um destino para os próprios europeus. Então veio o golpe e a coisa parece ter desandado.
Desta vez o fluxo migratório tem diferenças. O padrão sócio-econômico dos brasileiros que desembarcam em Portugal mudou muito. Entre os recém-chegados, há muitos daqueles que a sociedade se habituou a chamar “coxinhas”. Sim, os mesmos que apoiaram o golpe e repetiram o clichê “primeiro a gente tira a Dilma, depois...”. Eis os fatos: “primeiro a gente tira a Dilma, vê a cagada que fez e então emigra para a Europa”.
Seria triste se não fosse a ironia. Os caras procuram em Portugal aquilo que não queriam no Brasil. E isso faz adivinhar que a adaptação ao estilo de vida português pode ter alguns percalços. Mas como acho que todos devem ser bem recebidos, vou dar uma forcinha e fazer 10 recomendações que, entendo, podem ajudar na integração:
1. Os portugueses lutaram pela democracia e gostam muito dela. Não venham estragar. Viver em democracia é uma coisa legal, tenho a certeza de que quando entenderem o conceito certamente vão gostar. Tudo bem, acho que vão achar tudo meio “comunista”, mas acostumam com o tempo. Ah... trocando em miúdos: aqui a gente respeita a regra e ninguém pensa em derrubar um presidente ou um primeiro-ministro apenas “porque sim”.
2. Outra coisa. Se no Brasil o cara se acha o importantão, isso não funciona deste lado do Atlântico. As pessoas “cagam” (expressão popular lusitana) para essa importância. Aliás, quem tenta parecer melhor que os outros é até mal visto.
3. Mais uma chatice. Os seus pimpolhos vão estudar na escola pública, junto do filho da faxineira, e vão aprender que ricos e pobres podem ocupar os mesmos espaços sociais. Em tempo: são raras as famílias que têm empregadas domésticas. E é melhor nem dizer que no Brasil existe o tal elevador de serviço. Nenhum português entenderia.
4. As universidades são quase todas públicas e, por serem financiadas pelo dinheiro público, é natural que o acesso seja mais democratizado. Também há universidades privadas, algumas com elevada qualidade, mas você tem que desembolsar o seu rico dinheirinho. Uau! Escola pública para os pobres? Isso é muito diferente das “federais” no Brasil, que se tornaram verdadeiros feudos dos ricos.
5. Ah... e você pode ter plano de saúde privado. Mas no frigir dos ovos vai perceber que um sistema de saúde público universal, geral e tendencialmente gratuito dá um jeitão. É mais ou menos como aquele SUS que estava a ser implantado no Brasil e que o golpe pôs um fim.
6. Não se preocupe por ter que andar em transportes públicos, porque você consegue viver sem carro. Tem gente que reclama, claro, mas ainda assim está a milhas dos transportes no Brasil (comparar com uma cidade como Joinville, então, beira a anedota). Outro hábito brasileiro que não funciona por estes lados. Você pode até comprar um carrão, mas ninguém vai ligar a mínima. É sério. Mas se tiver um carrão, pode pisar no acelerador que as estradas até que são boas.
7. E a coisa dos poderes. É claro que tudo tem defeitos, mas na Europa os defeitos são a exceção e não a norma. É só olhar para o Judiciário. Os juízes não são justiceiros. Os nossos procuradores não acusam por “convicções”. As pessoas conhecem os seus lugares e você não veria um juiz a ser sempre fotografado ao lado de políticos (sempre do mesmo partido), como acontece lá para as bandas de Curitiba. E acreditem: os nossos partidos de direita seriam acusados de ser “comunistas” no Brasil.
8. E olha só que coisa legal para a formação do inconsciente coletivo. Em Portugal – e acredito no resto da Europa – a sociedade não deixa surgirem excrescências como o MBL. Ninguém dá ouvidos a um energúmeno como Olavo de Carvalho. Ah... e Bolsonaro não se elegia nem síndico.
9. E o fator que muitos consideram o mais importante. Os portugueses prezam muito as suas condições de segurança. O país tem baixos índices de criminalidade. As pessoas vivem seguras. E a polícia (que por vezes comete erros) tende a ser eficiente. Aliás, tem uns caras no Brasil que defendem o uso de armas. Esqueçam isso. Para os portugueses ter armas é uma coisa que não faz sentido.
10. Enfim, Portugal está rotinado para valorizar o bem comum. Ah... e não posso deixar de perguntar: vocês sabem que o governo é formado pelo Partido Socialista, com sustentação parlamentar do Partido Comunista e Bloco de Esquerda? Triste, né? E parece que vai ser assim por mais dois anos. Então, tem uma boa solução para se adaptar: é só deixar de ser coxinha.
É a dança da chuva.
terça-feira, 28 de novembro de 2017
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
Cidades inteligentes não são feitas por gestões burras
POR JORDI CASTAN
De novo Joinville é citada como uma cidade inteligente. Poderíamos começar discutindo o conceito de cidades inteligentes (smart cities). E, a partir daí, tentar entender como uma cidade só patina pode ser considerada uma inteligente. Mas a conversa ia ficar enfadonha. Custa acreditar que Joinville possa ser considerada uma cidade inteligente e, caso seja mesmo a intenção, talvez seja mais indicada uma reflexão sobre o nível de indigência mental que anda por aí.Por causa do meu trabalho, passo muito tempo fora de Joinville e, apenas neste ano, visitei 14 capitais e mais de 50 cidades de médio e grande porte. Em todas elas tenho encontrado bons exemplos do que poderíamos fazer por aqui. Há centenas de boas ideias sendo postas em prática todos os dias em cidades de toda América latina, África e Europa.
A maior parte das ideias está direcionada a fazer as cidades mais eficientes, com gestão mais transparente e de forma a dar mais vez e voz ao cidadão. Eis um exemplo recente de um caso ocorrido em Guadalajara, no México. O sinaleiro do cruzamento, que fica em frente ao escritório, estragou. O meu colega pegou no celular, acessou o aplicativo da própria prefeitura e enviou a imagem do problema. Em menos de 30 minutos uma equipe estava resolvendo o problema.
Em Bucaramanga, na Colômbia, é possível postar fotos de buracos e denunciar problemas de acessibilidade de forma imediata, incluindo fotos e as coordenadas geográficas. Em Barcelona, a prefeitura coloca à disposição dos seus cidadãos todas as redes sociais para que possam perguntar, denunciar ou questionar. A internet permite que cada cidadão acompanhe o processo da sua denúncia, do seu alerta, do seu aviso. Permite que mais cidadãos contribuam e mantenham a informação atualizada, novas imagens mostram a situação e se ela esta ou não sendo resolvida. A rapidez de resposta é elogiada e a lentidão gera comentários e reprovação.
Aí lembro da Ouvidoria da Prefeitura Municipal de Joinville e de todas as queixas dos contribuintes: inoperância, da falta de transparência, dificuldade de poder fazer um seguimento adequado e respostas padrão que nada respondem. É evidente que a Ouvidoria esta aí mais para proteger o sistema do que para atender ao cidadão. Dedica mais tempo a justificar o injustificável do que a resolver de fato.
Lembro também que não interessa ao “status quo” que o contribuinte tenha acesso a sistemas mais transparentes e atuais. Ou seja, sistemas e aplicativos que evidenciariam facilmente o tempo de resposta, a resolução efetiva dos problemas, quantas vezes o mesmo problema se repete e tantas outras informações que serviriam para medir a eficiência da gestão municipal. Lembro ainda que essas medidas, que tanto interessam ao joinvilense, não interessam à administração municipal, que poderia ver quantificada e escancarada a sua inoperância.
Aí entendo por que não temos - e não teremos tão cedo - um ouvidor municipal que defenda os interesses e os direitos dos contribuintes. Porque não estamos preparados para ter um “ombudsman”. E, claro, por que estamos tão longe de ser uma cidade inteligente.
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
Queima, bruxa, queima. A caça às bruxas está de volta...
POR DOMINGOS MIRANDA
Há poucos dias o Brasil deu mais um passo rumo à barbárie. Quando a filósofa americana Judith Butler visitou São Paulo para coordenar seminário no Sesc Pompeia sobre o tema “Os fins da democracia” foi achincalhada por um grupo conservador que não aceita suas ideias. Ela foi uma das primeiras intelectuais a levantar a questão da ideologia de gênero, que está sendo muito muito criticada em todo o país.
Os manifestantes queimaram uma efígie de Butler como bruxa e defensora dos trans. Quando embarcava no aeroporto de Cumbica, nova agressão e desta vez não foi só verbal, mas também física. Outras mulheres tiveram que defendê-la.
Na semana passada a filósofa americana, reconhecida internacionalmente por abordar vários temas, não só sobre questão de gênero, afirmou que ficou horrorizada com a ação dos fanáticos em São Paulo. Em artigo que escreveu no jornal Folha de S. Paulo, Butler disse: “A tortura e o assassinato dessas mulheres por séculos como bruxas representaram um esforço para reprimir vozes dissidentes, aquelas que questionavam certos dogmas da religião”. Ela frisou que está bastante preocupada com as mulheres que ficaram no Brasil e são obrigadas a enfrentar este clima inquisitorial.
Judith Butler foi testemunha de um momento de retrocesso que vive nosso país, onde a exposição de certas ideias passou a ser sinônimo de risco. Lola Aronovich, escritora e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), é apenas um exemplo entre tantos. Ela está sofrendo ameaças de morte e de estupro simplesmente por ser feminista. Angela Luiza Bonacci, leitora da Folha de S. Paulo, escreveu no jornal: “É lamentável que em pleno século 21 as inquisições virtuais ainda promovam uma caça às bruxas”.
Na Idade Média, milhares de mulheres foram caçadas, torturadas e queimadas nas fogueiras por motivos banais. Com a Inquisição bastava que algum desafeto fizesse alguma denúncia para que a vítima passasse a ser considerada bruxa, com todas as consequências possíveis. Com as revoluções francesa e americana houve um grande avanço e os julgamentos seriam feitos através dos tribunais de justiça. A prática da tortura foi abolida, pelo menos legalmente.
Nas sociedades civilizadas qualquer ideia é debatida abertamente, sem maiores contratempos. Cada lado expõe o seu ponto de vista e as pessoas aceitam ou não o que foi colocado. O célebre filósofo francês Voltaire abordou com sabedoria o assunto: “Não concordo com nada do que dizes, mas lutarei até à morte pelo direito de expor o seu ponto de vista”. Eu sou contra a ideologia de gênero e escrevi, neste mesmo local, um artigo sobre o tema. Mas, de modo algum concordo com a selvageria que fizeram com Judith Butler.
Estamos seguindo um caminho perigoso onde o ódio vai sendo destilado por amplos setores, que vão desde os fascistas até mesmo seitas religiosas. Quando deixamos de lado nossos argumentos para usar agressões mostramos que prevaleceu a ignorância e não a sabedoria. Aquele instinto cruel das massas, guardado em um cantinho do cérebro, é como uma brasa adormecida, que com um sopro volta a ficar incandescente. Temos que tomar cuidado para que não surjam mártires queimadas nas ruas por causa da insensatez humana.
Há poucos dias o Brasil deu mais um passo rumo à barbárie. Quando a filósofa americana Judith Butler visitou São Paulo para coordenar seminário no Sesc Pompeia sobre o tema “Os fins da democracia” foi achincalhada por um grupo conservador que não aceita suas ideias. Ela foi uma das primeiras intelectuais a levantar a questão da ideologia de gênero, que está sendo muito muito criticada em todo o país.
Os manifestantes queimaram uma efígie de Butler como bruxa e defensora dos trans. Quando embarcava no aeroporto de Cumbica, nova agressão e desta vez não foi só verbal, mas também física. Outras mulheres tiveram que defendê-la.
Na semana passada a filósofa americana, reconhecida internacionalmente por abordar vários temas, não só sobre questão de gênero, afirmou que ficou horrorizada com a ação dos fanáticos em São Paulo. Em artigo que escreveu no jornal Folha de S. Paulo, Butler disse: “A tortura e o assassinato dessas mulheres por séculos como bruxas representaram um esforço para reprimir vozes dissidentes, aquelas que questionavam certos dogmas da religião”. Ela frisou que está bastante preocupada com as mulheres que ficaram no Brasil e são obrigadas a enfrentar este clima inquisitorial.
Judith Butler foi testemunha de um momento de retrocesso que vive nosso país, onde a exposição de certas ideias passou a ser sinônimo de risco. Lola Aronovich, escritora e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), é apenas um exemplo entre tantos. Ela está sofrendo ameaças de morte e de estupro simplesmente por ser feminista. Angela Luiza Bonacci, leitora da Folha de S. Paulo, escreveu no jornal: “É lamentável que em pleno século 21 as inquisições virtuais ainda promovam uma caça às bruxas”.
Na Idade Média, milhares de mulheres foram caçadas, torturadas e queimadas nas fogueiras por motivos banais. Com a Inquisição bastava que algum desafeto fizesse alguma denúncia para que a vítima passasse a ser considerada bruxa, com todas as consequências possíveis. Com as revoluções francesa e americana houve um grande avanço e os julgamentos seriam feitos através dos tribunais de justiça. A prática da tortura foi abolida, pelo menos legalmente.
Nas sociedades civilizadas qualquer ideia é debatida abertamente, sem maiores contratempos. Cada lado expõe o seu ponto de vista e as pessoas aceitam ou não o que foi colocado. O célebre filósofo francês Voltaire abordou com sabedoria o assunto: “Não concordo com nada do que dizes, mas lutarei até à morte pelo direito de expor o seu ponto de vista”. Eu sou contra a ideologia de gênero e escrevi, neste mesmo local, um artigo sobre o tema. Mas, de modo algum concordo com a selvageria que fizeram com Judith Butler.
Estamos seguindo um caminho perigoso onde o ódio vai sendo destilado por amplos setores, que vão desde os fascistas até mesmo seitas religiosas. Quando deixamos de lado nossos argumentos para usar agressões mostramos que prevaleceu a ignorância e não a sabedoria. Aquele instinto cruel das massas, guardado em um cantinho do cérebro, é como uma brasa adormecida, que com um sopro volta a ficar incandescente. Temos que tomar cuidado para que não surjam mártires queimadas nas ruas por causa da insensatez humana.
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
Uma mala não é crime, mas rende muitas charges
POR ET BARTHES
Hoje o tema é o homem de quem se fala no momento. Fernando Segóvia, o novo diretor-geral da Polícia Federal, para quem uma única mala de dinheiro não é prova suficiente para caracterizar um crime de corrupção. Ou, nas suas próprias palavras, “A gente acredita que, se fosse sob a égide da Polícia Federal, essa investigação teria de durar mais tempo porque uma única mala talvez não desse toda a materialidade criminosa que a gente necessitaria para resolver se havia ou não crime”.
A declaração não passou despercebida, em especial para os chargistas brasileiros, que produziram um vasto e divertido material e que recolhemos na internet. Os direitos autorais, claro, são dos autores que assinam os trabalhos.
terça-feira, 21 de novembro de 2017
Não é tempo de falar de aborto a sério?
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O Brasil tem sido pródigo em más notícias. Uma das mais recentes vem da ONU - Organização das Nações Unidas, que manifestou preocupação com o projeto de lei que propõe restringir ainda mais a já restritiva legislação brasileira sobre o aborto. O mundo civilizado ficou estarrecido diante da pretensão de proibir a interrupção da gravidez mesmo nos casos de abuso sexual, anencefalia do feto ou risco para a mulher.
Volto hoje ao tema porque muita gente acredita que é o momento de discutir a questão. O debate é positivo, claro, mas a coisa pode desandar. Falar de temas fraturantes exige um nível civilizacional que a maioria dos brasileiros, infelizmente, ainda não atingiu. Nestes tempos de “criptoteocracia”, em que religiosos ditam a agenda política, o país mergulhou numa espiral de obscurantismo e intolerância. É a discussão certa, mas numa hora difícil.
O debate tem que ser feito. O aborto é uma questão civilizacional, de costumes ou de consciência individual. Mas, sobretudo, é uma questão de saúde pública. Lembremos que, de acordo com a OMS – Organização Mundial da Saúde, todos os anos morrem 47 mil mulheres no mundo em consequência de abortos clandestinos. Eis a trágica ironia: as mesmas pessoas que assumem a “defesa da vida”, no caso dos fetos, fazem ouvidos moucos para o número de mortes de mulheres.
E volto a falar da experiência portuguesa, que conheço de maneira mais próxima. Em 2007, o aborto (chamado, de forma eufemística, de interrupção voluntária da gravidez) foi despenalizado. A partir daí o país resolveu um problema de saúde pública, evitando mortes e outros problemas provocados por abortos clandestinos. Hoje a ideia foi assimilada pela sociedade e tornou-se um não-assunto. Ah... e a boa notícia é que, ao contrário do que vaticinaram os moralistas religiosos, o país não foi destruído pela ira divina.
De volta ao Brasil. A ONU alerta para o fato de que o país se desviou dos compromissos internacionais no campo dos direitos humanos, como os direitos das mulheres e a igualdade de género. É um fato preocupante e que exige um amplo debate. Os brasileiros têm uma escolha a fazer: a aproximação aos países desenvolvidos (há muitos exemplos a seguir) ou o recuo civilizacional que o fará despencar para o nível das sociedades mais atrasadas. Em abstrato a escolha parece óbvia, mas...
Diálogo. Tolerância. Inteligência. Racionalidade. É disso que o país precisa neste momento.
É a dança da chuva.
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