sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Futebol , calcio, football: dos alambrados nas várzeas, aos torcedores de PS

POR EMERSON GONÇALVES
Sou da turma de 1975. Nasci aqui em Jaraguá do Sul e as primeiras lembranças da bola me remetem aos divertidos rachões nos enlameados campos de várzea do bairro Água Verde. Aliás, nome inspirado por ali estarem sediados os primeiros campinhos de bola próximos a áreas alagadiças com muito limo. Naquela época, por influência das rádios cariocas e paulistas, geralmente a piazada ou torcia para times do RJ ou SP e, nesses rachões, você se achava um Sócrates, um Emerson Leão, um Serginho Chulapa ou, quem sabe, um Dinamite. E  os metidos a craque eram Zico.

Meu falecido pai era santista; mas não teve jeito, os dois filhos escolheram ser palmeirenses, mesmo numa época em que o time vivia numa fila e conseguia perder campeonato paulista até para o Internacional de Limeira.

Sou da geração que achava o máximo assistir aos domingos na Band o campeonato italiano e ver por lá desfilarem os maiores craques da época e aprender a ter um segundo time pra torcer, dessa vez na Itália. Já adulto me peguei assistindo aos jogos do espanhol, que se tornou destino para os grandes craques do mundo todo.

Mais recente os torcedores dos times tupiniquins começaram a temer os chineses com suas cifras milionárias, arrancando os jogadores que mal e mal começam a se destacar nos certames regionais. Nos últimos dias, visto a transferência milionária redescobrimos o campeonato francês.

Mas confesso que o que mais me assusta, de repente, seja uma preocupação nostálgica e boba. É ver a geração do meu sobrinho, hoje com seis anos, torcer para o Barcelona, pois é o melhor time do Play Station, e nem sequer se interessar ou esboçar qualquer sentimento de apreço pelo time local do Varzeano, ou o nosso Grêmio Esportivo Juventus e muito menos pelos times nacionais.

Saudades da várzea, dos rachões com lama até o pescoço, da bola de borracha e das narrações em rádios em ondas curtas que as melhores jogadas ficavam por conta do nosso imaginário, pois bem nesses momentos o som do sinal da emissora era superado pelas interferências eletromagnéticas.




Emerson Gonçalves vive em Jaraguá do Sul, 
é reporter na Rádio RBN 94,3 FM
e torce pelo Palmeiras.

A corrupção na boca dos hipócritas

POR DOMINGOS MIRANDA
Atualmente a palavra corrupção é uma das  mais usadas pelos hipócritas. Geralmente falam dela, não com o intuito de erradicá-la, mas apenas para obter benefícios políticos ou pessoais com tal postura. O caso mais exemplar é o de Geddel Vieira Lima, que dava declarações a favor da moralização e foi pego com R$ 51 milhões de propinas em malas e caixas. Ao longo da história estes “bucaneiros” da política também levantaram denúncias sobre corrupção, depois comprovadas falsas, para destituir presidentes eleitos, tais como aconteceu com Getúlio Vargas, João Goulart e Dilma Rousseff.

O verdadeiro combatente pela moralidade na política age de forma desinteressada e, muitas vezes, o seu nome cai no esquecimento. Aqui, bem perto de nós, temos um exemplo eloquente, o de Crispim Mira, nascido em Joinville em 13 de setembro de 1880. Pouco se fala deste grande jornalista, advogado e escritor, autor de 14 livros, entre eles Terra Catharinense (obra elogiada por Monteiro Lobato), Os Alemães no Brasil e Acorda Brasil.

Crispim Mira iniciou a sua carreira jornalística em Joinville, aos 19 anos, como redator da Gazeta de Joinville e depois no Jornal do Povo. Em 1908 está trabalhando em Florianópolis, na Gazetha Catharinense, e no ano seguinte funda o jornal Folha de Commercio, onde inicia uma série de artigos falando do abandono do porto da capital. Dezessete anos mais tarde, outras denúncias sobre o porto, desta vez em seu novo jornal, Folha Nova, seriam o pivô de seu assassinato.
Crispim Mira

Em fevereiro de 1927, Mira dá detalhes de nepotismo, fraude e desvio de recursos públicos da Comissão de Melhoramentos dos Portos, órgão encarregado da manutenção dos portos. O diretor da instituição se sentiu ofendido e desafiou Crispim Mira para um duelo. Este foi lacônico e disse que sua arma seria a pena e colocou as páginas de seu jornal à disposição do ofendido para nela defender-se. No dia seguinte, 17 de fevereiro, Aécio Lopes, filho de Tito Lopez, também funcionário da Comissão de Melhoramentos dos Portos, na companhia de outras três pessoas, dirige-se à redação da Folha Nova e dispara dez tiros, um deles atinge Crispim Mira que deixava a redação junto com seu filho de 14 anos.

No dia 5 de março, o jornalista morre, aos 46 anos de idade. Cerca de 10 mil pessoas, numa cidade de 40 mil pessoas, participaram de seu enterro. Houve uma farsa no julgamento e os quatro acusados do crime foram absolvidos. O escritor Enéas Athanásio escreveu que a morte de Crispim Mira “é uma página negra na história catarinense, página que, embora amarga, não pode e não deve ser esquecida para que nunca mais se repita”.

Joinville, a terra natal deste herói, nunca deu o valor devido a este combatente. Em um momento em que tanto se fala em combater a corrupção, ninguém se lembra do exemplo de Crispim Mira, que deu sua vida em prol da moralidade pública. A casa onde ele morou, na rua Visconde de Taunay, hoje funciona uma pizzaria. Mas no local não existe nenhum marco identificando o nome de Mira.

Os hipócritas sempre levantam o nome de um juiz de Curitiba, ligado ao serviço de informações americano, como símbolo da luta pela moralidade pública. Mas nem sabem que o verdadeiro herói viveu na sua cidade e está esquecido. Assim é a nossa sociedade. Enquanto isso, a corrupção continua firme como nunca.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Cuidador


O que está acontecendo com o judiciário brasileiro?


POR CHARLES HENRIQUE VOOS
Nos últimos meses estou observando o sistema judiciário mais de perto. E é incrível como várias situações acontecem naquele poder que deveria ser a salvaguarda dos cidadãos brasileiros. Talvez por ser um âmbito muito distante do "povão" (ou ser conhecido por processar jornalistas que o questiona), quase nada é falado sobre esta casta praticamente intocável da sociedade. As "excelências" estão operando o direito de uma forma, no mínimo, constrangedora. É claro que nem todos são assim e existem exceções louváveis e dignas de respeito, como o caso do juiz João Marcos Buch, aqui mesmo de Joinville. Porém, são poucos.

De Gilmar Mendes, o todo poderoso ministro do Supremo Tribunal Federal e doutrinador constitucional nas faculdades de Direito, passando por Janot e chegando até o caso mais recente, promovido pelo juiz federal Waldemar Carvalho e que deixou toda a comunidade LGBTQ raivosa (com extrema razão), podemos perceber que o nosso judiciário não vai bem. Casamentos e relações escusas, encontros às escondidas atrás de engradados de cerveja, esposa com relações políticas estranhas, desconhecimento total do que é sociedade, e tantas outras coisas, torna-o um poder questionado, assim como já estamos cansados de fazer com o executivo e o legislativo.

Basta aprofundar um pouco a análise para entendermos como os ocupantes destes postos estão em posições diferenciadas e passam a agir como tal na convivência social. Não é raro encontrar pessoas que ganham acima do teto constitucional (em rápida pesquisa, encontrei juiz em Joinville ganhando R$ 60 mil por mês!) e possuem uma série de vantagens, como duas férias por ano, 14º salário, auxílio-moradia e tantas outras benesses extremamente distantes da maioria dos trabalhadores brasileiros. É impossível, sociologicamente falando, não relacionar a posição social adquirida por eles e sua atuação jurídica. Ou são membros de grupos abastados na sociedade antes mesmo de serem admitidos (considerando o enorme abismo na qualidade da educação brasileira), ou passam a ser após anos estudando. Na mesma linha, quem ganha vários milhares de reais por mês certamente irá absorver hábitos e relações de elites, frequentar lugares totalmente distantes da realidade social dos mais pobres e distorcer a sua visão crítica de mundo (que, por sinal, mal é incentivada nas faculdades de Direito) o que, invariavelmente, distorce também as suas ações. A neutralidade é um mito que precisa ser derrubado.

Rafael Braga: mais um exemplo.

Ocorre, então, que ao se assumir como elite, um membro do judiciário pode ter que julgar, acusar, ou defender algo que vai contra os seus princípios de classe. As redes sociais são muito mais complexas do que imaginamos, e alguns casamentos de filhos de megaempresários servem apenas para exacerbar isso que defendo. Quantos outros encontros em bares sujos ocorrem por aí e definem o destino de milhões de pessoas? Ou, ainda, uma conversa em particular no clube de golfe local? Sabe aquela vernissage que as elites locais frequentam (e que o MBL não se mete)? E aquele vizinho do seu condomínio fechado que também é do judiciário? E a inauguração daquele prédio do amigo construtor que também é réu na minha vara de justiça? Enfim, as relações são infinitas e ocorrem dentro da própria classe.

Ainda não tenho resposta completa para a pergunta inicial, justo porque pouca coisa se sabe dos nossos representantes no sistema judiciário e merece muita pesquisa detalhada. Posso afirmar com convicção (obrigado, Deltan!) que o descoberto desse labirinto, até agora, infelizmente não nos agrada. As exceções precisam virar regra. Não há como sustentarmos um dos poderes judiciários mais caros do planeta e tolerarmos decisões que desvendam a real intenção da justiça - literalmente. São casos que mostram que o problema está aí, mantendo os privilégios e estruturas desiguais da sociedade, mesmo quando eles deveriam prezar pelo contrário, sobretudo em tempos de crises.