quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Uma casa de loucos













 POR JORDI CASTAN
O Chuva Ácida por dentro é o mais parecido que eu conheço com uma casa de loucos. Loucos divertidos, mas loucos. Loucos de amarrar. E não estou a falar só dos meus companheiros de blog, aos que a Gabriela me ensinou a chamar carinhosamente de “molhados”, porque quem está na chuva é para se molhar. Os loucos mais loucos são os anônimos. É verdade que sem eles o blog não teria tanta graça. É verdade que são parte indissociável desta empreitada divertida que muitas vezes duvidei que chegasse a este ponto. Juntar gentes tão diversas, com pontos de vista e opiniões muitas vezes antagônicas, só é possível desde o respeito e a tolerância, algo que não é muito comum e faz cada dia mais falta.

Escrever semanalmente é o meu compromisso com o Chuva Ácida e com os leitores. Aliás, o Google me informou que dobrei o número de leitores passando de dois para quatro. E só isso justifica o tempo que dedicamos todos nos a fazer deste blog um espaço de liberdade e diversidade, o jardim do Éden do contraditório, uma oficina de democracia.

Escrever quer dizer se expor, tirar a roupa. Ser lido representa desvestir-se diante de desconhecidos e encontrar nos lugares menos esperados alguém que diz: leio seus textos no Chuva Ácida e no jornal. Quando o leitor ainda acrescenta: você diz o que eu gostaria de dizer, mas não sei escrever como você. Aí estou obrigado a lembrar que eu tampouco sei escrever, mas quando temos algo a dizer as palavras surgem.

Os cinco anos de Chuva Ácida representam muito mais que os mais de 250 postagens que tenho compartilhado com vocês cada semana. Cinco anos de Chuva Ácida são um processo constante de aprendizado e por isso lhes estou muito agradecido.

Acordo pra boi dormir













POR RAQUEL MIGLIORINI

A Conferência do Clima – COP21 – em Paris colocou como principal objetivo a garantia de que, ao menos 55 dos 197 países participantes, trabalhem para que o aquecimento da Terra não ultrapasse 2°C até 2100. Cada país se comprometeu a elaborar uma Lei Federal, transformando em obrigação o acordo firmado em Paris. Esse processo, chamado de ratificação, foi assinado pelo Sr. Michel Fora Temer nesta segunda, dia 12 de setembro.

Na prática, quer dizer que o país se comprometeu a cortar quase 45% de emissão dos gases poluentes liberados na atmosfera, em comparação com 2005. O primeiro, e mais importante passo, seria o reflorestamento de grandes áreas desmatadas e cessar o desmatamento de florestas brasileiras. O segundo seria o investimento financeiro pesado em países em desenvolvimento para ajudá-los a gerar crescimento econômico e social sem devastação de suas reservas naturais.

Pois bem. Durante a cerimônia de ratificação, o senhor Temer disse que “preservação do meio ambiente é política de Estado e deve estar presente no programa de todos os governos”. E ainda que “o nosso governo está preocupado com o futuro e tudo o que fazemos, hoje, não visa ao dia de amanhã, mas visa a um futuro que preserve as condições de vida dos brasileiros no meio ambiente e em todos os demais setores, mesmo aqueles referentes a economia nacional”.

Toda essa fala é muito bonita. Mas demagógica. Não fosse o ministro da Agricultura escolhido pelo vice-presidente o senhor Blairo Maggi, mais conhecido como “Rei da Soja”, responsável pelo desmatamento da Floresta Amazônica em proporções nunca vistas. Outro ministro, o Sarney Filho, disse estar convicto ser possível aliar crescimento econômico e preservação ambiental. Já para José Serra, o país deve fortalecer os investimentos no setor energético, florestal e agropecuário.

Fica fácil perceber que o vice e os três ministros não conversaram antes dos pronunciamentos porque o que cada um espera é incompatível em conjunto. Eles esperam um milagre, assim como os governantes anteriores? Aonde estão os estudos e as propostas para que ocorra o crescimento econômico com preservação ambiental?

Para termos uma pequena amostra do quanto os governos se preocupam com isso, basta uma rápida espiadela nos planos de governo dos candidatos a prefeitos nas médias e grandes cidades. As soluções apresentadas para o meio ambiente são arcaicas e sabemos que a maioria nunca sairá do papel.

Aqui em Joinville não é diferente: dos cinco planos que li, nenhum traz novidades. Tratam com pouca relevância as invasões e desmatamentos em áreas de proteção ambiental e usam como solução ambiental a ampliação da ETA Cubatão, para aumentar o consumo, sem falar da manutenção de matas ciliares e da diminuição de impermeabilização das áreas urbanas.

O meio ambiente pode ser aliado ao desenvolvimento sustentável desde que haja seriedade e estudos antes de construções e emissão de alvarás; uso de tecnologia de ponta e novas formas de pensar antigos problemas antes de implantações de fábricas poluentes. Estou chovendo no molhado? Talvez sim. Mas é inadmissível que a pauta de meio ambiente seja colocada como menos importante que Saúde, Educação e Segurança.

Se os governos, Federal e Municipal, estivessem realmente preocupados com o futuro, teríamos as melhores cabeças nas secretarias de Meio Ambiente e planos de gestão que nos encheriam de esperança. E não teríamos que prometer nada de dedos cruzados em Paris.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Vamos ser justos.


Independência, a palavra-chave









POR CLÓVIS GRUNER

Entre as décadas de 1960 e 80, quatro jornais circularam em Joinville: o já tradicional “A Notícia”, o “Jornal de Joinville” (parte dos “Diários Associados”, de Assis Chateaubriand, o famoso Chatô), o “Extra” e a “Folha Catarinense”. Três deles – “A Notícia”, “Extra” e “Folha Catarinense” – simultaneamente, entre fins dos anos de 1970 e início da década seguinte. Uma quantidade significativa para uma cidade que mal ultrapassara os 200 mil habitantes.

Curiosamente, ao crescimento da cidade nos anos subsequentes correspondeu não um aumento, mas o encolhimento do número de periódicos, e houve mesmo um período em que apenas “A Notícia” ostentava o título de “jornal 100% joinvilense”, antes de ser vendida ao grupo RBS e virar praticamente uma sucursal do Diário Catarinense. Aliás, esse é um dado interessante: mesmo que nos últimos anos outros títulos tenham aparecido, essa nova pluralidade comporta alguns problemas. 

O principal deles é justamente o caráter corporativo dessas novas publicações. Por serem braços impressos de grandes grupos de comunicação, tanto o repaginado “A Notícia” como seu mais recente concorrente, o “Notícias do Dia”, carecem de uma autonomia editorial, acredito, fundamental a um jornalismo que tenha por objetivo, além da informação, ser um instrumento que auxilie na formação de opinião do seu público leitor.

Há cinco anos o “Chuva Ácida” vem suprindo parte dessa lacuna, ciente de que “uma cidade moderna só pode ser considerada moderna se tiver uma mídia moderna. E a modernidade consiste na liberdade de opinião, na diversidade de ideias e no espaço para o contraditório.” Já são mais de 2.500 postagens e 1 milhão de visualizações e, acredito, esse objetivo permanece sendo o norte que orienta o blog: fazer da informação e da opinião uma ferramenta para a construção de uma cidade mais moderna, aberta e plural.

Nesses cinco anos o elenco de autores mudou, inúmeros convidados passaram pelo Chuva, que acompanhou e repercutiu eventos importantes para a cidade, tenham eles acontecidos ou não em Joinville. O que permanece é a vontade de independência, a autonomia e a convicção de que é preciso conectar Joinville ao mundo e o mundo a Joinville. Sigamos molhados por outros cinco anos. 

Udo versus Carlito: o que se passou com o PA do Vila Nova?



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O assunto parecia esquecido. Mas o ex-prefeito Carlito Merss, outra vez candidato à Prefeitura, abriu o baú das lembranças e reintroduziu o tema do PA do Vila Nova na agenda política. Num dos seus programas eleitorais, o petista diz que o terreno estava comprado e havia recursos do Governo Federal para iniciar a construção dessa unidade de saúde. Mas tudo mudou.

Carlito Merss aponta o dedo ao prefeito Udo Dohler, que interrompeu a execução do projeto e “devolveu o dinheiro” para o Ministério da Saúde. Em seu entender, a obra é necessária porque, entre outras coisas, o PA do Vila Nova permitiria diminuir a pressão sobre o hospital São José, que mostra sinais inequívocos de insuficiência. Diz  Carlito Merss:

“A verdade é que a atual administração disse que esse PA não era necessário. Ela simplesmente abriu mão e devolveu o dinheiro. Eles acharam que não era necessário e devolveram o dinheiro para Brasília. Todo mundo sabe que o São José vive superlotado. Não existe solução mágica, mas tem ações que vão diminuir esse problema. A construção do PA lá no Vila Nova atenderia a região de desafogaria um pouco o nosso São José”.

Pouco tempo depois, Udo Dohler divulgou uma nota nas redes sociais a esclarecer a opção pela não construção do PA do Vila Nova. Eis a explicação do atual prefeito:

- O Ministério da Saúde indica um PA a cada 200 mil habitantes;
- O Ministério da Saúde hoje subsidia apenas o PA Leste no município;
- Hoje Joinville possui três PAs, sendo que dois deles são custeados 100% pelo município;
- A obra orçada pelo governo Carlito havia previsto apenas os custos para a parte inicial da obra, desconsiderando os custos da totalidade da obra e sua manutenção;
- No local está em fase de finalização um novo projeto do Posto de Saúde Vila Nova II, que será o quinto da região.

A nota faz um esclarecimento formal. No entanto, não disfarça o fato de ser uma decisão economicista. É um terreno movediço para Udo Dohler. Afinal, as pessoas não olham para a própria saúde como quem está a olhar para números numa folha de Excel. No extremo, imaginem o prefeito numa fila a explicar aos doentes: “olha, eu não fiz a obra do Vila Nova porque os caras lá em Brasília dizem que um PA para cada 200 mil habitantes é suficiente”. Será que colava?

A explicação não cola para Antonia Grigol, secretária de Saúde na gestão de Carlitos Merss. Segundo ela, na época de análise do projeto a estimativa da população em Joinville para 2016 era de mais de 560 mil habitantes (o que se confirmou). E o dinheiro? “A primeira parcela foi depositada em 2012 com a finalidade de ajustes do terreno e projetos. À medida que o projeto fosse sendo concluído o MS ia liberando o dinheiro”, diz Antonia Grigol.

A decisão de Udo Dohler pode até ser entendida do ponto de vista da gestão de caixa da Prefeitura. Mas há custos políticos a contabilizar: nenhum prefeito é eleito para não fazer. Os eleitores têm dificuldade em conviver com expressões como “parar as obras” ou “devolver dinheiro”. A propósito, são notórios os comentários nas redes sociais sobre a imagem de “mãos limpas” usada na campanha. Muita gente diz que Udo Dohler é o prefeito que “não rouba, mas não faz”.

O que o eleitor espera de um eleito? Ora, a função de um prefeito é fazer acontecer. E correr atrás de recursos. Tentar, tentar, tentar. É uma fragilidade evidenciada no comunicado de Udo Dohler, porque passa a ideia de que desistiu mesmo antes de tentar fazer. Os eleitores olham os desistentes com desconfiança. E não podemos esquecer o timing. Falar na “finalização um novo projeto do posto de saúde” em tempos de eleições pode soar a banha da cobra.

Eis a questão política. O que o eleitor acha melhor: mãos limpas ou mãos à obra? 


É a dança da chuva.