domingo, 28 de junho de 2015

O que Udo ganharia por ouvir os joinvilenses?

POR GUSTAVO PEREIRA DA SILVA

O relato sobre a corrida ao continente da Antártida, no século XIX, traz ricas e importantes lições para os gestores públicos. Durante décadas a Academia Real da marinha inglesa ambicionou explorar o continente gélido, localizado na América do Sul. Para os britânicos nada mais importava que a glória da conquista e a superioridade, como sói acontecer em terras dos sambaquis.

Neste palco de disputas, dois personagens se destacaram na corrida a Antártida: o militar britânico Robert F. Scott, integrante da marinha inglesa, e o alpinista norueguês Roald Amundsen.

Scott seguiu o protocolo universal da burguesia e dos agentes econômicos integrantes da fina flor da sociedade inglesa: anunciou aos 4 ventos a expedição, presidiu coquetéis, eventos sociais e organizou convescotes e rapapés durante mais de um ano. O seu oponente, o alpinista Amundsen, ciente da grandiosidade do desafio, decidiu morar com os índios esquimós da Groelândia para entender seus costumes, cultura e modo de sobrevivência desta gente.

Enquanto Amundsen tomava lições milenares com os anciãos esquimós da Groelândia, o inglês Scott dava discursos regados a brandy na Academia Real Britânica, em busca de recursos de industriais, dos nobres e da realeza britânica para custear sua viagem à América do Sul. O objetivo era preparar navios com militares e equipamentos de primeira linha.

Contudo, foi Amundsen o primeiro a chegar e a sobreviver no continente inóspito da Antártida,  usando o conhecimento milenar dos esquimós. Quando o britânico Scott, acompanhado de toda pompa, chegou à Antártida, infelizmente teve o dissabor de vislumbrar a bandeira norueguesa fincada na planície gélida do continente. O desgosto foi tão grande que, depois de perder muitos membros de sua expedição, há registros que o inglês Scott morreu ali mesmo numa incursão vizinha no continente gélido, passados alguns dias.

Especialistas acreditam que os uniformes usados pelos britânicos causavam a sudorese em excesso e levaram os militares ingleses à morte por hipotermia. Por sua vez, o alpinista Amundsen usou o que aprendeu com os esquimós: um casaco de pele de foca e óleo de peixe sobre o corpo, criando um isolante térmico natural.

https://ssl.gstatic.com/ui/v1/icons/mail/images/cleardot.gifA história comprova que ouvir  o povo, o nativo, antes de tomada de decisões, é o melhor caminho. Se o nosso prefeito administrasse a cidade ouvindo a população ao invés de somente atender demandas e setores vinculados às tradicionais agremiações ligadas ao poder econômico da Manchester Catarinense, quem sabe Joinville continuaria sendo a primeira economia de SC e uma cidade racionalmente planejada de forma sustentável para os próximos 50 anos, com serviços públicos de qualidade.

Infelizmente a administração está próximo do volume morto e o decantado choque de gestão mais se assemelha às descargas elétricas em dias chuvosos de um futuro incerto.



Gustavo Pereira da Silva é advogado em Joinville e membro da Associação Viva O Bairro Santo Antônio.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

O blackface e o racismo naturalizado

O que é “naturalização”? Vamos dispensar o papo acadêmico e ir direto ao ponto. As duas fotos aí em baixo servem para explicar o conceito (com algumas limitações, claro). Estamos todos acostumados à imagem do Cristo da foto da esquerda. Um cara loiro, de olhos azuis e com ar pacífico. Só que os antropólogos dizem que Cristo é o cara da direita, de pele escura e até com um corte de cabelo duvidoso.

Quer dizer, a gente se habitua a uma determinada visão das coisas e então “naturaliza” essa percepção. Ou seja, fica a achar que o Cristo da esquerda é o cara certo e nega a existência do cara da direita, descrito pela antropologia (é apenas um exercício, claro). É um processo ideológico, no sentido em que Marx o descreve: como distorção. O Cristo é loiro e não se discute. A crença torna-se natural e a história não importa.

Tem gente que só leu o “Manifesto” e acha que entende Marx. Outros mentem que leram “O Capital” e também dizem que entendem. Mas o universo marxiano é muito rico e contempla inúmeras outras linhas de análise. Sob esse aspecto, quem nunca não leu “A Ideologia Alemã” vai uma percepção pouco consistente do pensamento do pensador alemão. É um livro que por estes dias devia ser leitura obrigatória em Joinville.

“Não têm história, não têm desenvolvimento; serão antes os homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”, diz o velho barbudo. Esta última frase é importante para falar no episódio do “blackface”.

Por que tanta gente não viu racismo no episódio? Porque o racismo está introjetado no inconsciente social ao ponto de não parecer pernicioso. É a cultura da cidade (a cultura-alma coletiva descrita por Félix Guattari) que induz a essa percepção. Quando uma pessoa não vê racismo numa atitude racista é porque a perspectiva racista foi naturalizada. É só ver os comentários nas redes sociais ou aqui no Chuva Ácida.

Aliás, quando uma pessoa diz não ser racista ela está a reproduzir um processo ideológico. Porque, a seguir o pressuposto de Marx, percebe-se que a vida concreta – na família, na escola, no trabalho e em outros dispositivos – induz ao racismo. Todos somos afetados por esse processo de subjetivação. A saída está em dois caminhos possíveis: há os que olham para a história e identificam a irracionalidade do racismo; outros ficam reféns de um ideário que naturaliza o preconceito.

Marx permite inferir que as origens do ideário racista estão na produção material das sociedades. Não é um achismo. É um fato histórico. O primeiro episódio racista de que há registro aconteceu no rio Nilo, no ano 2.000 a.C., quando foi afixada uma placa a proibir a passagem de negros, a não ser que fossem com objetivos comerciais. Não era a cor da pele em jogo, mas questões econômicas.

Se do ponto de vista genético não há diferenças de fundo entre europeus, africanos, australianos ou mongólicos (as características físicas são definidas pela adaptação ao meio) a realidade econômica ganha protagonismo. Sempre. É por isso que, do alto da escala social, muitas pessoas com sobrenomes cheios de consoantes não veem racismo e nem ofensa. Só que essa negação não passa de uma expressão do racismo naturalizado e inocentado.

É a dança da chuva.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Saúde não, descaso.











Peço escusas por retornar a este assunto, tornar-me enfadonho, maçante, humdrum, etc. Porém, devemos retomá-lo insistentemente, principalmente por ter sido tratado em campanha como um simples problema de gestão (geston) pelo atual prefeito.

O caso ocorrido na semana passada é emblemático para exemplificar o total descaso e a péssima gestão a saúde. Não estava lá, portanto divagarei, hipoteticamente e baseado nos fatos escritos, para discorrer sobre o assunto.

Tudo está errado, da reação exacerbada de paciente, assim como da enfermeira, até a presença de um único médico de plantão no dito PA, porque se havia mais algum a situação piora muito. Suponhamos que a demora de mais duas horas para o atendimento de uma pessoa, em uma sala de espera vazia, se devesse por uma grande emergência (cardíaca, por exemplo). Caberia aos atendentes informar a pessoa que ali esperava o ocorrido, que logo que resolvida a questão ela seria atendida. Não há a necessidade de maiores detalhes, só informações básicas da situação. Evitaria muitos dissabores, inquéritos e afins.


Torna-se irritante ficarmos sentados aguardando atendimento enquanto pessoas conversam alegremente, beira o desrespeito, o descaso.



Notem que nem considero que o doutor (?) em questão estava no repouso, que é seu direito, até porque é de 30 minutos a cada doze horas, se não me falha a memória, e não de duas horas.
Pior é querer justificar a situação investigando a vida da paciente para desqualificá-la, patético.

Está na lei que devemos respeitar os funcionários públicos, o que está correto. Porém, a recíproca também é verdadeira. Aliás, o respeito mútuo é primordial para a convivência pacífica. Tudo isto se deve a um problema básico, a péssima gestão, a falta de planejamento, até, em alguns casos, falta de profissionalismo, que, felizmente, não é genérico.

Assim caminha a mediocridade.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Caso de racismo em escola é o retrato de Joinville

POR FELIPE SILVEIRA

É exemplar a discussão sobre o recente caso de racismo que envolve um tradicional colégio em Joinville. A mesma instituição cujos clientes insistem em desrespeitar o corredor de ônibus, onde estacionam os carros nos horários de entrada e saída da escola, obrigando usuários do transporte público a esperar a classe média buscar as crianças na escola.

Os dois casos representam bem o conflito social, de classe, que ocorre na cidade. De um lado, a elite, a tradição, “a moral e os bons costumes”, aqueles acostumados a mandar e desmandar na cidade, sem se importar com o barulho feito pelos outros. Do outro lado, os debaixo, os oprimidos, aqueles que sempre sofreram as chicotadas, que venderam sua mão-de-obra para a indústria por uma mixaria, que sofrem apertados e de pé nos ônibus para chegar em casa depois de um dia extenuante de trabalho.

Quem sempre dominou não dá muito bola para as reclamações. Se começa a incomodar, manda calar. Se não incomoda, deixa falar. O caso do corredor de ônibus mostra como a reclamação dos trabalhadores e estudantes que usam o transporte público não incomoda. Por mais que se fale na internet e que apareça na TV, nada acontece. Claro, a cidade é governada por um legítimo representante da elite econômica local, que se recusa a fazer algo contra sujeitos de sua classe. Foi a elite, a tradição e o poder econômico, que escolheu seu representante para comandar a cidade. Esperar que ela faça algo contra ela mesma é inútil.

No caso de blackface há algo similar. Quando os imigrantes europeus chegaram aqui, escravos trabalharam para abrir estradas e construir casas para os recém-chegados. Com o tempo, o imigrante europeu dominou a cidade e expulsou o negro para a periferia. Dominou o centro e hoje faz chacota daquele que construiu sua casa, cuidou de suas crianças, limpou sua casa e fez sua comida.

Mas já chegou o tempo em que não vai mais ser possível ignorar. E muito menos mandar calar. O mundo está em ebulição, e é nas cidades, como em Joinville, que a coisa vai explodir. O movimento negro se organiza cada vez mais e não vai se calar. Os trabalhadores que dependem do transporte coletivo não vão desistir. As mulheres vão conquistar o respeito, o espaço e os direitos. Os lgbts vão exigir o respeito que merecem. Todos vão lutar e conquistar.

Não adianta ignorar e resistir não vai adiantar.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Blackface em Joinville


POR DIOGO CONCEIÇÃO

Mais uma vez temos nossas características ridicularizadas. Deformadas por grupos de pessoas brancas com o pensamento doentio de se divertir constrangendo a diferença do outro. Usando uma técnica antiga, de um racismo antigo, mas que ainda é incorporado por pessoas que não estão nem aí com o sofrimento alheio. Que contribuem para colocar mais um tijolo nessa construção histórica de estereótipos racistas. O caso a ser denunciado aconteceu nesse último sábado, dia 20 de junho de 2015, no Colégio dos Santos Anjos, onde uma professora se pintou e se fantasiou com uma caricatura difamatória de mulher negra. Causando risos e muitas fotos em redes sociais, como se estivessem diante de uma aberração. A ‘’Nega’’, como é chamada, é um retrato caricato de uma mulher negra, reforçando estereótipos criados pelo homem branco.

Técnica muito conhecida no mundo do teatro e do cinema como blackface, e que foi, durante muito tempo, utilizada, principalmente em países como os Estados Unidos para representar os negros, uma vez que os mesmos não tinham nenhum direito de ir e vir e, muito menos, de representar-se no teatro e no cinema. Essa ‘’caricatura” traz personagens altamente sexualizados, com linguajar esdrúxulo, ignorante e medíocre, tornando centro das atenções de maneira inconveniente e agressiva .

O que mais incomoda é a disseminação desse discurso de cunho racista sendo feito em um ambiente escolar, que se diz cristão, e que se orgulha dos seus valores serem a ética, a competência e a humanização. Mas que reproduz em seus funcionários sua visão de negros e negras diante de seus alunos numa confraternização. Escolas e professores não podem levar isso que alguns julgam como ‘’folclore’’ adiante. Incitando esse pensamento de que os negros são feitos para serem ridicularizados e usados pela sociedade. Tira-me o sono pensar que novas gerações estão tomando essa horrível e humilhante representação como verdade. Por terem professores despreparados para falar sobre o assunto.

Fica um questionamento para o Colégio dos Santos Anjos: quantos professores negros lecionam no colégio?

Talvez tenham zeladoras negras para limpar a sujeira. Seus alunos são, em grande maioria, brancos e de classe alta. Basta observarmos a entrada e saída das aulas. Podemos até observar com calma, uma vez que os pais dos alunos fazem questão de utilizar um corredor de ônibus – feito para toda a população da cidade – como estacionamento exclusivo para eles mesmos, mostrando seus carrões e ignorando os outros.

Será que após tudo isso eles conseguem ainda pensar nos outros? Será que estão mesmo seguindo os valores cristãos? O que será que Jesus Cristo falaria sobre isso?

Podemos imaginar.

Mas uma certeza nós temos: os alunos são bombardeados, por meio do seu fornecedor de conhecimento, sobre a imagem do negro. É por meio da representatividade, da visibilidade que criamos, construímos e propagamos os nossos pensamentos. Um espaço que deveria ser de desconstrução de preconceito e de promoção da igualdade e da humanização, vem desempenhando o papel contrário, com um ar elitista e conservador.

Como acabar com o racismo assim? Com personagens que generalizam e são chamados de “Nega’’? Como construir um mundo melhor propagando os mesmos pensamentos racistas, humilhantes e arrogantes nessas escolas em que serão formados os novos profissionais da nossa cidade, do nosso país?

Há forças sim que querem acabar com a verdadeira identidade do negro. Aquela que milhares de pessoas lutaram e lutam, diariamente, para mostrar aos cegos da Casa Grande que a história nos privou de sermos considerados humanos. Podem dizer, em resposta a tudo isso, que foi apenas uma “brincadeira” que faz parte do “folclore”.

Sim, faz parte do folclore mulheres negras serem vistas como corpos sem almas, jovens negros como diabos que já nascem para fabricar o mal e homens sem cultura, como nos conta Monteiro Lobato que, certamente, o colégio deve fazer uso das obras racistas do escritor sem ao menos fazer uma análise crítica.

Faz parte do folclore mundial tratar os negros como segunda classe, como sub-raça. Faz parte, também, a negação da responsabilidade e do compromisso com as consequências que cada uma dessas ações podem provocar.

O apedrejamento de alguém da Umbanda ou do Candomblé, o genocídio da juventude negra, o descaso com os mais pobres, os abusos cometidos no Haiti, a discriminação com os haitianos que vieram para o Brasil… A culpa sempre é do outro, o difícil é assumir a parcela de culpa ao vestir-se para humilhar a etnia negra e saber reconhecer que esse ato pode e incentiva atos maiores e mais violentos.

A violência não se faz apenas com armas. A violência se faz com palavras, gestos, ideologias e representações. E, nesse caso, a violência feriu muito mais ao sabermos que foi praticada por uma professora, pois valorizamos muito essa classe que deve contribuir para a formação, mas não para a desinformação.

Esperamos uma autocrítica do Colégio dos Santos Anjos. Aguardaremos, esperançosos, um pedido de desculpas. Esperançosos, pois, sobre o corredor de ônibus, o discurso apresentado foi totalmente diferente dos ensinamentos de Jesus. Pedimos também que o debate sobre esse tema seja mais frequente e que os devidos cuidados sejam tomados para que isso não volte a acontecer. Não precisamos de mais casas grandes. Precisamos de mais pessoas sentindo empatia e valorizando o ser e não o ter.

Queremos ser representados sim, mas por vários de nós, verdadeiros, com características e traços negros. Não aturamos mais chacotas e chibatadas morais. Temos leis que punem quem ainda não se faz consciente e não está acompanhando a mudança para um mundo mais justo e igualitário.

Ubuntu!