quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Notas soltas sobre o caso Charlie

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

> A primeira edição do Charlie Hebdo pós-massacre já está nas bancas. O primeiro número anunciado era de um milhão de exemplares, passou para três milhões e, no final, acabou em cinco milhões. E foram poucos. Logo pela manhã os franceses formaram filas para comprar um exemplar do semanário, que hoje tem edições em 16 línguas e mais de 25 países. Esgotou.

> A capa da edição de hoje (à esquerda) traz uma imagem de Maomé a falar em perdão, a dizer que é Charlie, mas com uma lágrima no canto do olho.

> Fontes do “Le Canard Enchaine”, o maior semanário satírico francês, com tiragem de cerca de 500 mil exemplares, disseram ter recebido ameaças terroristas, com a promessa: “agora é a vossa vez”. Mais ataques à liberdade de expressão.

> A direita europeia começa a sacudir a água do capote. Diz que a austeridade imposta ao velho continente nos últimos anos nada tem a ver com a gênese de terroristas como Charif e Said Kouachi. Será que não? De qualquer forma, a preocupação dos conservadores em desconstruir essa teoria é um bom indicativo do contrário.

> A austeridade resulta em desemprego, desigualdade e miséria. O clima de exclusão tem relação com a cooptação de jovens europeus pelos extremistas? Tem. Que tal este exemplo? Há alguns anos, antes de ser recebido por Nicolas Sarkozy, o terrorista Amedi Coulibaly (o do segundo atentado em Paris) disse à imprensa que, caso tivesse oportunidade, iria pedir um emprego ao então presidente francês.

> Por estranho que pareça, no Brasil há muita gente a demonizar a França. Deve ser coisa de gente que nunca pôs os pés na terra de Asterix. A sociedade francesa é uma das mais inclusivas do mundo. É claro que há islamofobia. Mas não é generalizada e atinge mais intensamente franjas situadas à direita. 

> A esquerda brasileira entrou numa espiral esquizofrênica. Refém de ideias monolíticas, não sabe como reagir aos fatos. Não raro há tentativas de relativizar o ataque terrorista ao semanário Charlie. Temos que aceitar todos os pontos de vista. O problema é que os argumentos por vezes roçam a infantilidade.

> Em Paris, na França, morreram 17 pessoas. Em Baga, na Nigéria, morreram 2 mil pessoas. Ora, são ambos casos deploráveis e cada um tem o seu simbolismo. Mas fazer – como muita gente tem feito – uma comparação contábil entre os casos, de forma a relativizar o massacre de Paris, é um caso de desonestidade intelectual.

> Gente que se diz marxista a pedir respeito pela religião do outro. Ora, o primeiro objeto de estudo do velho barbudo (então jovem) foi justamente a religião, que ele considerava o maior problema das sociedades.


> E, sim, há muita gente empenhada em moldar as sociedades pelo medo. E não é só na França.

É como diz o velho deitado: "je suis le vieil homme couché".


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Olá!


Joinville em Chamas

POR FELIPE SILVEIRA

Estava lendo "O Dicionário da Corte de Paulo Francis" dias atrás e me deparei com o verbete “Gene Hackman”, que Francis usa para dar um pitaco sobre o que muda o mundo. Ele comenta a atuação do ator no filme "Mississipi em Chamas", no qual Hackman interpreta um agente do FBI que investiga o assassinato de três ativistas por direitos civis nos EUA (história baseada em fatos reais, sendo que o filme recebeu críticas por supostamente enaltecer o trabalho do FBI, diferente do que aconteceu longe das telas).

Diz Francis: “Hackman olha e ri nos falando uma enciclopédia britânica sobre a natureza humana. Não se vangloria e nem tem ilusões. São pessoas assim que avançam as causas, poucas ainda em que acreditamos, e não ideólogos e idealistas. São céticas, cínicas e eficientes. Nossa única esperança, e Gene Hackman é emblemático de nossa condição”.

Bom, eu até acho que pessoas assim “avançam as causas”, uma aqui, outra ali. Porém, seria ridículo interpretar que o próprio Francis ignorava outros fatores. Ele estava, acredito, apenas sendo Paulo Francis.

Interesses de grupos poderosos, questões religiosas, pessoas obstinadas, líderes loucos, multidões nas ruas, acaso... O mundo muda com a mistura de tudo isso, constantemente.

Ao povo, no entanto, resta a rua. Se os economicamente poderosos discutem e articulam seus interesses em algum prédio da Hermann Lepper ou da Beira-rio, o povo escancara seus desejos de maneira muito mais honesta nas ruas.

Sem perseguição política via sistema judiciário, sem capangas infiltrados para arrumar confusão, sem polícia conivente, sem mídia que fecha os olhos para o debate, sem artimanhas tão comuns aos que sempre lucram.

O povo na rua tem sua voz, seus cartazes, suas faixas e mais recentemente algumas câmeras para registrar sua poesia e, se necessário, o abuso dos outros. Como policiais que retiram suas identificações dos uniformes em pleno exercício da função.

Mas é um erro pensar que basta ir às ruas uma ou duas vezes e esperar que a partir daí as coisas se resolvam. “De que adianta?”, sempre ouvimos. Adianta que tudo faz parte de um processo e que lutas se acumulam ao longo de anos até que comecem a surgir resultados.

Os movimentos pelo passe livre, pela tarifa zero, têm aproximadamente uma década de atuação constante. Em 2013 conseguiu barrar o aumento da passagem do transporte coletivo em várias cidades, além de puxar um gigantesco movimento que envolveu toda a sociedade brasileira e que gera as mais diversas interpretações e opiniões. Sofreu e sofre forte repressão.

Mas é preciso continuar nas ruas. Acumular. Algo que nem é preciso dizer para aqueles que sempre estão lá. Eles não parecem esmorecer. Nem sob ameaças, nem com processos. Não parecem desanimar. E certamente não vão desistir.

Mas é preciso dizer a outros. Aos articuladores e leitores do Chuva Ácida, aos professores, aos estudantes, aos jornalistas, aos servidores públicos, aos profissionais da saúde. Pessoas que sabem o que acontece, como eles e outros são explorados cotidianamente, mas que parecem não se importar.

Talvez elas queiram ser como o personagem interpretado por Gene Hackman, na visão de Francis. Querem ser o sujeito que faz a sua parte da melhor forma possível.

Sabemos que não é suficiente.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Joinville e o mar

POR JORDI CASTAN

Não falha. Ano após ano, no calor do verão voltam alguns temas, como cometas que seguem um curso regular e fixo: não faltam ao seu encontro com Joinville e com os titulares. Por citar alguns: o aumento da tarifa de ônibus, o calor sufocante e úmido, a ligação entre Joinville e São Francisco do Sul e por aí vai.

Permitam escolher, aproveitando o calor, a época do ano e o aumento da tarifa de onibus, para tratar neste espaço a importância da ligação, via barco, entre Joinville e São Francisco do Sul, este ano acrescida ainda da ligação entre Joinville e Itapoá.

Confesso que minha memória não é mais a mesma, mas pelas minhas contas a empresa que agora oferece esse serviço é a quarta. Não sei por quê, mas algo me diz que não durará muito além das "aguas de março, fechando o verão".

É bom lembrar que o governo do Estado, por tanto com recursos públicos, investiu na construção do terminal de passageiros no cais Conde d'Eu. E a construção esta lá, ainda em pé, para não nos deixar esquecer do investimento. Também foram destinados recursos públicos para a dragagem do Rio Cachoeira, com um detalhe importante: o material dragado não pode ser retirado do rio e a obra exigiria dragagens periódicas para manter a hidrovia navegável. Portanto, além do custo da dragagem serão necessários novos recursos periodicamente. Para atender a legislação brasileira foi necessário ainda investir na sinalização de toda a hidrovia, desde o terminal próximo ao mercado até à Lagoa de Saguaçu e há que incluir no custo o valor do projeto e a implantação de bóias e material de sinalização.

O serviço de transporte de passageiros pela Baía da Babitonga hoje é oferecido com saída do trapiche do Espinheiros, num percorrido mais curto e que naã utiliza nenhuma outra infraestrutura que o próprio trapiche.

Os horários e as freqüências do serviço público ainda não foram informados, porque dependem do quadro de marés. Não deixa de ser um fato curioso, porque tabelas de marés são disponibilizadas e amplamente divulgadas com no mínimo um ano de antecedência. Tanto assim é que a Defesa Civil informa, com tempo, os dias horários com maior risco de enchentes o alagamentos em Joinville - caso coincidam chuvas intensas com maré alta, a chamada maré de lua.

A impressão que fica é a de não haver demanda suficiente para que serviço seja rentável durante todos os meses do ano. E ainda que não há um compromisso de oferecer um serviço que atenda a demanda que venha a existir. E assim, sem certeza da oferta regular e confiável do serviço entre as dois cidades, há menos possibilidades que o serviço se firme e se consolide.






sábado, 10 de janeiro de 2015

Caviar e Moët & Chandon para todos



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Hoje vou fazer a minha homenagem a um pessoal injustiçado: a esquerda festiva (que alguns tolinhos chamam “caviar”). Aliás, quem acompanha o blog já viu que muitos leitores me acusam de ser dessa tal esquerda. Não sei se a intenção é chatear, mas não chateia. É um elogio, porque esse é o meu time.

- As pessoas têm que ter um lado. Eu tenho.

Ora, o meu lugar foi e sempre será onde está o pensamento humanista, que, não tenho dúvidas, só pode ser de esquerda. Mas, claro, não abro mão de um clima de festa. Porque a festa é uma espécie de “espanta-reaças”, essa gente muito triste e amargurada. Aliás, há uma lição que aprendi desde que li Marx, o Groucho.

- Eu bebo para que as pessoas fiquem interessantes.

Só há uma diferença. É que antes, nos tempos mais inflamados, eu bebia cerveja e hoje prefiro vinhos de qualidade. Sinal dos tempos. Ah... e eu sou daqueles socialistas que querem socializar a riqueza, ao contrário dos caras que andam por aí a socializar a pobreza. Os reaças me mandam para Cuba, mas eu vou mesmo é para a Noruega. Caviar... e champanhe.

- Desce um Moët & Chandon, companheiro. 

Quem é da minha geração sabe disso. A gente só podia ser da esquerda festiva. É que escapamos ao período mais duro dos anos de chumbo. Eu só me vi com idade para a política ativa quando a ditadura já estava a se esboroar. Então, com a milicada a deixar o poder e a abertura a chegar, tínhamos motivos de sobra para comemorar.

- Tem gente que ficou triste e ainda hoje está em luto pelo fim da ditadura.

Outra coisa. Cá entre nós, sempre achei meio chata a ideia de revolução armada. Não gosto de armas. Nunca dei um tiro na vida. E não sou chegado em violência. É por isso que prefiro fazer revoluções na mesa de bar (aqui em sentido figurado). Até porque a revolução das pessoas e das ideias também é essencial. E não há ambiente mais revolucionário do que uma mesa de bar, no sentido do que pretenderia Habermas.

- Ébrios do mundo, uni-vos!

Ah... e há injustiças que o mundo precisa corrigir. A maioria das pessoas parece não reconhecer, mas ser de esquerda é para lá de difícil. Vamos analisar: como é que um cara acaba aderindo ao ideário da esquerda? Ora, é preciso ler muito. Ler, ler, ler. E olhe que esses autores de esquerda escrevem feito loucos, com teorias cada vez mais complexas. O leitor precisa de resistência de maratonista.

- E você, caro reaça, quantos livros a sério já leu na vida?

Outra coisa chata é o estereótipo (que vem dos anos 60). Todo mundo vê os homens de esquerda como uns caras barbudos que não tomam banho, usam sacolas a tiracolo e boinas estranhas. E as mulheres são umas desgrenhadas, que não cuidam da aparência e não raspam os sovacos. Mas, no que me diz respeito, o fato é que as mulheres de esquerda são muito interessantes. Porque elas também se cuidam e, principalmente, têm o que dizer.

- E bom ter o que falar depois do sexo, nenão?

Outro troço engraçado é ser chamado de radical. Não me importo. Mas a palavra foi deturpada pela direita. Ser radical é ir à raiz dos problemas (o que é bom), mas alguém fez acreditar que os radicais são um monte de gente de turbante pronta a explodir tudo. Até houve um tempo em que éramos “xiitas”. O leitor lembra? Aliás, já perdi o bonde: hoje em dia os xiitas são bons ou maus? Antes, quando Saddam Hussein era amigo, os xiitas eram bandidões ferozes. Mas depois da queda e do cadafalso para o ditador, eles voltaram a ser pessoas simpáticas? Os maus são os sunitas? Ah... a história.

- Talibã bom é talibã morto?

E por fim, faz três anos que somos perseguidos pelos anônimos aqui do blog. Os coitados não sabem fazer um zero com o fundo de uma garrafa, mas estão sempre prontinhos para iniciar o xingamento? Com tanta pressão, preconceito e perseguição, eu fico estressado e bem que mereço uma festinha para compensar.

- Um brinde a la revolución... tchim tchim.


É como diz o velho deitado: “Liberdade, igualdade, fraternidade - caviar e Moët & Chandon para todos”.