POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Gente, todas as semanas deveriam ser como esta, com um
feriado na quarta-feira. É que além do descanso a gente acaba por ter duas sextas-feiras. É tempo para
o relax, para o dolce far niente e para manter
o cérebro a vadiar. Mas cabeça vazia é a oficina do diabo. E foi São Jerônimo quem avisou, por outras palavras:
- - Trabalha em algo, para que o diabo te encontre
sempre ocupado.
Em resumo, o santo mandou um tremendo "vai trabalhar, vagabundo". Mas tem uma coisa chata nessa história. Se você acredita que o trabalho realmente dignifica o homem, então a expressão “arbeit macht frei” (o trabalho liberta) deve
soar como música para os seus ouvidos. O problema é que, por uma triste ironia,
esta frase estava escrita no portão do campo de concentração de Auschwitz. É
uma metáfora a ter em conta nos dias de hoje.
UMA INVENÇÃO DO DEMO - Não tenho dúvidas, caro leitor, de que o trabalho
foi uma invenção do demo, o coisa-ruim. Afinal, todo mundo sabe
que no paraíso ninguém trabalhava (é por essa razão que o lugar se chamava
paraíso). Só depois de Adão e Eva terem sido apanhados no rala-e-rola é que surgiu
aquela coisa de "comerás o pão com o suor do teu
rosto". Quer dizer, o trabalho foi um castigo imposto ao homem e à
mulher por eles terem caído na gandaia.
Aliás, as palavras trabalho (português), trabajo
(espanhol) e travail (francês), por exemplo, vêm todas do latim tripallium, que era um instrumento de
tortura na Idade Média. Está tudo dito: é uma punição. E o castigo é passarmos
8, 9, 10 ou até mais horas enfiados em ambientes sacais, na companhia de
pessoas que não aturamos, a fazer coisas que não gostamos e a ganhar salários
que nunca chegam para o que precisamos.
MENOS EM JOINVILLE - Todos sabemos que o trabalho é aquela coisa
chata que acontece no meio da diversão. É assim em todos os lugares. Menos em Joinville, claro. Porque quem
mora na cidade acaba por se sentir dentro de um livro do Max Weber. O espírito
do capitalismo e a “ética” do chão de fábrica são coisas sagradas para os
joinvilenses. É o culto do trabalho.
Bem... a esta hora imagino que haja leitores a
torcer o nariz e a me chamar de vagabundo (certo, mas sou um vagabundo que
trabalha muito). E não deixa de ser divertido que as pessoas nunca questionem a
validade do trabalho, que em outros momentos da história já foi visto como uma
maldição, uma vergonha. É só lembrar que os nobres, antes da queda do
feudalismo, tinham pavor a pegar no duro.
Há umas curiosidades divertidas. O leitor e a leitora sabem, por exemplo, de onde surgiu
aquele hábito dos ricos, que esticavam o dedo mindinho sempre que seguravam uma
xícara? A coisa vem dos tempos feudais e era um forma que os nobres tinham para mostrar que eram diferentes dos trabalhadores. Por
terem as mãos grossas e calejadas do trabalho, os coitados não conseguiam esticar o tal
dedinho. Viu? Cabo de enxada também é cultura.
UM DEFUNTO
NA SOCIEDADE - Para que o leitor não fique aí a imprecar contra
a minha pessoa, não sou eu a questionar o trabalho. E apresento aqui um excerto
de um texto de Paul Lafargue, genro de Karl Marx (por sinal, o velho barbudo
errou, porque achava que a emancipação do homem viria justo pelo trabalho):
- Uma
estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a
civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e
sociais que há dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor
ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho.
Aliás, Lafargue relembra que o trabalho foi um
castigo de Deus, com aquela coisa do “suor do teu rosto”. Não concorda? Pois
fique a saber que há opiniões piores. E atuais. O Grupo Krisis, por exemplo,
diz que o trabalho é um defunto que domina a sociedade.
-
A produção de riqueza desvincula-se cada vez mais, na sequência da
revolução microeletrônica, do uso de força de trabalho humano - numa escala que
há poucas décadas só poderia ser imaginada como ficção científica. Ninguém
poderá afirmar seriamente que este processo pode ser travado ou, até mesmo,
invertido. A venda da mercadoria “força de trabalho” será no século XXI tão
promissora quanto a venda de carruagens de correio no século XX.
Imagino que muita gente nunca tenha pensado nisso. Mas o trabalho, como o entendemos hoje, logo vai ser apenas uma memória. Quem viver...