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domingo, 25 de dezembro de 2011

O futebol e a praga dos ratos


POR NICO DOUAT

O futebol é um esporte fascinante. Ao mesmotempo polêmico e, possivelmente, o mais popular do mundo.

A Copa do Mundo de futebol é a únicacompetição global que rivaliza com as olimpíadas. Só uma Copa do Mundo defutebol é capaz de integrar, de forma civilizada e competitiva, em torno de umsó esporte, em um mesmo ambiente de competição de duro confronto físico, um semnúmero de países de culturas e condições de desenvolvimento totalmentediferentes, não raro beligerantes. No futebol, a despeito de conflitosculturais, religiosos, ideológicos ou econômicos, essa integração se dá de maneira natural,pacífica e surpreendentemente disciplinada.

O esporte, de forma geral, é catalisador desentimentos conflitantes que vão da paixão ao ódio, da honra à frustração, doorgulho à vergonha, todos nos seus limites e vividos quase ao mesmo tempo. Édas poucas atividades humanas que mostram, de forma didática, as conseqüênciasdas escolhas pessoais. A necessidade de uma conduta rígida seja amador ouprofissional, o sacrifício e a renúncia pessoais, a obediência às regras,a importância do planejamento, da disciplina, da boa liderança, do espírito deequipe, da integridade, do respeito, enfim, de todas as experiências que formama base moral e ética de qualquer sociedade desenvolvida.

O futebol é polêmico justamente peladubiedade de algumas das suas regras.
Por isso reina, ainda, como um dos poucos, ouo único esporte de massa profissionalizado e globalizado que admite o erro,evidente e comprovado, como causa direta de um resultado.

O exemplo clássico disso é a regra deimpedimento que por sua relação direta com a perspectiva se torna quaseimpossível de ser aplicada de forma correta. Exatamente por isso abre uma imensapossibilidade para a dúvida, para a injustiça e, não raro, para a malandragem. Assim,a despeito de já existirem todos os meios tecnológicos disponíveis paraevitá-lo, seja por má fé, seja pela dificuldade de percebê-lo corretamente, umárbitro tem grandes chances de prejudicar uma equipe que investiu e preparou-sepor meses, quando não, anos, seja para um torneio regional seja para uma Copado Mundo.

A paixão pode até admitir isso, mas,certamente, o profissionalismo e a integridade não, ou pelo menos, não mais. Osapaixonados haverão de condenar-me pela ousadia, os conservadores pelodesrespeito à tradição, mas firmo a minha opinião de que há cada vez menosespaços para a dúvida, a rapinagem, a resignação, a indulgência, em um ambienteem que o profissionalismo, a competitividade e os custos, pessoal, profissionale financeiro, exigem o máximo de imparcialidade e retidão no comportamento e norespeito às regras.

O Brasil é um caso único. Todo brasileiro queaprende a falar, começa com três palavras: “mamãe”, “papai” e, quase com certeza,o nome do time de futebol do “papai”.

A Copa do Mundo, se é, por si, um eventomundial contagiante, para o Brasil é um momento mágico. De quatro em quatroanos partilhamos um genuíno sentimento patriótico e de união cívica poucas vezesvistos em torno da seleção de futebol que vai nos representar na Copa do Mundo. Em nome disso, deixamos de lado qualquerpreferência pessoal, digamos, “ideólogo-futebolística” e passamos a sersimplesmente brasileiros unidos por uma causa: A vitória da seleção brasileira.

Somos radicais defensores do nosso time docoração, no dia a dia, mas acompanhamos atentamente, durante quatro anos, ascarreiras de todos aqueles que poderão fazer parte da nossa seleção de futebol,pouco importando o clube defendam.

Conhecemos em detalhes toda a história danossa seleção, qualquer evento, por mais inexpressivo, mas que possa a vircontribuir, eventualmente, para ameaçar o orgulho de sermos considerados osmelhores. Procuramos nos informar profundamente da história de tudo, times,treinadores, escalações, momentos históricos, e os reverenciamos com respeito. Cadajogador, o treinador, os seus históricos profissionais, são conhecidos,estudados e discutidos em detalhes.

O brasileiro é implacável quando se trata deexigir qualidade, dedicação e seriedade da sua seleção de futebol. Exige omelhor, sem qualquer condescendência. Exige quase o impossível, mas sabereconhecer os méritos do possível. Por conta disso, transforma em vilão o heróido jogo anterior, se perceber qualquer sinal de esmorecimento, inabilidade,mesmo por motivo justificável. Só admite a vitória. Não admite jogador “médio”na seleção; tem que ser “o melhor” entre os melhores da posição.

Não é por pouco que a figura públicabrasileira mais reverenciada, no Brasil e no exterior, em todos os tempos, éjustamente Pelé. Polêmico, criticado, por suas declarações, mas é definitivamenteuma unanimidade quando se trata do reconhecimento do exemplo da sua habilidade,conduta técnica e profissional.

A justificar parte do título deste ensaio, edepois da decepção vivida na Copa de 2010 e da provável confusão que será a de2014, guardo uma frase do professor José Arthur Gianotti, filósofo e ProfessorEmérito da USP, que usou uma metáfora para descrever o deprimente espetáculopolítico brasileiro: “Toda cidade tem ratos. Mas os sanitaristasdizem que, quando os ratos começam a ser vistos, é porque aumentaram em númerode tal maneira que há perigo para a saúde pública. Corrupção em governo existedesde a Grécia. Corrupção na Igreja, desde São Pedro. Ou seja, o problema não énovo. Mas o tamanho da corrupção altera suas formas. O que estamos vendo hoje éque ela chegou junto do coração do sistema. E sabepor quê? Porque o sistema foi ético, por absurdo que possa parecer. Os mafiososencontraram a porta aberta, invadiram a casa dos puros e ainda se cobriram como manto da ética...”

Fico pensando como seria maravilhoso se otorcedor brasileiro transferisse, pelo menos uma parte desse sentimento cívicoem relação à seleção brasileira de futebol para a tarefa de “desratizar” os nossostrês poderes.

Seria ótimo se o implacável torcedorbrasileiro usasse o mesmo interesse, o mesmo rigor crítico, o mesmo cuidado, amesma convicção que usa como torcedor da sua seleção na tarefa de eleger quemvai representá-lo em todos os níveis de governo pelos próximos quatro anos.

Teríamos, certamente, muito mais a comemorar.