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segunda-feira, 24 de abril de 2017

O gestor partido ao meio

POR JORDI CASTAN
Italo Calvino é o autor da trilogia “O Barão nas Árvores”, “O Cavaleiro Inexistente” e “O Visconde Partido ao Meio”. São três historias divertidas e enriquecedoras que recomendo ler mais de uma vez. Difícil escolher uma das três, porque cada uma traz uma provocação. Gostei e recomendo “O Visconde Partido ao Meio”. É a história de um nobre que, no fragor de uma batalha contra os turcos, é partido ao meio por uma bala de canhão. E cada uma das duas metades segue tendo vida própria.


O livro é a historia de cada uma destas metades e do seu encontro. Na história, cada uma das metades carrega uma parte do visconde Medardo de Terralba. Numa, a sua bondade, raiando a estultícia; na outra, a maldade mais perversa. O livro relata a luta eterna entre o bem e o mal. Não é o meu objetivo fazer uma resenha do livro. Proponho fazer outra leitura, mas trocando o bem e o mal pela disputa imemorial entre a inteligência e a inépcia.

Desnecessário dizer que esta é uma luta desigual. Que já conhecemos o resultado e que lamentavelmente não há final feliz. Que o mocinho não vence e que a inépcia reina opípara nestas terras. Imaginemos, por um momento, que resultado de um acidente qualquer um suposto gestor - um piano a cair-lhe na cabeça, por exemplo - o dividisse ao meio, em duas metades idênticas. Numa, toda a inteligência. Noutra, toda a inépcia.


Imaginemos ainda que cada uma das metades tivesse vida e vontade própria. E que a metade tomada pela inépcia decidisse se candidatar a qualquer coisa. Suponhamos, para efeito de ficção, que optasse por ser candidato a prefeito da sua vila e que fosse eleito. A situação que os seus concidadãos enfrentariam a partir do dia seguinte à posse seria ter o suprassumo da inépcia à frente dos destinos da cidade. Ou seja, sem o mínimo de inteligência para se contrapor.

Ou seja, a cidade estaria sujeita a um prefeito inepto, que multiplicaria sua inépcia e a da sua gestão, se rodeando de outras pessoas tão ineptas quanto ele. Gente sem um pingo de bom senso e no estado mais embrionário da inteligência e do conhecimento. A vila iria cada dia mergulhando numa situação mais caótica e insustentável.

Esta situação extrema conduziria fatalmente ao crescimento do índice de necedade em todas as repartições e órgãos públicos. O inepto buscaria a companhia e o referendo dos seus iguais. A inteligência seria uma ameaça nessa terra de néscios. E seria banida, vista com um perigo. Imaginariam os seus concidadãos que exista outra metade vagando a esmo pelas ruelas da vila. Ficaria como última esperança, aos seus decepcionados eleitores, a ilusão que outro acidente fortuito juntasse um dia a duas metades. 

Não há um final feliz nesta história. Primeiro porque não está claro que exista de fato outra metade e que esta metade reúna toda a inteligência, conhecimento e sabedoria que falta à metade que foi eleita e governa a vila. Há, inclusive, quem acredite que não estaríamos frente a uma metade, senão que isso seria o todo e que a alegada inteligência nunca tenha existido. Que tenha simplesmente sido o resultado de uma campanha publicitária bem orquestrada, ou que seja um caso de hipnotismo ou até de alienação coletiva.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O honesto é o desonesto


POR JORDI CASTAN

Nem os honestos são tão honestos, nem os maus são tão malvados.

Toma corpo nesta antessala da campanha eleitoral a disputa entre dois modelos de candidatos. Numa abordagem simplista, quase estulta, busca-se reduzir o debate sobre a eleição do próximo prefeito a uma falsa dicotomia, com os pré-candidatos divididos em dois grupos: o dos honestos que não fazem e o dos desonestos que fazem.


A lógica apresentada pelos defensores de uma e outra corrente é capenga. Porque deveriam ser incluídos os honestos que fazem (na suposição de que haja algum) e os desonestos que tampouco fazem (parece que também os há). Só considerando as quatro alternativas o jogo estaria completo.

O curioso é que, entre os defensores dos honestos que não fazem, há o reconhecimento explícito de que o seu candidato não fez, fez pouco ou ainda fez menos do que se esperava. Mas que sua maior virtude é a honestidade. A prova é que mora ainda no mesmo apartamento, num conjunto habitacional classe média baixa, mesmo depois de mais de 20 anos de vida política. Não quero entrar no mérito de debater isso aqui. Se morar no mesmo apartamento depois de 20 anos é um indicador de honestidade ou de falta de capacidade de progredir e economizar. Ou se as suas economias foram dirigidas a outros investimentos.

Os defensores dos que enriqueceram em pouco tempo até concordam que o seu candidato pode não ser um modelo de honestidade. Na realidade, é voz corrente que chegou com pouco mais que a roupa do corpo e que hoje amealhou um patrimônio significativo para quem só trabalhou no serviço público. Construiu a imagem que fez mais obras que nenhum outro prefeito. Consolidando a lógica perversa de que é um bom candidato porque, mesmo eventualmente não sendo um modelo de virtude, é um político que faz.

O escritor italiano Italo Calvino publicou, em 1952, o  livro “Il Visconte Dimezzato”, publicado no Brasil com o título de “O Visconde Partido ao Meio”. Com a fantasia e a ironia característicos, Italo Calvino relata as aventuras de Medardo di Terralba que, no fragor de uma batalha contra os turcos em Bohemia, foi dividido em duas metades por uma bala de canhão. Numa ficou toda a sua bondade e na outra toda a sua maldade.


Entendia Calvino que os seres humanos têm dentro de si, ao mesmo tempo, o bem e o mal, lutando na busca do permanente equilíbrio. Já no primeiro capítulo resolveu uma parte da dicotomia. Ninguém é absolutamente honesto ou totalmente desonesto. Os mafiosos mais truculentos têm o seu código de conduta e o respeitam. Eles são, ao seu modo, honestos com os seus companheiros. As pessoas mais bondosas são capazes de infringir grandes males, em quanto acreditam estar fazendo o bem.

Sobre como resolver a falsa dicotomia e escolher entre o candidato do bem e o do mal, gostaria de recomendar a leitura do livro, porque ele encerra a chave para a resposta. Uma dica: é que as coisas nunca são o que parecem ser, nem os honestos são tão honestos, nem os maus são tão malvados.