domingo, 29 de julho de 2018

Clóvis Gruner e o meu “whataboutism” (a tréplica)

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Ueba. Temos tréplica. Para entender a zaragata, recomendo que leia o meu texto (aqui) e a replica do Clóvis Gruner (aqui), publicados no Chuva Ácida... (tempo de espera)... Já leu? Ok… não ia responder, mas parece haver inúmeros equívocos em relação à minha posição e acho útil esclarecer. Então vamos lá. E, como diria Jack - The Stripper, vamos por partes (se me permitem, vou usar bullets – gráficas, não balas de revólver).

- Em primeiro lugar, parece que o Clóvis Gruner não me toma por interlocutor a sério (atenção: não há desavença, porque somos amigos há mais de três décadas)O resultado é que o meu “oponente” me acusa de estar rendido ao “whataboutism”. O quê? É a forma que os ingleses e norte-americanos encontraram para definir um fenômeno muito comum na internet. A pessoa tenta criar uma balança na discussão. Coisa do tipo: “Você fala na Nicarágua. Por que não fala de Moçambique?”. Ou seja, em vez de discutir o assunto proposto, desvia para uma discussão sobre outro tema. What about “x”? Ok... mas eu não seria tão básico.

- Outra afirmação de Clóvis Gruner, ainda no plano do whataboutism, acaba num erro rotundo. Ele diz que a minha proposta era trocar uma discussão sobre a Nicarágua e Venezuela por uma discussão sobre Moçambique. Nem de longe. A minha questão era apenas exemplificar que há outros temas para debater, para além daquele que a mídia brasileira impõe. Por que não discutir o Paraguai? Ou a Argentina. Ou o Peru? Ora, por que a mídia brasileira não tem interesse nessa agenda. Mas que só serão temas se não estivermos condicionados pela mídia mainstream (que no Brasil está a serviço da direita).

- Clóvis Gruner fez um exercício de dedução - baseado numa lógica correta, diga-se - para explicar o surgimento de Moçambique na conversa. “Talvez o fato do país ter sido colônia portuguesa até meados dos anos de 1970”, escreveu. Mas errou. A escolha de Moçambique foi apenas porque tinha sido um dos temas da reunião da CPLP, acontecida nessa altura e que, por sinal, teve a participação de Michel Temer. Imagino que a mídia brasileira tenha feito ouvidos moucos para o assunto. Nem mesmo o fato de os Estados-membros da CPLP terem aprovado oito observadores associados, entre eles países como Reino Unido e França (o que também pediria uma reflexão) parece comover a imprensa nacional. 

- Eis um fato. Clóvis Gruner tem essa tendência de estar sempre a pedir reflexões à esquerda (uma certa esquerda que não lhe desce pelo gargumilho). E é aí que os nossos caminhos se separam. Defendo a autocrítica como processo natural. Mas não a autoflagelação. Do meu ponto de vista é mais útil ir à jugular da direita. Por que não cobrar reflexões à direita? Entendo que o papel do intelectual – e não estou a citar o Clóvis – não é jogar para a torcida, mas mostrar os tomates no lugar e não se render aos ditames da mídia. Tenho repetido que não me sinto capaz de debater sobre a Venezuela, por exemplo, sem estar de posse de todos os dados. E pouca gente – ou ninguém – tem todos os dados. Temos versões. E superstições (ainda mais no Brasil). A título de comentário, tomei o lema de Karl Marx como inspiração: “de omnibus dubitandum”. Duvidar de tudo. 

- Estranhas coincidências. Neste exato dia ressurge o exemplo de um intelectual que não joga para a torcida. Faz um ano que publiquei um post no Facebook a falar de Boaventura Sousa Santos. Escrevi: “Maduro cometeu uma série de erros na Venezuela. Mas quem acompanha a imprensa internacional - em especial a portuguesa - percebe que há um massacre midiático. A questão nunca tem dois lados, é sempre o lado da oposição a prevalecer. Aí aparece o Boaventura e escreve um texto chamado ‘Em Defesa da Venezuela’. Ora, ‘defender’ a Venezuela, num momento em que a mídia é muito hostil, soa a heresia. Mas também mostra um intelectual com os tomates no lugar”. O nome do texto era “Em Defesa da Venezuela” (aqui). Sim... é uma questão de tomates. O texto de Boaventura Sousa Santos é aquele que separa os homens dos meninos do coro.

- A diferença de opiniões é compreensível. O Clóvis Gruner é professor na área de História e eu de Comunicação. É natural que o meu objeto seja a mídia e ele tente percorrer outro caminho. Mas há um lugar onde os dois campos acabam por se tocar: é que em termos de política internacional o Brasil vive um claro isolamento. E a mídia – que, recordemos, media as relações das pessoas com os fatos – tem um papel muito relevante nesse apagamento. E vou mais longe. É muito improvável entender a história destes dias sem refletir sobre a história da mídia.

Enfim, não é whataboutism

3 comentários:

  1. Bom, você não precisa seguir uma tal “mídia tendenciosa” para saber o que se passa na Venezuela, basta seguir a Anistia Internacional e constatar que, pelo menos, meio milhão de venezuelanos oficialmente deixaram o país, 127 mil entraram (oficialmente) no Brasil. Há relatos de fome e violência do Estado vindos dos próprios venezuelanos, e só porque a tal “mídia tendenciosas” publica os dados da AN e os testemunhos, somados aos dados históricos de governos ditatoriais, não difícil unir lé com cré e tomar uma posição de coerência e bom senso.

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    1. 1. Então contao que diz a Anistia Internacional. Mas sobre toda a América Latina, porque as preocupações vão muito além da Venezuela. O que diz sobre a corrupção no Brasil, os desaparecidos no México, os homicídios de ambientalistas e a crise na Nicarágua. 2. Sobre os venezuelanos que entraram no Brasil, sabes a diferença entre refugiados e migrantes econômicos, certo? 3. E seguindo a tua linha de raciocínio, como devo entender os 81.251 que vieram viver em Portugal (oficialmente, porque são mais e a cada dia o número aumenta)? Conta panóis...

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  2. Os haitanos que vieram ao Brasil são exemplo de migrantes econômicos, os venezuelanos, não. Os problemas das máfias mexicanas vêm de décadas, idem para as perseguições contra “ambientalistas” (com muitas aspas!) no Brasil e blá, blá, blá, que nada tem a ver com a anista. Sobre a Nicarágua, o exemplo é o mesmo da Venezuela (o caudilho ascende ao poder e thã-rã-rã…). Sobre os imigrantes que estão indo a Portugal, se estás referindo aos brasileiros, sabes bem que nenhum foge da fome ou da perseguição política. Por fim, ainda sobre a “diáspora” brasileira, a depender das eleições deste ano, o que vai ter de brasileiro indo viver em París…

    Em tempo, já viste isso?

    https://painel.blogfolha.uol.com.br/2018/07/30/pt-convoca-jejum-nacional-para-reafirmar-candidatura-de-lula-ao-planalto/

    Eu estou surpreso. Não sabia que este partido iria tão além. Se defendes esse tipo de “política”, seu lugar não é Portugal, talvez o Burkina Faso.

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