quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Textos (s)em contextos


POR VALDETE DAUFEMBACK


Em todos os lugares, se observarmos bem, sob qualquer contexto nos permite extrair textos passíveis de reflexões teóricas. 

A sala de aula é um destes espaços onde permeia as contradições (no bom sentido) que provocam nas entrelinhas inúmeras abordagens reflexivas extra conteúdo programático. Vivencio todos os dias situações peculiares de grande relevância analítica, ora como professora, ora na condição de aluna. Certas expressões ou comentários renderiam artigos, teses, temas para seminários.

As redes sociais são emblemáticas nesse sentido. Com muita freqüência seus textos ou comentários, mesmo desprovidos de contexto, sem indicação de fontes confiáveis, são compartilhados e costumam pautar as discussões em vários ambientes, seja acadêmico ou não.

O alardeamento midiático sobre a “crise do país” possibilitou a qualquer um, sem conhecimento de política econômica, o poder de expor a sua “opinião”, sentenciando um futuro caótico à sociedade brasileira. Não estou negando a existência de uma crise econômica, até mesmo porque sabemos que este estado de letargia ou de inércia do mercado é extremamente salutar ao capital. Por meio da ideia de crise é que o capital se desloca de ambiente, as profissões se refazem pela contínua necessidade de aperfeiçoamento, se reduz a mão de obra e se eleva a produção com custos diminuídos.

Independentemente do teor da crise econômica, há uma crise de postura sobre os valores humanos, em que estes, os humanos, são representados pelo capital como instrumentos de reprodução de riqueza, pela constante disputa de poder entre classes sociais, pela exclusão das minorias, pelo extermínio de grupos residuais que ficaram à margem da distribuição de renda e de oportunidades de trabalho. Este sistema de disputa é tão perverso que leva pessoas não ricas a acreditarem e agirem como tal, defendendo os privilégios daquela e, ao mesmo tempo, condenando seus próprios pares, insultando-os com declarações de ódio, de difamação e todo tipo de ofensa, sob efeito da ignorância que não larga as entranhas cerebrais, por mais informações que se tenha e que estejam disponíveis. 

É grande a possibilidade de envenenamento ideológico pelas redes sociais quando não se tem discernimento político para entender as intenções de certos conteúdos postados. Invenções e difamação, deliberadamente passam a ser consideradas instrumentos de verdades. Se aceita com muita facilidade discursos propagadores de ódio, especialmente quando proferidos por quem jamais deveria ter crédito. Chega a ser preocupante a falta de critérios cognitivos de pessoas que se identificam como cristãs e, no entanto, estão na lista dos “adoradores de Sheherazade”, ou seguidores de Bolsonaro, de Feliciano, entre tantos outros que declaradamente já mostraram seu ódio contra as minorias, incitando abertamente a violência como instrumento de poder, constituindo-se uma total inversão de valores.

Estamos perdendo a capacidade de entender até mesmo que crianças e adolescente precisam ser protegidas contra todos os tipos de riscos, de violência, de abandono, de vulnerabilidade social, não só por força das leis, mas por reconhecer que o desenvolvimento moral e cognitivo de ser humano depende significativamente da sua relação com o meio e das condições materiais.  

 Motivados por argumentos epistemológicos da comunidade científica, acreditava-se que o conhecimento racional, a partir de debate reflexivo, substituiria o determinismo mecanicista e a ignorância. Hoje entendemos que ainda não alcançamos este ideal societário e que será preciso desequilibrar o senso comum e motivar o sentimento da dúvida para dela extrair critérios reflexivos que conduzam ao discernimento da justiça, da segurança e paz social. Neste aspecto, as instituições de ensino têm muito que aprender. 

8 comentários:

  1. Texto muito bonito e bem escrito, mas difícil atribuir-lhe alguma credibilidade vindo de alguém que culpa o carcinoma ao invés do cigarro.

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  2. Estes dias vi uma charge que caracteriza bem o assunto abordado no seu texto. Uma multidão enfurecida em volta de uma pessoa linchada, todos armados de paus e pedras, e um filho ao lado de um pai também enfurecido pergunta: "pai, posso ir lá também dar um soco nele?".
    Neste tempos de linchamentos de pobres e negros, de ataques a onibus cheios deles, há de se perguntar que tipo de exemplo e de educação estamos passando para as nossas crianças e adolescentes. A de que é justo e justificável isto pela ausencia do Estado nestas questões? A de que é justo e justificável isto por que aquilo que julgo ser bandido só é bom morto? A de que é justo e justificável isto por que quem manda dentro de casa e no país sou eu?
    A hipocrisia e a covardia andam a galope nestes tempos. Os(as) valentes atrás de teclados, que vomitam suas frustrações diariamente tentando se auto-afirmar, é que ajudam a formar movimentos de ódio como este. Movimentos que inclusive geraram o holocausto e estão gerando a onda de refugiados na Europa.

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  3. "Chega a ser preocupante a falta de critérios cognitivos..." Concordo. Vide esse texto aqui
    http://www.chuvaacida.info/2015/08/a-rua.html?m=1 , de autoria de... Opa.

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  4. Interessante ler textos de pessoas supostamente bem formadas e instruídas, posando de detentoras da verdade, quando na verdade são parciais, pois filtram a informação que melhor lhes convém e a reproduzem com pinceladas de ideologia.

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    1. Quem lê o texto e não conhece até acredita... É uma ironia nojenta.

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  5. Sugiro a autora fazer uma análise da situação política pela qual passa o governo de Dilma Rousseff.

    Estou curioso.

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  6. Parece que a autora tem um conflito de anacronismo: primeiro tem a crise moral e ética da esquerda insuflada pelo partido que detêm a presidência do poder executivo, depois, por conta disto, uma revisão (que eu não chamaria de crise, muito pelo contrário!) sobre o real papel do Estado na vida dos cidadãos. Esta última motivada pelos conservadores, mas organizada por liberais.

    É a chance de levantar as mangas e mostrar ao cidadão brasileiro o que um governo (administrado por liberais) pode fazer por ele. A médio prazo haverá desilusões, pois, o cidadão em idade produtiva que não trabalha e não estuda (cerca de 60 milhões) terá de estudar e conseguir um trabalho, não apenas um emprego. Aos poucos as bolsas-família diminuirão e beneficiarão apenas os necessitados, não mais os indolentes (800 mil bolsas famílias foram distribuídas irregularmente durante anos). Empresas-estatais-cabides-de-empregos serão finalmente privatizadas e, com menos “armários”, os partidos não terão muito a negociar o “toma lá, dá cá”, as duas casas se esvaziarão e sobrarão apenas os interessados de fato em apresentar propostas e agir em prol do cidadão. O governo menor cobrará menos impostos de empresas e cidadãos, com a máquina enxugada e sem frentes para administrar estatais ineficientes, o governo federal finalmente exercerá o papel que lhe convém, que é o de prover educação, saúde e segurança à população. Com esse tripé bem embasado, aos poucos não teremos de presenciar mais as cenas de violência que viraram banais.

    Espero, sinceramente, que essa esquerda brasileira do século IXX, esteja morta e enterrada! Muitos entusiastas perderão a boquinha, as tetas do governo finalmente secarão.

    Eduardo, Jlle

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