terça-feira, 29 de setembro de 2015

A semiologia dos buracos na rua*


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O leitor e a leitora não têm a obrigação de saber o que é semiologia ou semiótica**. Para resumir, eu digo: é a ciência que estuda os signos. Mas o que é o signo? É aquilo que está lá para significar alguma coisa. E há poucos significantes mais corrosivos para uma administração municipal do que os buracos na rua. Complicou? Então vamos simplificar.

Em termos semióticos, o buraco é mais do que uma simples cavidade no asfalto. Porque projeta outras coisas. Há quem veja desleixo. Há quem veja perigo. Há quem veja incapacidade dos administradores. O poder imagético do buraco é tão forte que se sobrepõe mesmo às grandes obras. Há mais camas no hospital? Perfeito. Mas se estourar um pneu do meu carro num buraco lá se foi a imagem positiva.

Que tal uma comparação? O poder público põe muita fé na força dos anúncios de televisão, por exemplo, para construir uma imagem. Mas não tenho dúvidas de que o buraco comunica muito mais – de forma negativa, claro – do que qualquer filme publicitário. Porque estão no dia a dia das pessoas e podem mesmo ser considerados armadilhas, como tem sido titulado pela imprensa.

Os buracos têm o poder de criar uma semântica própria. E os seus venefícios são transversais, porque atingem tanto o dono da Ferrari, que não consegue pôr o seu bólido a andar, como o dono do Fusquinha, que teme se endividar com o conserto de uma roda, ou mesmo os passageiros de ônibus, que são obrigados a aguentar o sacolejar nas suas deslocações.

E a coisa salta para o cotidiano, para a linguagem das ruas. É fácil introduzir a palavra “cratera” no léxico do cotidiano e aumentar a dimensão imagética do problema. O que dizer quando, numa forma rústica de sinalização, as pessoas põem galhos, para prevenir os motoristas mais incautos? E quando alguém diz que "tem uma rua nos buracos". Ou ainda quando a ideia dos buracos faz a diversão de humoristas mais corrosivos, como mostra a charge do Sandro Schmidt neste texto.

Dizem que o diabo está nos detalhes. E os buracos das ruas, parecendo detalhe, na verdade são essenciais para detonar a imagem de qualquer administração pública. E não adianta dizer que o material de pavimentação é bom e que o trabalho é feito de forma diária. Porque enquanto estiver lá, o buraco está a comunicar contra o prefeito. Vou extrapolar: 10 buracos comunicam mais que um jornal inteirinho.

Ok, admito que não entendo de asfalto, de lençóis freáticos ou de trânsito excessivo. Mas entendo de construção de imagem e não tenho dúvidas de que é preciso fazer mais e melhor. Os buracos são outdoors com publicidade negativa. E ter essa percepção não é culpa minha. É da semiologia.

É a dança da chuva.

* Adaptação de texto publicado originalmente no jornal AN em janeiro de 2014. A intenção é mostrar que pouca coisa mudou desde então.
** [Linguística Ciência dos modos de produçãode funcionamento e de recepção dos diferentes sistemas de
sinais de comunicação entre indivíduos ou coletividades. = SEMIÓTICA

12 comentários:

  1. OK, pessoal, vamos esquecer Brasília porque o negócio lá tá muito feio... Vamos focar nos buracos de Joinville que o nosso amigo Baço (que vive anos em Portugal) conhece muito bem.

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    1. Leste lá no final? Onde diz: "* Adaptação de texto publicado originalmente no jornal AN em janeiro de 2014". Pouzé... é quando eu passo as minhas férias no Brasil (todos os anos). Portanto...

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    2. Se pegar os buracos da Tenente Antonio João, dá pra ver lá de Portugal, fácil....

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    3. É que comissionado da prefeitura não tem muito tempo ou experiencia de ficar lendo rodapés..

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    4. Ô, Sérgio, vai faltar dinheiro para os remédios da farmácia popular, mas para a claque não, né?

      Que bom, hein!?

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  2. Não que os buracos sejam o pior ou mais importante problema na cidade, mas falando deles especificamente, realmente está feio. Rodo a cidade de norte a sul, e o que antes começou com poucos e incômodos, agora está patético, ridículo. Onde fazem obras, abrem a cratera e assim deixam, mostrando o desleixo e irresponsabilidade com o cidadão. Vide a beira-rio, logo na frente da prefeitura, onde quase presenciei um acidente esse final de semana. O responsável por aquilo ali deveria estar na cadeia, um atentado contra a segurança pública. E a Tenente Antônio João então? Façamos as obras, mas deixem trechos transitáveis, fechem a via ou ao menos sinalizem. Amadorismo ou displicência?

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    1. Joinville é a cidade rica mais pobre que eu já conheci. Quando vai aparecer alguém que invista seriamente em infraestrutura?

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  3. Pela LC 325/2010 cada outdoor em Joinville tem que pagar uma taxa de 0,45 UPM/ano para o município. Já pensou se isso pudesse ser aplicado, pela equivalência semiótica, aos buracos!!!... A Secretaria da Fazenda teria que mandar construir uma caixa forte pra guardar todo esse $$$ também!!!

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  4. Esta semiologia é uma coisa interessante mesmo. No governo Carlito eu já alertava alguns comissionados sobre esta questão da importancia do buraco no inconsciente (ou consciente mesmo?) coletivo da cidade. E principalmente no dia a dia dos cidadãos, da birra que gerava, dos prejuízos no bolso e principalmente na imagem do gestor. Se o índice de saneamento triplicava ninguém estava nem aí, se praças eram reformadas ou inauguradas idem, mas se caísse num buraco era Carlito e PT nunca mais.
    Mas esta gestão atual é realmente inédita: até agora não se dá nada em troca aos prejuizos da buracolândia. Mas como explicar então que a imagem do prefeito continua incólume frente à midia tradicional? Mistérios....

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  5. Não adianta fazer obras de colocação de tubos e não sinalizar direito os buracos, mais cedo ou mais tarde irá causar um acidente grave. Agora os buracos e falta de obras de asfaltamento em Joinville é um problema crônico, se todos que tiveram rodas danificadas com estes buracos processassem a prefeitura, o valor da ação seria grande. Um processo devido a um acidente com morte seria muito pior. Como sempre a prefeitura descobre um buraco pra tapar outro.

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  6. Leitura obrigatória para nossos "administradores", mas parece que ninguém leu, ou não entendeu, pois foi matéria publicada em 2014...
    Boa Baço !

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