sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Criminalização da homolesbotransfobia: precisamos ir além.


POR EMANUELLE CARVALHO

Em 2014, foram formalmente contabilizadas 326 mortes de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais no Brasil. Ou seja, a cada 27 horas, um LGBT é morto no país. O número é um dos mais altos do mundo, e provavelmente é subestimado em virtude das mortes não registradas devidamente pelas delegacias. Nos casos onde a população LGBT é também profissional do sexo, os índices são ainda mais maquiados, sendo comumente vistos como ‘’desentendimento’’ entre clientes. (que a deusa me livre de me desentender assim). O número representa um crescimento de 4,1% referente a 2013.

Mas aí o leitor pode me questionar: e quantos heterossexuais morrem todos os dias e ninguém faz nada? Heterossexuais não morrem em virtude de sua orientação sexual, ou sua identidade de gênero. Ninguém é odiado, maldito, mal visto, expulso de casa ou estuprado porque resolveu assumir-se hétero. Aliás, as pessoas sequer precisam assumir-se hétero, não passam por este constrangimento. A heterossexualidade compulsória e a cissexualidade compulsória, ou seja, essa mania que a sociedade tem de achar que todo mundo que está a sua volta é necessariamente hétero e necessariamente cissexual (termo utilizados para se referir às pessoas cujo género é o mesmo que o designado quando do seu nascimento) funciona como uma manutenção e aprovação desta LGBTfobia.

Além disso, a promoção da impunidade quando não existe uma legislação específica que trate casos como estes dificulta a investigação e estimula que novos casos ocorram. Aproximadamente 80% dos casos não vão a julgamento em virtude a ineficiência do poder público. Será que apenas criminalizar esse tipo de crime é suficiente? Será que aprisionar um homofóbico fará com que ele se ressocialize e compreenda seus preconceitos?

Claro que não.

A punição colabora para que o combate aos crimes contra a vida se intensifique, mas o preconceito ainda precisará ser sistematicamente combatido. Em 2014 a lei que define os crimes de racismo fez 25 anos e até hoje nenhum caso se enquadrou na norma, tendo a justiça apenas tipificado como injúria racial, tendo em vista uma pena mais branda. Ao aprovarmos uma lei anti homofobia cairemos no mesmo dilema: o preconceito social dos agentes da lei também precisa ser revisto.

Casos como o do Goleiro Aranha, e do técnico eletrônico Januário Alves de Santana (que apanhou de seguranças em um estacionamento de mercado) foram sentenciados como injúria, mesmo sendo vistos por militantes do movimento negro, pela secretaria de igualdade social, e lidos pela sociedade em geral como racismo.O fato é que precisamos repensar novos formatos educacionais partindo da educação formal, passando pela interação midiática e pela desconstrução do preconceito no trabalho e nos espaços da academia.

Para isso, é preciso antes de tudo, que a gente se entenda e se reconheça enquando homolesbotranfóbico. Se nenhum de nós se considera homofóbico, bifóbico, transóbico, lesbofóbico quem é que produz esses preconceitos? Precisamos conversar sobre sobre homolesbotransfobia..

Hoje, os parâmetros curriculares nacionais, os famosos PCNs que regulamentam os temas a serem tratados nas escolas públicas de todo os país, possuem como tema transversal a diversidade cultural, a orientação sexual e os debates sobre identidade de gênero? Há, inclusive verba específica do Ministério da Educação para a capacitação e formação de professores que não tenham intimidade com a temática (mesmo sendo pressuposto de que o professor já deva ser orientado sobre isso em sua graduação).

Porém, hoje em Joinville essas diretrizes não são seguidas, e qual o motivo? O descaso com as mortes de LGBTs configura dupla violência: a de uma sociedade doente e medieval, e a de um estado omisso, inseguro e pouco eficaz.





7 comentários:

  1. Se um homossexual for atropelado, sua morte é contabilizada também? E se for vítima de latrocinio?
    Os números são, de fato, altos, mas a fonte é confiável? Porque deveríamos confiar em dados de ONG's em detrimento dos oficiais?

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    1. Caro anônimo, obrigada pela contribuição.
      Não, são contabilizados crimes de ódio, assassinatos e crimes hediondos. Não entram crimes de trânsito, muito menos latrocínio.
      Bom, o ideal mesmo, era que o estado se desse ao trabalho de relatar esses números, mas o estado não sabe nem atender as vítimas, muito menos monitorar os índices. E você sabe, os governos tendem a maquiar esses tipos de informações.
      Além disso, muitos LGBTs não são contabilizados, por exemplos as pessoas trans sem retificação no nomes. São contabilizados como crimes de assassinato apenas. Infelizmente.

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  2. As 326 homolesbotransmortes representam 0,58% das 56 mil pessoas que foram assassinadas no brasil em 2014..

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    1. Primeiro, é importante pontuar que estes números estão muito abaixo dos números oficiais, e estão entre os maiores do mundo. As pessoas assassinadas no Brasil morrem por diversos motivos, entre eles a desigualdade social, que ao meu ver, é o mais grava.
      No entanto, com exceção dos pretos, ninguém morre simplesmente por existir. LGBTs e negros estão nessa condição. São mortos pq existem, porque estão resistindo em uma sociedade.

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    2. Compare esse número também ao número da população LGBT, e verás que estamos sendo dizimados. fazer recorte assim é fácil.

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  3. Ué, o número é muito maior mas "divulga esse aí mesmo?"
    se vc tiver o número de homolesbotrans no brasil eu faço as contas. fácil, regra de três. mas não sei se vai salvar teu argumento, a ver.
    dizimados vc forçou, né?

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