terça-feira, 3 de setembro de 2024

Adriano Silva e Sargento Lima em guerra... de travesseiros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O deputado Sargento Lima e o prefeito Adriano Silva, um candidato e outro recandidato à Prefeitura de Joinville, entraram em guerra. Eis um fato que podia animar a campanha, que anda modorrenta, mas parece ser apenas uma guerra de travesseiros. Umas penas para lá, outras penas para cá e fica tudo na mesma. Sem ideias relevantes para apresentar, os dois ficam com picuinhices. O que, em bom português, significa dar excessiva atenção a coisas desimportantes. 

ROUND 1: A campanha do candidato Sargento Lima denunciou erros nos adesivos “perfurades” (é aquela coisa do vidro dos carros), que Adriano Silva está a dar aos seus apoiantes. Dizem que o diabo está nos detalhes: a peça publicitária não tinha a legenda de todos os partidos integrantes da coligação “Unidos por Joinville”. Não foi legal. Terá sido descuido? Há quem diga que o prefeito tem aliados incômodos porque há partidos fazem parte do governo Lula. O eleitorado bolsonarista não perdoa essas traições.

ROUND 2: Adriano Silva subiu nas tamancas e deu o troco no mesmo nível. Ou seja, um tema tão definidor quanto um unicórnio a fazer compras numa farmácia. A campanha do atual prefeito entrou com uma representação contra a propaganda do adversário. Ao que parece, a janela do intérprete de libras nos filmes do Sargento Lima não estava no tamanho certo. E a justiça suspendeu a propaganda. Coisa de bolsonarista. É uma briga por tamanho. Parece que os centímetros do sargento não são suficientes para Adriano.

Enfim, esse é o retrato da política de Joinville. Na total ausência de ideias, dois bolsonaristas se engalfinham por... coisa nenhuma. Ou melhor, é uma briga de perros querendo demarcar o território (sabiam que os cães mijam nos lugares para delimitar o próprio espaço?). Eis a briga: ambos querem ser reconhecidos como bolsonaristas. E eu fico a pensar. Mas qual é a pessoa com dois dedinhos de testa que quer ser vista como bolsonarista? Até pode ajudar a ganhar a eleição (estamos a falar de Joinville), mas a imagem fica toda cheia de lama. Irremediavelmente.

É a dança da chuva.






segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Palácio das Orquídeas deixa Adriano Silva numa saia justa

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Adriano Silva tem um abacaxi para descascar. A denúncia do uso indevido de verbas da educação, aplicadas num projeto de turismo, abre uma rachadura na imagem de bom gestor que ele tenta projetar. Pode até nem haver consequências legais, mas a sua credibilidade deve sofrer algum abalo. A denúncia feita pelo advogado Rodrigo Bornholdt, candidato a prefeito pelo PSB, deixou Adriano Silva numa saia justa. 

Que tal relembrar a sequência do escândalo do Palácio das Orquídeas? O caso começou com Bornholdt a fazer a denúncia. Adriano foi a uma rádio acusá-lo de fake news. Rodrigo fez um “react” nas redes sociais e mostrou o contrato da Prefeitura para provar as afirmações. E fechou com um desafio a Adriano: “fica aí o teu direito de resposta para esclarecer de onde está vindo o dinheiro do suposto Palácio das Orquídeas”. A bola está com Adriano. 

As implicações administrativas e políticas são relevantes, claro, mas o escândalo traz algo novo. É que depois de chegar à prefeitura quase por obra de Nossa Senhora do Acaso, o atual prefeito teve uma vida muito fácil. Ninguém peitou. Adriano Silva navegou sempre em águas calmas, sem oposição. Os bolsonaristas (que têm muito em comum com o prefeito) alinharam alegremente. A oposição mais à esquerda não foi além de pequenas troças nas redes sociais.

Eis a novidade. Este é o primeiro chacoalhão a sério sofrido pelo atual prefeito. Não dá para dizer que vai causar mossa na sua imagem, claro. Até porque a imprensa, sempre muito meiguinha, deve permanecer no seu “rigor mortis”. Quer dizer que a pendenga só pode prosperar nas redes sociais. E se os outros candidatos pegarem carona na denúncia. Então, é possível que a coisa escale e que surjam outros fatos. 

Enfim, é só os opositores fazerem oposição. É certo que o atual prefeito nada de braçada nas redes sociais. Nem tanto por talento, mas porque sempre esteve sozinho na piscina. Mas o chato de governar pelo Instagram é que isso cria um mundo virtual e dá a ilusão de que Joinville é uma Shangri-La. A diatribe do Palácio das Orquídeas mostra uma nova face do jogo: o prefeito sendo obrigado a descer ao mundo real, onde estão as pessoas de carne e osso, para se explicar. E aí o jogo é outro. 

 Ah... mas não dá para chamar de escândalo. Dá sim. Tudo o que aponte para mau uso de dinheiro da educação é sempre um escândalo. E este episódio mostra que nem tudo são flores para Adriano Silva. A imagem dessa Joinville-Shangri-La criada no Instagram está a ser abalroada por um choque de realidade. Bem-vindo ao mundo real, prefeito. Mas fica a constatação: não existe filtro de Instagram para maquiar a realidade.

É a dança da chuva.

Rodrigo Bornholdt fez a denúncia, Adriano Silva ainda não apresentou uma explicação.


domingo, 1 de setembro de 2024

Musk pensa que o Brasil é a casa da mãe-joana

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O ministro Alexandre de Moraes tornou-se uma figura de dimensão mundial. Ao tirar o X/Twitter do ar no Brasil, o magistrado abriu um predecente importante: agora o mundo sabe que é possível fazer frente à arrogância dos bilionários das redes sociais, que tendem a dar de ombros para as leis nacionais. O caso de Elon Musk, um sujeito que anda pelo mundo a fazer favores à extrema-direita, é o mais notório. 

A desfaçatez de Elon Musk já tinha ficado explícita na declaração sobre a Bolívia, há alguns anos. “Vamos dar golpe em quem quisermos. Habituem-se”. Ao que parece, os donos de redes sociais julgam ser intocáveis. E no caso do X/Twitter, o seu dono não se importa de estar ligado ao que há de mais reacionário. Musk tem ligações a líderes como Modi, Trump, Órban ou Erdogan, pessoas com tiques autoritários e que pouco devem à democracia.

Os bilionários das redes sociais tendem a ser fortes com os fracos. Musk tentou encurralar a Justiça brasileira, ignorando as leis do país. Achou que tinha uma boa mão e decidiu subir a parada. Mas Moraes, que parece ter os tomates no lugar, não caiu no blefe e tirou o X/Twitter do ar. É um golpe duro para o bilionário, porque o Brasil é um dos principais mercados mundiais do X/Twitter, tanto em número de usuários quando de faturamento. E a rede anda mal das pernas.

Musk blefou e perdeu. O problema é que a decisão de Moraes pode contagiar outros mercados. A Comissão Europeia, por exemplo, tem advertido o X/Twitter sobre a possibilidade de multas pesadas e até a proibição da plataforma na Europa, caso não sejam cumpridas as exigências da Lei de Serviços Digitais. A União Europeia tem poder para multar empresas em até 6% do seu faturamento global se não respeitarem as regulamentações ou tiverem violações contínuas.

Um dos pontos de atrito entre o X/Twitter e as autoridades europeias é o problema da desinformação. A rede tem sido advertida por não tomar as medidas necessárias para combater a desinformação, além de não remover conteúdos nocivos. Musk tem uma posição ambígua na Europa: diz que vai cumprir as regras, mas na prática não é bem assim. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. A diferença é que ele achou que o Brasil é a casa da mãe-joana.

Mas o mais ridículo é ver brasileiros da extrema-direita – até gente que nunca foi ao X/Twitter – pagando pau para um gringo que se considera acima da lei. Os caras estão a favor de Musk e contra Moraes (o que até faz sentido, porque é o ódio número um dos bolsonaristas). Mas para completar o pacote de burrice, tentam associar a decisão do magistrado ao presidente Lula. Cuma?! Tem que ser muito mau carater ou idiota... ou as duas coisas ao mesmo tempo.

É a dança da chuva.





quinta-feira, 22 de agosto de 2024

A comunicação de Lula não é ruim: o trabalho é que é muito difícil

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Tem muita gente batendo forte na comunicação do governo Lula. Dizem que o pessoal não consegue atinar com estes tempos do digital. Pode ser. Mas não é assim tão simples. Porque as armas são desiguais. Tentar levar a verdade a um mundo onde impera a falsificação é um trabalho de Sísifo. Imaginem que hoje a mentira deixou de ser mentira: virou um “outro tipo” de verdade, a tal da “pós-verdade”. A extrema direita, que produz desinformação em doses cavalares, está a nadar de braçada. 

O leitor e a leitora estão familiarizados com a expressão “information overload”? Ora, não é coisa nova. O termo foi usado pela primeira vez na década de 60 do século passado, em ambiente acadêmico, e acabou popularizado pelo escritor americano Alvin Toffler. O cara é muito conhecido pelas suas previsões sobre a sociedade da informação. Mas o que significa essa sobrecarga (overload)? Que a quantidade de informações disponíveis supera a capacidade que o ser humano tem de processá-las de forma adequada. Daí resultam leituras da realidade muito equivocadas.

E a coisa piorou. A tecnologia e as redes sociais evoluíram, tornando o desafio ainda maior. O excesso de informação deixou de ser uma sobrecarga quantitativa. Não há qualquer dúvida de que o mundo evoluiu da “information overload” para uma “desinformation overload” (ou “infoxication”). É a expressão exata para descrever um cenário onde, além da abundância, há uma proliferação de informações falsas ou intencionalmente enganosas. As pessoas perderam a capacidade de distinguir as  linhas que separam a verdade da mentira. 

Há atores políticos que têm o objetivo confundir as pessoas e minar a confiança em fontes de informação confiáveis. É só lembrar a declaração de Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump, quando disse que a verdadeira oposição não são os rivais políticos, mas a mídia, e que a estratégia é “inundar a zona com merda”. É a estratégia do quanto pior, melhor. O objetivo é saturar o espaço informacional com tantas narrativas fajutas que o cidadão comum se vê desorientado, incapaz de discernir o que é real.

Exemplos práticos dessa lógica estão nas raízes do trumpismo e do bolsonarismo. Neste momento, Donald Trump está em campanha para voltar à Casa Branca. No debate que teve com Joe Biden (antes da desistência), em junho último, Trump fez tantas alegações falsas que muita gente perdeu a conta. A imprensa mostrou dezenas de afirmações enganosas ou imprecisas. Um exemplo do absurdo. Trump repetiu a ideia de que os democratas apoiam abortos “depois do nascimento”. É a esquizofrenia total. Até porque aí já seria assassinato e não aborto.

O bolsonarismo seguiu roteiros parecidos. Falsificações grosseiras como a “mamadeira de piroca”, o “kit gay” ou o “banheiro unissex” foram usadas para impulsionar o nome de Jair Bolsonaro. A proliferação de “fake news” no WhatsApp, por exemplo, criou uma legião de idiotas. É gente que rejeita qualquer informação que não esteja em linha com as suas crenças. Já não se trata do direito de ter a própria opinião, porque eles reivindicam o direito de ter os próprios fatos. 

Enfim, essa “desinformation overload” é um extremo que confunde e impede o diálogo democrático. O resultado é a polarização e a fragmentação do tecido social, como vemos no Brasil. Num mundo onde a verdade se torna líquida (para citar Bauman), a confiança nas instituições é corroída. As sociedades democráticas enfrentam um desafio sem precedentes: restaurar a ideia de verdade em meio a esse mar de merda proposto por Steve Bannon. O futuro das democracias depende disso. É difícil, muito difícil. Que o digam os homens da comunicação do governo Lula. 

É a dança da chuva.

Foto: Ricardo Stuckert



segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Se é preciso apoiar autocratas, então não sou de esquerda

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É uma coisa muito doida. Um dia destes ouvi que não posso me considerar de esquerda. Por quê? Porque eu não vou à bola com Putin ou Maduro. E para uma certa esquerda (por sorte minoritária) isso é uma forma de dissidência, uma heresia ideológica. O fato é que são dois autocratas. Há alguma diferença entre os dois? Sim. É que Putin faz eleições para ganhar de goleada (nada abaixo dos 80% é aceitável), enquanto Maduro faz eleições em que corre o risco de perder. É por isso que hoje o presidente venezuelano está metido nessa alhada.

Um pouco de história. Quando Hugo Chávez tomou as rédeas na Venezuela, senti uma certa simpatia. Porque ele implementou políticas de nacionalização da indústria petrolífera, amentando o controle sobre a PDVSA (Petróleos de Venezuela, S.A.), e direcionou os lucros do petróleo para programas sociais. É óbvio que isso causou um ranger de dentes nos grupos de interesse que mamavam na teta do petróleo venezuelano, tanto dentro quanto fora do país. E, como seria de esperar, seguiu-se um autêntico massacre midiático contra Hugo Chávez. 

As mídias local e internacional atacaram sem dó nem piedade. Lembro de ter escrito um texto chamado “o nome do jogo é petróleo”, em que falava desse ataque da imprensa, na tentativa de criar a ideia de que Hugo Chávez era um tirano. É claro que isso deixou marcas na sua imagem. Mas há os fatos: a dependência das verbas do petróleo era demasiada. O governo chavista cometeu o erro de pouco (ou nada) investir na diversificação da economia. O país acabou refém da própria inação e a distribuição da riqueza foi sol de pouca dura. 

Não é arriscado dizer que Chávez subestimou a história. Muitos dos governantes que se opuseram aos interesses do Tio Sam na América Latina (à exceção de Cuba) tiveram um destino infausto: foram apeados do poder. Getúlio Vargas, João Goulart, Juan Domingo Perón ou Salvador Allende. Os países gulosos pelo petróleo nunca iam deixar barato. O fato é que, muito pressionado, Chávez adotou um estilo messiânico e de fanfarronice verbal, o que serviu para provocar profundas fraturas na vontade dos venezuelanos. E detonou a imagem do líder.

Quando os preços do petróleo caíram de forma drástica, a má gestão ficou escancarada. Em especial porque a PDVSA, primordial na economia do país, estava a ser mal gerida e corroída pela corrupção. E chegamos a Nicolas Maduro. Quando o atual presidente chegou ao poder, o controle das instituições já era muito apertado. O discurso era de socialismo, mas a prática ia no sentido do autoritarismo. Os problemas não desapareceram (até aumentaram) e com o tempo Maduro garroteou ainda mais estruturas de poder. A democracia cambaleou e soçobrou.

O que temos hoje? Um governo enquistado de militares (ele chama “cívico-militar”). Denúncias infindáveis de corrupção. Estruturas de milícia entranhadas no tecido social. O aparelhamento do poder judiciário. A comunicação social na alça de mira. A oposição silenciada ou posta de lado. Os serviços de segurança acusados de repressão e violações dos direitos humanos. As sanções, sobretudo dos EUA, a provocar danos. A excessiva dependência da China e da Rússia. Um sistema eleitoral sob controle do governo. E deu no que deu.

E, no que interessa aos brasileiros, Maduro deixou Lula numa sinuca de bico. O “Acordo de Barbados”, assinado no ano passado com o empenho da diplomacia do Brasil, foi para o vinagre. O governo de Nicolás Maduro e os líderes da oposição venezuelana concordaram com o modelo da eleição de julho passado. O acordo previa um pleito livre e justo, além de incluir a liberação de presos políticos e a reabertura do espaço democrático. Mas, como sabemos, nem o governo e nem as oposições da Venezuela são muito chegados ao cumprimento das promessas.

Agora Lula e a sua diplomacia têm que decidir qual é a posição do Brasil. Se aceitar a vitória de Maduro, agrada a essa parte da esquerda brasileira (que tem métodos próximos de um bolsonarismo às avessas). Mas, por outro lado, corre o risco de perder o capital internacional que conquistou ao longo da sua vida política. Aliás, existe uma coisa elementar: se Maduro ganhou as eleições e as tais atas comprovam isso, nada mais natural que apresentar no tempo certo. Não apresentou? Até uma criança de seis anos de idade vai achar isso esquisito.

Enfim, traduzindo para o português do Brasil: Maduro é tudo o que Bolsonaro queria ser. E é aí que essas “esquerdas” brasileiras são zarolhas. Porque ser de esquerda é defender democracias e não regimes autocráticos. Então fica a auto-análise: será que eu posso me considerar de esquerda. Ora, se para ser de esquerda eu tiver que defender ditadores e autocratas, então podem rasgar a minha carteirinha. Essa linha eu não cruzo. Enfim, podem contar com a minha bonomia, mas nunca com a minha ingenuidade.

É a dança da chuva. 

 Foto: Ricardo Stuckert