sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Zap



POR SANDRO SCHMIDT

Como as democracias morrem. E como o WhatsApp é culpado

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Acabou a palhaçada. Ontem a Folha de S. Paulo publicou uma matéria a revelar que empresários ligados ao candidato Jair Bolsonaro estão a bancar a veiculação de mensagens contra o PT e Fernando Haddad pelo Whatsapp. O golpe final, diz a reportagem, seria na próxima semana e seriam investidos cerca de R$ 12 milhões. É crime eleitoral, claro. Mas no Brasil do golpe essas coisas parecem não importar. O país  virou uma casa da mãe-joana e pedir ações da Justiça é atirar palavras ao vento.

O PT entrou com um pedido para que a Polícia Federal faça uma investigação. Os representantes de Ciro Gomes cogitam pedir a anulação do primeiro turno. Nada deve acontecer.  Mas pelo menos agora temos as provas de que há uma fraude e isso vai pôr em causa a legitimidade do candidato fascista, caso venha a ser eleito. E deixar claro que a imagem de honesto é pura fachada. Há também rumores (sim, eu escrevi rumores) de que pode vir mais chumbo pesado contra Bolsonaro. É esperar para ver.

No entanto, independente dos fatos de ontem, fica uma pergunta: o que leva um país a votar num homem sem qualidades e com muitos defeitos como Jair Bolsonaro? É um daqueles momentos em que há muitos questionamentos sobre a democracia. E mesmo a ideia de “um indivíduo, um voto” – inegociável para qualquer democrata – acaba posta em xeque. Afinal, é difícil atribuir valor a um voto feito com o fígado e não com o cérebro. Enfim, é um paradoxo que a democracia terá que resolver, porque estes tempos são difíceis.

Donald Trump, Vladimir Putin, Matteo Salvini, Viktor Orbán, Nigel Farage, o crescimento AfD ou o risco da vitória de Bolsonaro (se bem neste caso há a componente fascista) são um sintoma do mal-estar da civilização. O surgimento da tal “democracia iliberal”, que não passa de uma contradição dos termos, mostra que as liberdades estão em risco um pouco por todo mundo. Há razões diferentes, claro, mas sempre baseadas nos nacionalismos exacerbados, na rejeição do outro (onde o ódio está presente) e do autoritarismo.

Em agosto deste ano, a Fundação FHC, criada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, recebeu o cientista político norte-americano Steven Levitsky, professor na Harvard University, para falar na relação entre o “populismo e o autoritarismo competitivo”. Steven Levitsky é autor do livro “Como Morrem as Democracias”, em parceria com Daniel Ziblatt, também professor na Harvard University. Os dois dedicaram os últimos 20 anos ao estudo do debacle de regimes democráticos na Europa e também na América Latina.

Nesse trabalho, os dois cientistas fazem um alerta. Hoje o fim da democracia não é mais resultado de choques fraturantes, como os golpes militares. Já não é necessário usar armas, porque porque as estruturas de poder podem ser arrebatadas através de outros estratagemas: o descrédito da política tradicional, do uso de ferramentas comunicacionais – a imprensa incluída – e a corrosão paulatina de instituições chave, como é o caso do Poder Judiciário. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.

Como morrem as democracias? Deixemos o próprio Steven Levitsky falar. Veja o filme.

É a dança da chuva.


quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Bolsonaro, 40 anos em 4

POR CLÓVIS GRUNER
“O progresso pede passagem”, me avisa um comentarista anônimo, depois de classificar meu último texto como “pobre e retrógrado” e sugerir que eu continuasse “falando com as paredes”. Ele sabe, certamente, que a campanha de seu candidato foi construída com base na fabricação e distribuição em série de centenas de fake news, com um nível de profissionalismo só visto na eleição que conduziu Trump à presidência dos EUA, coordenada pelo estrategista Steve Bannon.

Ele também sabe da escalada de violência que, da destruição da placa em homenagem à Marielle Franco, executada a tiros há sete meses, ao assassinato de Moa do Katendê, sinalizam muito claramente que estamos a lidar com uma milícia que não limita sua ação ao ambiente virtual. Ele sabe, mas simplesmente não se importa, provavelmente porque considera isso o preço a pagar pelo “progresso”.

Mas onde meu anônimo leitor – que se considera uma parede, se o entendi bem – encontra, no programa de governo e nas declarações de Bolsonaro, o mais pálido indício de que sua vitória eleitoral no próximo dia 28 abrirá às portas para o progresso? Certamente não na trajetória do deputado, um político tradicional e governista, que sempre se posicionou favoravelmente à manutenção de todos os privilégios parlamentares, incluindo o direito de receber propinas e empregar assessores fantasmas.

Talvez ele vislumbre o progresso na afirmação de que Bolsonaro não negociará cargos, uma bravata típica de políticos profissionais em campanha que, no caso de Bolsonaro, já caiu por terra: ele pretende nomear como Ministro da Educação um dos diretores da “Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)”, justamente a entidade que mais lucrará se, presidente, Bolsonaro levar adiante sua proposta de implementar o ensino a distância desde a alfabetização.

Paulo Guedes, o candidato a Ministro da Economia do candidato a presidente que é honesto e não negociará cargos, é sócio em negócios que lucrarão muito dinheiro com as propostas econômicas de Bolsonaro que, aliás, ele ajudou a formular. Além disso, está a ser investigado por supostas fraudes em negócios com fundos de pensão de estatais, associado a executivos e políticos ligados (adivinhem?) ao MDB e ao PT. Um progresso e tanto, sem dúvida.

A agenda liberal, que a depender do ponto de vista justificaria a crença algo oitocentista no progresso, também é incerta: Bolsonaro já foi chamado de “ameaça” pela britânica “The Economist” e pelo filósofo nipo-americano Francis Fukuyama. É verdade que entre seus eleitores, ambos viraram bastiões do comunismo internacional, mas isso só demonstra, mais uma vez, o baixíssimo nível intelectual daqueles. Além disso, ele não tem um programa claro para a economia e se recusa a debater como pretende implementar, depois de eleito, medidas para conter a crise.

Violência e Venezuela – Maria do Rosário, a que não merece ser estuprada porque é feia, apresentou Projeto de Lei para aumentar a punição a quem comete crime contra funcionários públicos no exercício de sua função, incluindo policiais. Marielle Franco, a que foi assassinada, prestava assistência, por meio da Comissão de Direitos Humanos da Alerj e do seu mandato como vereadora, a policiais e familiares vítimas da violência.

Já Bolsonaro promete acabar com a violência, o que seria de fato um progresso, mas nunca aprovou um único projeto que beneficiasse as políticas públicas de segurança no seu estado em quase 30 anos como deputado. Informado sobre as seguidas agressões perpetradas por seus apoiadores nos últimos dias, se desresponsabilizou inteiramente por elas. Seu desejo é que o Brasil volte a ser como há 40, 50 anos – ou seja, durante a ditadura militar, justamente o período em que os índices de criminalidade explodiram.

Mas talvez o anônimo comentarista se refira ao “risco Venezuela”: circula furiosamente nas redes a versão de que apenas um governo bolsonariano pode evitar que o Brasil copie o país vizinho, mergulhando-nos no atraso. É verdade que parte da esquerda, incluindo segmentos do PT, ainda insiste em defender o desastre autoritário em que se transformou a Venezuela. Mas não há nada, nos 13 anos de governo petista, que sustente um medo que só sobrevive graças à ignorância e os grupos de WhatsApp.

Não se pode dizer o mesmo de Bolsonaro, no entanto. Ele pretende nomear “um montão” de ministros militares. Como Hugo Chávez na Venezuela. Seu vice, o general Mourão, defendeu uma Constituição sem constituinte, escrita por “notáveis” e depois submetida a referendo popular, sem debate com a oposição. Como Hugo Chávez na Venezuela. Bolsonaro quer aumentar o número de ministros no STF, para nomear uma maioria de juízes alinhada com seu governo. Como Hugo Chávez na Venezuela.

Em artigo publicado recentemente na revista “Época”, Conrado Hübner Mendes escreveu que ser “contra a venezuelização do Brasil e votar em Bolsonaro é uma contradição performativa (aquele ato que faz o contrário da intenção declarada)”. Para a cientista política Maria Hermínia Tavares, Bolsonaro representa o chavismo com sinal invertido. Steven Levistky, professor em Harvard e autor de “Como as democracias morrem”, equipara Bolsonaro a Chávez, e vê no deputado brasileiro um exemplo do que defende em seu livro.

Quem não vê nele uma ameaça é David Duke. O líder da Ku Klux Klan disse que o deputado “soa como nós”, e somou forças à ampla coligação que o apoia. Só o censura por sua proximidade com Israel, possivelmente porque desconhece que Bolsonaro não é solidário exatamente aos judeus, mas ao governo Netanyahu, de extrema direita, e à política de extermínio dos palestinos. Auschwitz, câmara de gás, Shoah? “Chega de mimimi”, diria Bolsonaro. Um progresso.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

#FICATEMER


POR JORDI CASTAN
Quando o país se digladia entre dois extremos - um acusa o outro de fascista e é acusado de comunista -, algumas reformas importantes são aprovadas sem maior estardalhaço. Mesmo estando a anos luz das mudanças que colocariam o Brasil na senda do progresso e do desenvolvimento, há uma luz no fim do túnel. O governo do presidente Michel Temer acaba de sancionar a lei que dispensa os órgãos públicos de exigir firma reconhecida. É pouco? Sim. É muito pouco. Mas coloca uma parte do país das sinecuras, da burocracia e do atraso cartorial no século XX. Avançamos do XIX para o XX, mas seguimos longe do chegar ao século XXI.

Poderíamos seguir debatendo, por décadas, se Bolsonaro e seus eleitores são fascistas ou se os partidários do PT são comunistas, socialistas ou bolivarianos. O Brasil segue firmemente âncora no seu passado, na sua ineficiência e na sua imensa capacidade de criar dificuldades, para vender facilidades. Essa ineficiência não é nova, vem desde as próprias origens do país.

Tudo aqui é complicado, emperra e nos faz menos eficientes e competitivos. Dispensar a obrigatoriedade de reconhecer a firma em cartório é um avanço. Falta saber quanto tempo vai levar para que a nova lei seja implementada e quanto tempo demorarão - os setores afetados pela entrada em vigor da nova lei - para deixá-la sem efeito ou apresentar uma nova que anule os efeitos benéficos que esta traz para a imensa maioria da população.

Dispensar a apresentação de documentos autenticados e firma reconhecida em órgãos públicos é um avanço inegável. A lei tem efeito nos três níveis, federal, estadual e municipal, e deverá ser cumprida por todos. O objetivo é suprimir ou simplificar formalidades e exigências feitas aos cidadãos e que são consideradas desnecessárias ou que se sobrepõem a outras em vigor. O que ocasiona um custo adicional para a sociedade, pela perda de tempo, pelo custo econômico e pelo desnecessário.

A partir da entrada em vigor da lei, os órgãos públicos não poderão exigir que o cidadão reconheça firma para que algum serviço ou atendimento seja feito. E transfere a responsabilidade ao agente administrativo do órgão de comparar a assinatura com a que consta no documento de identidade da pessoa. Também dispensa a exigência de cópias autenticadas de documentos. Bastará apresentar o original e cópia simples, que serão comparadas e validadas pelo servidor responsável. No mesmo sentido, também foi simplificado o procedimento de autorização de viagem de menores de idade.

O maior desafio do Brasil é o de proporcionar as condições para que o país cresça, se desenvolva e simplifique seus processos administrativos. A máquina pública precisa urgentemente se adequar aos novos desafios e adotar as novas tecnologias disponíveis para facilitar a vida dos brasileiros. A lei sancionada propõe alternativas simples e factíveis que poderiam - e deveriam - ter sido implantadas muito antes, se o corporativismo não seguisse impedindo que o país se modernize e avance.

Para não fugir do momento politico que o Brasil vive, uma pergunta que o eleitor deve se fazer, frente as duas alternativas que se apresentam, é qual responde melhor às demandas e necessidades do cidadão. E qual representa a continuidade do corporativismo que mantém o país firmemente ancorado no passado. 

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Bolsonaro diz...



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Um texto muito fácil de escrever. Foi só ir à net e pesquisar coisas recentes sobre as declarações de Jair Bolsonaro. E para que o leitor e a leitora entendam, as frases são retiradas das notícias dos jornais e começam sempre com Bolsonaro diz...:

... que trabalhador terá de escolher entre direitos e emprego.
... que o melhor plano para a saúde é ter emprego.
... que quer dar carta branca para PM matar em serviço.
... que policial que matar será condecorado.
... que pode optar por “estratégia” de não enfrentar Haddad em debates.
... que Mourão deu canelada”.
... que, se eleito, não vai acabar com o Bolsa Família.
... que, se eleito, vai tirar Brasil do Acordo de Paris.
... que se for eleito vai tirar o Brasil da ONU.
... que a Amazônia não é nossa.
... que vamos acabar com a farra dos marajás
... que “não tem a ver” com episódios de violência relacionados a seus eleitores
... que suspeição das urnas vale só para voto em presidente.
... que número de mortos na ditadura militar é igual ao do Carnaval.
... que “sou homofóbico, sim, com muito orgulho”.
... que vai lutar para desfazer alteração do WhatsApp para combater 'fake news’.
... que imprensa lixo.
... que gays “não terão sossego”.
... que quer reduzir taxas do Minha Casa, Minha Vida.
... “tem algum gay aqui? Meu beijo cura”.
... que seu plano de privatizações agrada o mercado
... que “fraudes nas urnas impediram vitória no 1° turno”.
... que “sou vítima daquilo que prego”.
... que “nunca fiz mal a ninguém".
... que perseguição a Haddad é "mimimi”.
... que “nunca preguei o ódio”.
... diz que “vamos votar nossa reforma da Previdência no 1º ano de governo”.
... que estou procurando alguém para ser ministro da Educação que tenha autoridade”.
... que não é um candidato da extrema-direita.

É a dança da chuva.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Isto Não é Um Poema




Comunicado

POR ANDRÉ BALABAN
Eu, André Balaban, brasileiro, nascido em Porto Alegre e "naturalizado" Joinvilense, casado, pai de dois filhos e um enteado, venho comunicar que DESISTI.


Desisti de tentar convencer que alguém que apoia a tortura não é cristão.

Desisti de tentar convencer que alguém que é entusiasta da ditadura militar não é um democrata.

Desisti de tentar convencer que alguém que é político faz 30 anos não é "renovação".

Desisti de tentar convencer que alguém que nunca tentou ser prefeito ou governador, seja a solução para presidente do país.

Desisti de tentar convencer que alguém que bate continência à bandeira dos Estados Unidos possa defender os interesses nacionais.

Desisti de tentar convencer que alguém que sempre combateu os direitos dos trabalhadores vai dar prioridade para as necessidades de quem mais precisa.

Desisti de tentar convencer que alguém que acha que Hitler "tem diversos pontos positivos" tem alguma humanidade.

Desisti de tentar convencer que alguém que tem um torturador como herói mereça o voto de qualquer pessoa sadia.

E sabe quando eu desisti? Ontem.
"Debatendo" nas redes sociais e tentando convencer um jovem que o "nazismo não é de esquerda", que "o Brasil não vai virar cumunista" e que "a terra não é plana".
 E sabem o que aconteceu? Não consegui fazê-lo mudar de ideia.

Então, tenho que reconhecer meu absoluto fracasso.
 Não vou mais tentar convencer ninguém de nada. Cada um que fique com sua consciência. Todos vocês sabem o que está em jogo.

Dia 28 farei minha parte, votarei 13 por mim, pela minha família, pelo Prouni, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos. pelo Pré-Sal nosso e tudo mais que foi feito para tirar o país do mapa da fome e colocá-lo um pouquinho mais perto das potências mundiais (sem jamais esquecer todas as coisas erradas que também fizeram).

Na balança entre democracia e autoritarismo, fico com a primeira e todas as suas contradições.

Mais Amor, menos ódio.
 Viva o Brasil.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Imagens da semana



POR ET BARTHES

Bolsonaro e a anatomia de uma derrota

POR CLÓVIS GRUNER
Foi afirmando seu descompromisso inabalável com a democracia, que Jair Bolsonaro se dirigiu ao Brasil na noite de domingo, logo após a confirmação de um segundo turno entre ele e Fernando Haddad. Ao lado de uma tradutora de Libras e de uma reprodução em papelão de Paulo Guedes, afirmou que o primeiro turno foi fraudado e que será preciso, após eleito, acabar com todo o ativismo político no Brasil.

Não há evidência de fraude. Problemas com urnas eletrônicas surgem e são resolvidos em todas as eleições, mas isso nunca impediu Bolsonaro de ser eleito por elas para seus vários e improdutivos mandatos como deputado. No domingo mesmo, o resultado das urnas parece ter surpreendido o próprio candidato, e não apenas porque sua votação – 46,7% do total de votos válidos – ficou bem acima do que indicavam as pesquisas.

Mas também porque o PSL elegeu a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, além de vários parlamentares nas Assembleias Legislativas de diferentes estados. Um bom número é egresso de quarteis e delegacias: no Paraná, por exemplo, são quatro delegados e quatro militares (dois soldados, um subtenente e um coronel). Depois de “regime militar” (ou “movimento”, de acordo com Dias Toffoli), parece que o Brasil fará mais uma contribuição original à ciência política: a “democracia policial”.

Os números mais que confirmam o fracasso da política e dos partidos tradicionais. Mais particularmente para a esquerda, se trata de uma derrota acachapante, que pouco provavelmente será revertida no segundo turno. Os anônimos comentaristas desse blog podem preparar o foguetório: de tanto nos mandarem para a Venezuela, a partir de 2019 a Venezuela virá até nós.

Vitória do antipetismo – Bolsonaro concorre com um programa que reproduz as conversas de grupos do WhatsApp, diagramado por algum adolescente. Suas declarações, do general Mourão e do economista Paulo Guedes, além de desencontradas, infundem temor. Os seguidos desmentidos inspiram tanta confiança quanto Collor afirmando, em 89, que não confiscaria nossa poupança.

Sem estrutura partidária nem direção, e com parcos oito segundos de TV, o PSL concentrou a campanha nas redes sociais, principalmente nos grupos de WhatsApp, onde montou uma rede de compartilhamento de fake news difícil de rastrear, controlar e desmentir, porque demasiado “líquida”. O alvo principal foi, obviamente, o PT, embora tenham sobrado petardos também para outras candidaturas do establishment.

A estratégia foi suficiente para eleger, entre outros, Hélio Fernando Barbosa, ou “Hélio Negão”: em 2016, pelo PSC, ele obteve menos de 500 votos e ficou em 131º lugar na eleição para vereador em Nova Iguaçú, no Rio de Janeiro. No domingo, recebeu 342 mil votos para deputado federal. Como Hélio, inúmeros outros candidatos que “colaram” em Bolsonaro passaram da condição de desconhecidos a campeões de voto. Por outro lado, figuras tradicionais da política brasileira, à direita e à esquerda, não conseguiram se reeleger.

Aquilo que analistas vem chamando, desde o final de semana, de “nova direita” é, basicamente, fruto de uma aliança que tem como eixo central o antipetismo. Não há programa, projetos, ideias; mas sobra um ódio patológico ao PT que justifica qualquer coisa, inclusive colocar sob risco nossa já frágil democracia, entregando o governo nas mãos de um político aventureiro e fascista.

Herança autoritária – Não há paralelo na história recente da América do Sul. Apesar de terem vivido ditaduras, algumas ainda mais cruéis que a nossa, soluções autoritárias não são sequer cogitadas na Argentina, no Chile ou no Uruguai. Nos dois primeiros, presidentes de direita foram eleitos dentro dos limites da normalidade democrática, e não há indícios de que pretendam alterá-la.

Um paralelo possível para entender o funcionamento e a capacidade de mobilização dessa “nova direita” está em outro tempo. Uma tradição historiográfica que inicia em Hannah Arendt e se estende até historiadores como Robert Paxton e Michael Mann, insiste na tese de que a eficácia do fascismo europeu dos anos 30 residiu, entre outras coisas, em sua capacidade de contrapor, à racionalidade política das democracias liberais, o irracionalismo característico das massas.

O culto personalista ao líder, o elogio da força física e da violência política, em um ambiente de instabilidade e crise, sedimentaram um tipo de unidade que não tardou a reconhecer, na democracia e suas instituições, a razão de um declínio que era, principalmente, moral. O passo seguinte foi oferecer, a essa mesma massa, um inimigo a temer, combater e eliminar.

No Brasil, Bolsonaro conta ainda com as políticas de esquecimento que atravessam e estruturam o presente de uma sociedade que não aceita nem mesmo discutir a dívida histórica da escravidão, que nega a existência de uma ditadura e desqualifica a memória de suas vítimas. No domingo, Bolsonaro prometeu “acabar com todo o ativismo político” como condição para “conciliar o país”. Instruído por algum assessor, dessa vez ele não disse que as minorias, ou se curvam à maioria, ou simplesmente desaparecem. Mas poucas vezes um silêncio gritou tão alto.

***

Bolsonaro ainda não foi eleito e a escalada da violência já começou. Ontem à noite, um aluno do curso de História da UFPR foi agredido por um grupo de eleitores aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”, porque usava um boné do MST. Não é o primeiro caso, mas é o primeiro que tem por vítima alguém mais próximo. Têm razão os que dizem que Bolsonaro não assinará nenhuma lei autorizando agredir e matar quem lhe faz oposição. Não será preciso.